Amigos,
A história de Belo Monte, uma história em construção, em todos os sentidos, ainda será contada em sua inteireza. Com a ajuda preciosa do meu companheiro de reportagem, o fotógrafo Lilo Clareto, tento contar pequenos capítulos dela, para ajudar nessa narrativa tão maior. Essa é a história de Otávio das Chagas. E também o olhar de um defensor público que desembarcou para encontrar uma população expulsa de suas casas sem nenhuma assistência jurídica. Como é enfrentar a ampla equipe de advogados de uma obra com custo previsto de R$ 28,9 bilhões sem sequer entender as letras? Como é ficar à margem de si mesmo, à deriva de todos os mundos que se conhece? Otávio e sua família nos contam, eles que leem a floresta, em toda a sua complexidade.
A violência se dá de tantas maneiras nesse pequeno recorte, e se dá agora, neste momento.
Leia na minha coluna do El País.
O pescador sem rio e sem letras
Otávio das Chagas tornou-se um não ser. A hidrelétrica de Belo Monte o reduziu a um pescador sem rio, um pescador que não pesca, um pescador sem remos e sem canoa. A ilha do amazônico Xingu, no Pará, onde cresceu, amou Maria e teve nove filhos não existe mais. Entre ele e o peixe não há mais nada.
Ele manda trazer uma boroca (bolsa) onde guarda os papéis. Está numa casa na cidade de Altamira pagando aluguel, a família ao redor dele, estranhando-se na paisagem. Otávio espera que os papéis possam salvá-lo, comprovar que viveu, atestar que pescava, dar conta dos surubins, dos matrinxãs, dos tucunarés e dos curimatãs que o rio lhe deu para encher a barriga de seus meninos. Comprovar até que tinha uma casa de palha onde a mulher atava as redes embaixo de pés de jaca. Otávio não sabe o que os papéis contam dele. Mas espera que digam algo de bom, algo que devolva a ele um sentido, desfaça a contradição e, por fim, retornem-no a si mesmo.
Leia aqui.