A relação contaminada entre os governos Lula-Dilma e as grandes empreiteiras fez seu monumento: é Belo Monte.
A hidrelétrica no Xingu é, tanto quanto a Petrobras exposta pela Lava Jato, o símbolo das ligações perigosas entre o Estado brasileiro e as grandes empreiteiras na história recente do país. Ligações que atravessam os governos da ditadura, os da redemocratização e se reproduzem até hoje, ainda que com peculiaridades.
Há toda a história do Brasil contida em Belo Monte. Como as empreiteiras deixaram o leilão porque o lucro estava na construção, onde não precisariam nem mesmo responder pelo passivo ambiental e pela degradação dos povos indígenas, e como Belo Monte foi se tornando uma obra pública – contra o público.
Belo Monte é executada por um consórcio formado em parte por estatais, financiada em grande parte pelo BNDES, defendida em suas posições pela Advocacia Geral da União e ainda tem greves e protestos contra ela reprimidos pela Força Nacional. Ao mesmo tempo, é fiscalizada pelo Ibama e pela Funai.
É visível a obscenidade da arquitetura política e econômica que resultou num processo de etnocídio indígena, representado por uma mesada de 30 mil reais dada às aldeias durante dois anos, na forma de uma lista de mercadorias. Chegamos aos espelhinhos do século 21. E a indígenas deixando de plantar e pescar para consumir refrigerantes e salgadinhos. Esta nova versão dos espelhinhos alegóricos do “descobrimento” são considerados pelo Distrito Sanitário Especial Indígena de Altamira o causador de um aumento de 127% na desnutrição infantil, entre 2010 e 2012, além de deflagrar um processo de extermínio cultural. A maior obra do PAC em andamento também “removeu” 40 mil pessoas, parte delas analfabetas, sem nenhuma proteção jurídica antes do início de 2015. Belo Monte criou o fenômeno dos pescadores sem rio e sem peixe em plena Amazônia.
Nesta coluna do El País, abordo os principais aspectos do dossiê do Instituto Socioambiental recém-publicado, documento de grande importância, que traça uma radiografia completa do estrago que Belo Monte já causou e que pode ser quantificado. Se Belo Monte receber a Licença de Operação do Ibama, como a empresa espera que aconteça em breve, torna-se difícil acreditar que cumpra as condicionantes atrasadas e sempre adiadas e seja responsabilizada pelo que já causou ao meio ambiente, aos povos da floresta e também ao conjunto da população brasileira. Nós todos precisamos entender que, numa obra como esta, somos todos população atingida.
No meu texto, busco compreender que imaginários sobre a Amazônia tornaram possível um monumento à violência como este ser erguido na floresta num momento em que o mundo está assombrado pela mudança climática. Se não formos capazes de nos entendermos na história – e com a história -, continuaremos caindo alegre e comodamente nas mesmas falsificações. Belo Monte é como um falo deslocado da modernidade no meio da floresta.
Mas a questão é: como permitimos?
Belo Monte, empreiteiras e espelhinhos
Como a mistura explosiva entre o público e o privado, entre o Estado brasileiro e as grandes construtoras, ergueu um monumento à violência, à beira do Xingu, na Amazônia
A marca da corrupção no Brasil atual, assim como da relação explosiva entre o Estado e as empreiteiras, tem como símbolo a Operação Lava Jato e a Petrobras, para onde todos os olhos estão voltados. Sem ignorar a enorme importância dessa investigação, há elementos para suspeitar que o símbolo das ligações perigosas entre o público e o privado pode estar também em outro lugar: na construção da polêmica hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu, na Amazônia. É ela, um projeto acalentado ainda na ditadura, mas só executado na democracia, nos governos Lula-Dilma Rousseff, que une os fios desencapados da história recente do país, expõe a coleção de mazelas sociais do Brasil e nos obriga a compreender a corrupção também como um ato de extermínio. Belo Monte revela as vísceras de um modo de operação que se consolidou na ditadura, atravessou vários governos da democracia e permanece até hoje. A Amazônia, tanto como criadora de sentidos para o Brasil quanto como lugar concreto onde as disputas entre os vários atores se dá, não é a periferia do país, mas o centro. O que precisamos, talvez, seja deslocar o olhar para ajustar o foco.
Esse modo de operação, em que o público e o privado se misturam, é a chave para compreender o “Dossiê Belo Monte: Não há condições para a Licença de Operação”, documento publicado pelo Instituto Socioambiental no final de junho. Sabemos que o dinheiro que se esvai na corrupção no Brasil é também o dinheiro que falta para saneamento, educação e saúde, assim como para outros investimentos prioritários. Mas sempre fica um pouco abstrato. Em Belo Monte, é possível enxergar e quantificar o que a relação contaminada entre a concessionária Norte Energia e o governo federal já causou nos últimos anos, entre 2010 e 2015.
O anúncio recente de que o Tribunal de Contas da União (TCU) vai iniciar uma investigação sobre o uso de recursos públicos na construção da hidrelétrica de Belo Monte é uma boa notícia. Mas ainda é muito pouco e chega atrasada. A investigação do TCU atende a um pedido do Ministério Público Federal: as empreiteiras investigadas pela Lava Jato por desvios de recursos na Petrobras são as mesmas que constroem Belo Monte e, portanto, é importante investigar sua atuação juntou a outra estatal, a Eletrobras, esta do setor elétrico. Um dos delatores da Operação Lava Jato, Dalton Avancini, ex-presidente da construtora Camargo Corrêa, já afirmou, em um dos depoimentos, que a empreiteira se comprometeu a pagar ao PMDB uma propina de 20 milhões de reais para atuar na construção da usina.
Leia o texto inteiro aqui.
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