Devia ser proibido obrigar um homem a entrar em contato com a própria merda. Foi o que pensou enquanto o médico preenchia impassível a requisição do exame de fezes. Sentiu inveja do doutor, que podia usar a palavra “fezes”. Discorria sobre as fezes alheias sem perder nem a pompa nem aquele bigode ridículo. Ele, por mais que tentasse, não conseguia. Na cabeça dele as fezes já vinham como merda. Ou irrompiam infantilizadas. Cocô. Mas ele era macho para caralho. E macho para caralho não fazia cocô. Fazia um merdão. Quando o exame ficar pronto, você volta, o médico interrompeu seu raciocínio merdolengo.
Enquanto dirigia até o laboratório, só pensava que teria de fazer cocô num potinho, colocá-lo num saco plástico e entregá-lo a outro homem. Esperava que fosse um homem. Não, não, não, uma mulher não!!! Suou frio e quase bateu no carro da frente. A loira lhe mostrou o dedo pelo retrovisor. Vadia, vem aqui chupar o meu pau! Vaca.
Pensou ter notado um sorrisinho malicioso no canto dos olhos do atendente que preenchia sua ficha no computador, bem ao lado de uma remela pernoitada. Ele sabe, claro. Está rindo por dentro. Me imaginando com um potinho debaixo do cu. Cravou os cotovelos na mesa e arregaçou a camisa, deixando exposta sua tatuagem do dragão de Komodo. Pode rir, imbecil.
Plim-plom. Sua senha brilhou no luminoso. Quase cagou nas calças de felicidade. Era um homem no balcão. Estudou-o. Parecia um cara normal, um que não ria da merda dos outros. Cumprimentou-o com indiferença profissional. Um cara decente. Ganhando a vida honestamente sem humilhar ninguém.
Agarrou rapidamente o kit de plástico. Já virava as contas quando o atendente o chamou. Olha aqui as colherinhas. Depois de fazer, você tem de pegar uma colher e botar em cada um dos potinhos. Repetiu o gesto duas vezes, o bostinha. Sentiu seu rosto pegando fogo. Desde a quinta série que não ficava vermelho. Grunhiu. Já virava as costas de novo quando ouviu a piadinha. Não vai fazer feio, hein. Me traz um potinho que valha a pena. Viado. Só podia ser viado.
Não conseguiu dormir naquela noite. Tentou explicar para a namorada. Eu queria levar para aquele filho da puta um capitão, entende. Se tenho de me expor, que seja com um bagulho bem formado, vistoso, com consistência. A namorada levantou os olhos da Quem Acontece com aquele olhar de não acredito que foi para isso que você interrompeu minha leitura da entrevista do George Clooney. Mulher não entendia dessas coisas. O George Clooney entenderia. Mas o George Clooney não tinha diarreia. Tinha certeza disso. O cara só cagava alta patente, coisa de tenente-coronel pra cima.
Liga para o Paulão, sugeriu ela, arrancando distraída um pedaço da cutícula do mindinho com os dentes. Imagina se ele ia ligar para o Paulão para contar que só cagava chá de boldo há três dias. O Paulão, que arrancava tampa de cerveja com o olho. E isso no tempo em que as tampas exigiam abridor. Arrotou em resposta. Mas achou que até o arroto estava meio metrossexual.
À noite, sonhou que nadava num mar de merda líquida. Cada vez que tentava se agarrar num cocozão para não se afogar, ele se desmanchava na sua mão. Acordou sentado na cama, berrando, no exato momento em que o atendente do laboratório passava num iate, espanejando merda para todo o lado. Merda, gritou. E a namorada, com a voz grogue de sono, recomendou que desta vez não se esquecesse de dar a descarga.
Quando a hora chegou, encaixou o potinho. E deixou a vida lhe levar. Botou uma colher de merda em cada potinho, a respiração trancada. Embrulhou na sacola plástica do laboratório e ainda usou mais duas, uma do supermercado, a outra da academia de jiu-jitsu. Acomodou o potinho ao seu lado, no banco. Dirigiu como uma velha. Depois de meia-hora, estava sentado na sala de espera, de olho no painel. O potinho embrulhado no colo.
Tinha certeza de que aquela velha gorda estava olhando para ele. A desgraçada sabia que era um portador de bosta líquida. Discretamente cheirou o ambiente. Lá no fundo sentiu um cheiro de merda. Será que os outros sentiam? Olhou para os lados, com ar reprovador. De onde vinha aquele fedor? Cravou olhos acusadores na gorda. Vingança. As gordas são os mordomos de hoje.
Se o cara do balcão fizesse algum comentário, enfiaria a sua merda no cu dele. Esperando alguém ou é para você mesmo?, o cara do lado perguntou. Não era possível que o único imbecil a puxar papo naquela sala asséptica tinha se sentado ao seu lado. Vim trazer um negócio aqui. E cravou os olhos no vaso laranja da mesa. Estudou-o como se fosse uma escultura de Rodin.
Peguei gonô de uma periguete numa balada na Lapa. Não gosto de camisinha, saca. E você? Morra, ele pensou. Plim-plom no painel. Não era a senha dele. Nem do babaca ao seu lado. Vim doar esperma para mulher sem homem ter filho, ele disse. Gosto porque a playboy da sua mãe só tem aqui.
Plim-plom. Sua senha brilhou em vermelho no monitor. Levantou-se, pisando duro. Se o cara mostrar os dentes, faço ele beber a merda toda. Largou o pacote no balcão com força temerária. Estou com diarreia, e daí? Vai encarar? Só então olhou para o sujeito.
De trás do balcão lhe sorria uma japonesinha de óculos. Ela conferiu o conteúdo com expressão indiferente. Avisou que o resultado poderia ser acessado pela internet em dois dias. Em seguida, desejou um bom dia. Ele esquadrinhou os olhinhos redondos em busca de um chumaço de sarcasmo. Nada. A japa já estava de volta às suas planilhas.
Pensou em lhe mandar flores. Mas a natureza interrompeu o curso de suas melhores proposições com um chamado urgente. Correu para o banheiro. E, sem potinho nem traumas, esvaziou o intestino. Saiu satisfeito do reservado. Quase sorrindo. E lá estava ele, o merdinha do balcão. De pau na mão. Mijando.
Reconheceram-se. Com o canto do olho, ele mediu a arma do adversário. Ha Ha Ha. Dez centímetros no máximo. Duro. Saiu do banheiro se sentindo macho para caralho. Naquela noite cagou um general de quatro estrelas.