Maria Romanesco plantava uma flor a cada morte.
Uma azaléia quando o pai bateu nela por ter perguntado por que ele chorava quando o Brasil perdeu a copa do mundo de 82. Uma margarida quando o pai bateu na mãe que perguntou por que ele estava em casa numa tarde de segunda-feira. Violetas quando bateu nas duas por algo que nenhuma delas lembrou ter perguntado. Magnólias quando a professora disse que devia estudar porque era feia demais para qualquer outra coisa. Um girassol quando menstruou e avisaram-na que agora era mulher. Miosótis quando perdeu a virgindade no carro e passou uma semana sem caminhar direito, mentindo que havia torcido o tornozelo. Rosas quando casou sem ter certeza que amava Juvenal, mas com a certeza de não ter o amor de Alceu. Camélias quando perdeu seu primeiro bebê numa tarde em que se sentia particularmente contente. Copos de leite quando o segundo nasceu com síndrome de Down. Gérberas quando o terceiro nasceu perfeito e mesmo assim ela se sentia vagamente indiferente. Begônias quando sua mãe perdeu a fala por um câncer na boca. Jacintos quando o pai foi atropelado no acostamento depois de deixar o bar cambaleando. Lírios quando o médico disse que o filho perfeito tinha uma doença degenerativa nos ossos. Crisântemos quando o câncer arrancou-lhe o seio direito. Dálias quando descobriu que Juvenal era amante de sua melhor amiga Rosaura. Narcisos quando a filha com síndrome de Down engravidou do porteiro da associação beneficente. Gerânios quando descobriu que estava ficando cega por causa de um glaucoma não diagnosticado. Petúnias quando o reumatismo nas mãos transformou seus dedos em garras.
Com os anos, Maria Romanesco tinha o jardim mais variado e bonito de sua cidade. Depois, do seu estado, o país, o mundo. Que um dia ganhou a capa de uma revista especializada de São Paulo. Quando a jornalista perguntou a ela qual era o segredo de ter conseguido ali naquele fim de mundo uma variedade tão ampla e harmoniosa e tão cheia de um viço que ofuscava os olhos, justo ela que mal e mal tinha completado o ensino médio e nunca havia passado nem perto de um curso de paisagismo, Maria Romanesco foi sincera menos por honestidade mais por não saber que podia mentir. Ela disse: “tristeza”.
A repórter contou à editora que disse que algo assim não podia publicar. Que aquela era uma revista de gente bonita e feliz para gente bonita e feliz. Despacharam então o melhor fotógrafo da renomada publicação para o jardim de Maria Romanesco. E um mês mais tarde ela aparecia quase bonita ou não tão feia na capa, com um amplo sorriso acima da manchete: “Felicidade é o segredo”.
No mesmo dia em que a revista foi para as bancas e Maria Romanesco nela se enxergou sem se reconhecer, ela plantou uma muda de zínia. Antes de se deitar sobre a terra e morrer, porque agora sabia que tinha a obrigação de ser feliz e ela só sabia viver sendo triste.