Por que a violência da eleição de 2022 é maior do que em 2018
Na campanha eleitoral de 2018, no Brasil, os ressentidos deixaram seus casulos para uma metamorfose às avessas. Orgulhosos de sua essência, batiam em pessoas LGBTQIA+ nas ruas que vissem andando de mãos dadas, gritavam para os pretos “voltarem para as senzalas”, juravam varrer os indígenas da Amazônia, destruíam casas de religião afro-brasileiras. Era a vingança dos ressentidos que acumularam seu rancor por décadas diante dos avanços dos direitos e daquilo que chamam de “prisão do politicamente correto”. Sua ação foi decisiva para eleger seu porta-voz, o então candidato Jair Bolsonaro, que comemorou a vitória prometendo despachar os opositores para a “Ponta da Praia”, local de desova de corpos torturados e mortos pela ditadura militar (1964-1985). A campanha eleitoral de 2022, em que Bolsonaro busca a reeleição, é muito pior.
Depois de quase quatro anos no poder, usando a máquina do Estado para solapar a democracia, o bolsonarismo infiltrou muito mais fundo suas raízes podres nas instituições brasileiras e em organizações da sociedade civil. Se em 2018, os piores ataques racistas, homofóbicos, xenófobos e misóginos eram desferidos por indivíduos ou grupos, em 2022 eles vêm de parlamentos e associações. Embora ambos os cenários sejam pavorosos, a diferença é substancial. E ela mostra que a corrosão da sociedade brasileira será ainda mais difícil de reverter do que acreditam os mais pessimistas. Como o personagem Smith da icônica série Matrix, Bolsonaro se replica aos milhões. Mesmo que ele não seja reeleito nem seja capaz de consumar o golpe que prepara para o caso de derrota, milhares de Bolsonaros se reelegerão no parlamento e seguirão ocupando cargos de poder nas entidades de classe.
Entre as mais recentes agressões por instituições públicas, está o requerimento de uma apoiadora de Bolsonaro em Santa Catarina, um dos estados do racista sul do Brasil, para fazer uma Comissão Parlamentar de Inquérito. Ana Campagnolo quer investigar uma criança que engravidou de um estupro aos 10 anos e que conseguiu fazer um aborto legal depois de muita luta, já que a juíza e a promotora tentaram impedi-la. Para abrir uma CPI nesse parlamento são necessários 14 votos. Ela conseguiu 21, provando que representa a maioria. Mais da metade dos deputados da Assembleia Legislativa está disposta a usar seus mandatos para criminalizar uma criança que, agora com 11 anos, já foi vítima de uma violação sexual, de uma gravidez obviamente indesejada e de um aborto.
Já entre os mais recentes ataques de organizações da sociedade civil, está a carta encaminhada à presidência da República clamando ao governo brasileiro que abandone a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, que estabelece a necessidade de consulta “livre, prévia e informada” às comunidades indígenas e tradicionais que podem ser atingidas por projetos econômicos. Em 2021, a Amazônia perdeu 18 árvores por segundo, mas as principais associações e federações da indústria do Pará, estado campeão de desmatamento, sentem-se autorizadas a exigir o silenciamento formal dos guardiões da floresta em documento oficial.
Há uma semana, um homem invadiu a festa de outro, tesoureiro do PT na cidade de Foz do Iguaçu, que comemorava o aniversário com uma decoração pró-Lula. Matou-o a tiros, diante de todos os convidados, aos gritos de “Aqui é Bolsonaro”. A Polícia Civil afirmou que não era crime político. E a imprensa responsabilizou não a incitação à destruição dos adversários promovida por Bolsonaro, mas à “polarização”, como se ambos os lados fossem igualmente violentos. É assim que apodrece um país.
Bolsonaro pode perder a eleição, mas a bestialidade do que representa não apenas circula pelas ruas à luz do dia, como em 2018, mas também lidera, em 2022, grande parte do aparato institucional em todas as áreas. Bolsonaro já venceu, mesmo perdendo. E derrotá-lo será uma luta para muito mais do que uma geração.
Leia no El País (somente em espanhol)