Desde que aprendi a escrever, tenho essa certeza. As letras estão nos meus dedos. As palavras moram nas minhas unhas. Não rói as unhas, dizia minha mãe. Depois o meu marido. Ainda diz. Ele não sabe que o que eu roo são palavras. Quando sinto que elas podem me inflamar, eu as rasgo com os dentes. Mato.
E quando sento no computador eu deixo que elas escapem pelas cutículas como vermes. Para escrever preciso antes apodrecer a carne dos dedos. Elas então saem de lá gordas e brancas. Rastejando. Mas nem sempre. Às vezes correm com suas ventosas rolantes.
Tenho medo delas porque mentem que são minhas, mas eu sei que são de alguém que mora dentro de mim. Bem fundo, lá na grande tripa. Eu sou a máscara que mora junto para que ninguém veja como é horrendo o rosto daquele que habita as entranhas de mim. Ou seria eu a habitar a sua face?
Eu mesma nunca vi o rosto dele porque também me escapa. Se perder a mim, sua máscara, retorcida pelo pavor de si, ele não terá como enviar seus exércitos de vermes-palavras para fora. Então brincamos de esconde-esconde. E nunca nos achamos.
E eu sonho. Desde pequena eu sonho. Que um dia vão descobrir e me amputarão as mãos. Então nós dois morreremos de infecção, explodindo de palavras que nos comerão a ambos, nutrindo-se de nós. E não haverá mais realidade porque não mais nos contaremos.
Então, nesta manhã eu fiz. Coloquei minhas duas mãos na guilhotina.