Um dia escondeu-se no banheiro e acocorou-se sobre um espelho para enxergá-los. Viu apenas carne vermelha e pensou que eram restos humanos triturados por eles. Horrorizou-se. Passou um bom tempo tentando ignorar que algo perigoso morava entre suas coxas. Na escola, fechava tanto as pernas para que seus dentes não avançassem em alguém que sofreu uma assadura séria.
Com o tempo, os dentes começaram a coçar entre seus lábios. Será que lá também ela tinha dentes de leite que agora eram trocados por outros, maiores e definitivos? Rastreava seu xixi e só dava a descarga depois de ter certeza que não havia nada no vaso. O que será que a Fada dos Dentes deixaria em troca daqueles, tão mais perigosos e atraentes?
Neste tempo começou a ter pesadelos. Eram dentes de animal selvagem aqueles que a habitavam. Em seus sonhos eles a devoravam toda. Era aterrorizante, mas ao mesmo tempo havia algo na sensação de ser devorada que ela gostava. Quando acordava, estava molhada entre as pernas. Concluiu que seus dentes babavam.
Teve certeza quando os pêlos nasceram. Havia uma loba dentro dela. Foi tanta a vergonha da descoberta que não contou a ninguém. E quando sangrou, desmaiou de pavor porque sabia que algo vivo havia sido despedaçado ali. Ao despertar, o estômago embrulhado e a cabeça tonta, apalpou-se em busca do que dela havia desaparecido naquela boca de fera. Nada achou.
Soube então que de tempos em tempos a boca avançava pelo mundo fazendo cadáveres que sangravam pelas suas pernas. Ao descobrir, a mãe reforçou a vigilância e o olhar ofendido. A mãe sabia que ela não era boa. Ela sabia que não era boa. E quanto mais chorava, mais faminta se sentia. Quanto mais queria fechar as pernas, mais desejava abri-las.
Na noite em que no escuro do cinema um homem desconhecido acomodou a mão ali, fugiu esbaforida porque agora também queimava. Por toda aquela semana andou pelas ruas esquadrinhando os cantos com o canto dos olhos na tentativa de descobrir um homem maneta. Quando sangrou, acreditou que botava para fora as cartilagens, as unhas dele. E gostou.
Era hora, soube então.
Ao anunciar que havia se matriculado em um curso de corte e costura, a mãe deu a ela algo próximo a um sorriso de aprovação. Será que a mãe adivinhou? Ela achava que sim.
Foi uma aluna aplicada. Já na primeira aula aprendeu a dar pontos firmes e uniformes. As colegas não entendiam quando lágrimas grossas encharcavam a trama de seu bordado. Brincavam que ela sofria de amor não correspondido. Quem poderia saber o nome do que havia dentro dela?
Naquela noite deu um beijo na mãe. Que retribuiu com sua boca seca. Sempre havia sido assim a boca da mãe, sugada de tudo, e também de amor, como uma uva passa.
No dia seguinte a encontraram no chão do quarto. Vestida sobre uma poça de sangue, entre agulhas e carretéis de linha preta. As pernas tão fortemente alinhavadas que o moço da funerária não foi capaz de romper os pontos. Foi preciso quebrar-lhe os ossos.
Ela nunca soube que sua vagina era banguela.