A cantora Fabiana Cozza renunciou ao papel de Dona Ivone Lara FERNANDO CAVALCANTI (Reprodução do El País Brasil)
O que é ser negro? A negritude está apenas na cor da pele? A arte não é justamente o espaço onde o artista pode ser tudo e todos, para além de gêneros e cores? Qual peso a voz de Dona Ivone Lara deve ter na escolha final daquela que vai interpretá-la? E o que significa contrariar o seu desejo ao dizer que sua escolha não é a melhor? Dividir os negros num momento histórico em que os poucos direitos conquistados estão ameaçados não é uma estupidez política? Não seria fazer o jogo do poder e da branquitude, como apontaram alguns intelectuais negros?
São perguntas das quais não se deve fugir.
Por outro lado, há razão e razões no questionamento a uma negra de pele mais clara interpretar uma negra de pele mais escura. É um fato que os negros de pele mais escura têm muito mais dificuldade em ocupar qualquer espaço, qualquer posto e qualquer emprego, e não apenas os da arte. Se a arte é o território da alteridade, quando alguém já viu um grande protagonista branco ser interpretado por um preto no Brasil? Se já aconteceu, está na lista das raridades.
É evidente que esta é também uma questão política. E se é uma questão política, não seria o caso de compreender que, neste momento, de tanta desigualdade racial, é importante ter uma negra de pele mais escura interpretando uma negra de pele mais escura, como também foi dito por alguns intelectuais negros? Não seria um avanço do debate e da luta uma negra de pele mais clara ser capaz de renunciar em favor de uma bandeira política? Perder privilégios para fortalecer a causa mais ampla?
São perguntas das quais também não se deve fugir.
Dona Ivone Lara (à esquerda) e Fabiana Cozza em show de 2007 LEO GOLA DIVULGAÇÃO
Em entrevista exclusiva, a cantora fala pela primeira vez sobre a renúncia ao papel da grande dama do samba, Dona Ivone Lara, devido aos protestos por não ser tão preta quanto a personagem
Leia na minha coluna no EL PAÍS Brasil