Ele estava lá, o homem perplexo. Ele tinha dito qualquer coisa como “gostosa” para uma jovem mulher. E ela tinha mostrado o dedo, bem na sua cara. Tipo “te liga”. Ele explicava que aquilo não era abuso, era cantada. E a cada vez que explicava parecia encolher de tamanho. Acostumado ao topo da cadeia alimentar por quase toda uma vida, porque ele já era um velho, ele não conseguia compreender porque os lugares haviam mudado. Ele não podia mais fingir que era desejado, ele não podia mais dizer o que queria, e por fim ele desabafou que não era capaz de viver num mundo em que uma mulher não gostasse de ser chamada na rua de gostosa por um homem como ele. De repente, ele tinha ficado muito mais velho. E perguntava: mas por quê? E tenho certeza de que ele não estava blefando. Ele não sabia. Porque por tempo demais não precisou saber. E agora precisa. Naquele exato momento, aquele homem perdeu o último pinto que ainda ficava duro. E não tinha a menor ideia sobre como alcançar potência sendo o que não sabia como ser.
De tantas cenas fortes deste ano, a minha foi essa pequena, quase despercebida. Um desacontecimento que desvela um acontecimento feito onda.
Nem tudo foi retrocesso em 2017: há algo importante que se move e não é para trás
Leia na minha coluna no El País