A primeira coisa que me chamou a atenção foram as mãos pousadas na mesa do bar. Não sei como não tinha percebido antes. A pele era fina, e a luz da vela as fazia amareladas. As longas unhas vermelhas da manicure não ofuscavam as primeiras manchas da idade. E as veias saltadas de verde. Eu sabia que me pertenciam, eram minhas as mãos daquela velha. Mas era uma informação racional. Naquele instante as estranhei. Não são minhas. Quem roubou as minhas mãos e deixou estas no lugar? Levantei e derrubei a bolsa da cadeira, fazendo um barulho que chamou a atenção dos outros para mim. E as mãos foram comigo, percebi quando as torci pela vergonha de me tornar o centro das atenções.
Deixei-as ali, sobre o colo, embaixo da mesa, onde nem mesmo eu pudesse vê-las. E senti pena das minhas mãos que a vida levou. Um fio vagaroso, mas ininterrupto, escorregou dos meus olhos, e eu me desesperei por causa do rímel que abria na minha face um leito negro de rio.
Então eu o vi. O homem do piano entrava no palco. Eu havia vivido com aquele homem há muito, muito tempo. Quando minhas mãos eram brancas e marcadas apenas pelas minhas sardas. E as unhas roídas. Ele estava lá o homem do piano, com uma barriga nova e a cabeça desescondida pelos cabelos que a vida tinha levado junto com as minhas mãos. Mas as mãos do piano eram as mesmas que no passado percorreram meu corpo com timidez e nenhuma técnica. Os dedos que me amaram agora percorriam o teclado com técnica e métrica. E amor. Não mais meu.
Percebi naquele instante que a velha que eu sou amava o jovem que ele já não é com um amor tão pungente. A vida é assim. Impossível.