Marie era um daqueles bebês que já nasceram bonitos. Aqueles que as pessoas dizem: “Nossa, parece que já tem um mês”. Marie não tinha cara de joelho, não tinha cabeça de ovo. Marie tinha cara de Marie. Parecia uma francesinha, porque já nasceu de cabelo Chanel. E por isso a mãe não pôde colocar Maria, simplesmente Maria, porque ela nasceu Marie. Ridículo, nome francês, dizia o pai. As pessoas aqui no Brasil não vão saber pronunciar. Mas a mãe olhou para ela e sabia que aquela ali já nascera com nome próprio. Em Botucatu, mas parisiense. E assim foi registrada Marie da Silva Santos.
Não era um bebê como os outros em mais de um sentido. Para começar, Marie não chorava. Nunca. Em vez disso, abria uns olhos de bolinha de gude e observava o mundo. De uma forma tão adulta, com um olhar tão conhecedor, que começou a perturbar a mãe. Marie mamava olhando fundo nos olhos da mãe. “Olha como ela me olha”, disse a mãe na primeira vez. E nisso também Marie era diferente, porque não teve nenhuma hesitação. Simplesmente pegou o peito e mamou. Olhando.
A mãe se extasiou com aquela filha especial. Mas depois o olhar de Marie começou a incomodá-la. “Essa criança não é normal”, dizia ao marido. O pai, ao contrário, estava muito satisfeito porque não tinha noites em claro, não era incomodado por choros esganiçados e chegava ao trabalho com pele de pêssego. Em casa, a mãe não via a hora de acabar a licença-maternidade, porque não tinha nada a fazer com aquela filha que não chorava, mas ficava olhando-a dia após dia. “Você está pensando que é a Mona Lisa para ficar me seguindo com os olhos pela casa?” E sentia um tremendo alívio quando os olhos de Marie finalmente se fechavam para as oito horas ininterruptas de sono, nas quais ela nem mesmo sujava as fraldas.
A mulher começou a deixar Marie trancada no quarto, tentando ignorar seu olhar. Mas quando finamente abria a porta, Marie apenas a olhava. E a mãe chorava, primeiro de arrependimento, depois de raiva. Tentou deixá-la com fome, para ver se ela esboçava alguma reação de bebê normal, como gritar por três horas seguidas. Marie apenas olhava. “Esta menina não é normal”, repetiu ao pai quando ele chegou do trabalho. “Você tem um bebê perfeito, que não chora nem acorda à noite, e você está achando ruim. Quem não é normal é você”, ele respondeu. “Você não entende. Esta menina me olha o dia inteiro.” Mas ele, que não olhava, também não escutou. “E isso é ruim?”
Era ruim. A mãe não sabia por que, mas era muito ruim. Ela só queria um bebê que chorasse e que permitisse a ela comentar com as amigas que tinha passado noites em claro e precisava com urgência de receitas caseiras para cólicas. Mas Marie mamava por conta própria de três em três horas, com a delicadeza de não morder o bico com as gengivas e nem mesmo se lambuzava. Marie não era deste mundo. E foi com essa ideia que a mãe achou que aquela menina exemplar não era sua filha, mas algum tipo de bebê de Rosemary.
Interrompeu a licença-maternidade, tomou remédio para secar o leite e entregou Marie nas mãos de uma babá, que ficou feliz da vida por arranjar um emprego em que não precisava fazer nada. Marie não reclamou da mamadeira e seguiu sua vida de olhadeira. Quando chegava do trabalho, meio a contragosto, a mãe dava uma espiada na filha e só via aqueles grandes olhos seguindo-a pela casa. Dizia então para a babá botá-la no berço e fechar a porta antes de sair do serviço.
E assim os dias e depois os meses foram passando. E, quando Marie completou nove meses, a mãe ouviu um barulho na porta do quarto da filha ao acordar numa manhã. Quase imperceptível, mas um barulho. Abriu a porta temerosa de que Marie finalmente tivesse se transformado num daqueles demônios alados, com rabo e chifres, além de asas. Deparou-se com Marie perfeitamente em pé, um longo pescoço de bailarina e uma postura de Audrey Hepburn. Teve um ataque de choro porque agora, sobre as próprias pernas, aqueles olhos a perseguiriam pela casa. Começou então a voltar cada vez mais tarde do trabalho, o que levou a um protesto do pai, que pela primeira vez sentia uma mudança na vida familiar.
Então, numa noite, Marie bateu na porta do próprio quarto com suas mãozinhas. Toc toc toc. O coração da mãe gelou, porque era a primeira reação fora de horário de Marie. Sacudiu o pai dizendo que fosse lá ver o que era, mas ele apenas resmungou e continuou dormindo. A mãe levantou com os pelos do braço eriçados de pavor. Ficou parada diante da porta do quarto de Marie. Toc Toc Toc. Acendeu a luz do corredor. E abriu a porta tremendo, bem devagar. Marie estava bem atrás, com os dois olhos ainda mais escancarados, olhando para dentro dos olhos da mãe. Ficaram assim, olhando uma para a outra. Até que Marie abriu a boca e disse:
— Mamãe.
A mãe deu um grito de pavor, que também não acordou o pai. Agarrou Marie com violência, arrastou-a até a geladeira, de onde pegou uma superbonder, e colou os olhos de Marie.
Foi esta a história que o professor de Braille ouviu da menina cega.