Olha estes ingleses, que otários!, esbraveja minha amiga no balcão da padaria, onde tomamos nosso café da manhã. O que eles fizeram agora, forjaram armas químicas no Irã?, pergunto eu, abocanhando um pão na chapa. Não, este casamento do príncipe William com a tal da Kate Middleton. Em pleno século XXI e os britânicos param tudo para acompanhar o noivado do príncipe. Que bulchite!
Eu foco na foto do príncipe William estampada na capa do jornal de quarta, reparo que ele começa a ficar careca, divago um pouco sobre o vestido da Kate e… irrito minha amiga. Não acredito que você se interesse por este tipo de notícia! Uai, digo eu, em versão mineira, mas foi você que me mostrou! O bom de viver em São Paulo é que a gente pode ser qualquer coisa.
Minha amiga está revoltada. É sério, agora percebo, o noivado do príncipe a incomoda de verdade. Ela é a imagem da paulistana cool. Já lavou pratos em Londres, fez curso de cinema em Nova York, andou meditando na Índia muito antes da Elizabeth Gilbert e agora alterna o trabalho de produtora de moda numa revista modernete com um interminável mestrado sobre o feminino em Virginia Woolf e Katherine Mansfield. Tem uma vida amorosa mais movimentada do que consigo acompanhar e nosso café periódico tem em parte a função de me atualizar nesta área. Minha amiga também tem razoável senso de humor e, a esta altura, ela já deveria ter feito alguma piada com absorventes íntimos.
Você está realmente incomodada, digo eu, quase engasgando com o capuccino. Estou, claro que estou. Mas por que, criatura?, digo eu. Eu achava que o Príncipe Charles tinha feito um ótimo serviço ao acabar com a hipocrisia dos contos de fadas quando preferiu a mocreia em vez da princesa e agora isso. Mais um casamento do século. Você não achava que um príncipe tampax acabaria com os contos de fadas, achava?, tento eu. Achava, claro que eu achava, diz ela. A princesa do bem estragando a maquiagem na TV porque o príncipe consorte a chifrava com a irmã baranga da Cinderela e não deveria ser o suficiente? Não deveria ter ensinado alguma coisa àquele povo? Cristina! (Quando ela me chama pelo nome é porque as tropas estão se preparando para desembarcar na Normandia.) Eles estudam em bons colégios, comem bem, têm acesso a museus e bibliotecas, eles não têm o direito de ser tão estúpidos! Quase engasgo. E o que a inteligência e a boa alimentação têm a ver com isso?, protesto.
Situações como esta, na minha opinião, exigem medidas drásticas. Peço uma coxa-creme e uma coca normal. Hello!, agarro o rosto dela entre as mãos e descubro que tenho açúcar na ponta dos dedos. Nem você quer que a monarquia britânica acabe! E quando o casamento de contos de fadas entrar em crise como todo casamento, você pode imaginar que gozo o inglês médio terá? Você quer que eles percam tudo isso – e nós também? E nem é tão ruim assim, já que a tal da Kate não tem nem uma única hemaciazinha azul. Imagina, os pais têm uma empresa de lembrancinhas de aniversário. A mãe era aeromoça, o pai controlador de vôo. E agora ela vai caçar veados com o príncipe Phillip. Não é quase genial de tão prosaico?
Minha amiga faz uma cara esquisita. Meu deus, ela vai chorar. Uma lágrima faz uma curva no piercing do nariz. O que você tem? É TPM? Ela me dá um safanão. Ah, não, você é mulher, não tem direito de vir com esta história de TPM só porque estou chorando. Não, claro que não, digo eu. É perfeitamente normal você estar soluçando às nove horas da manhã no balcão da padaria por causa do casamento do Príncipe William. Do Príncipe William!!!
Agora ela se abraça em mim e baba toda minha camiseta da Branca de Neve. Me diz o que você tem, por favor. Eu tenho vergonha, ela quase assoa o nariz na gravata do cara ao lado. A padaria inteira olha para nós. Ainda bem que me lembrei de colocar óculos escuros. O Adão, que sempre nos serve, pergunta se queremos água com açúcar. Acho lindo ele perguntar isso. Imagina, água com açúcar. Quase choro por amor ao Adão.
Você precisa me dizer o que você tem, eu insisto. Eu estou preocupada. Até o taxista ali na porta está preocupado. Por favor! Ela me olha, fungando. Eu tenho vergonha. Você vai me crucificar. Você nem vai querer mais tomar café comigo. Nunca mais vai me convidar para a mostra de cinema. E vai vender o meu ingresso para o show do Paul McCartney. Juro que não. Eu te amo, você sabe. Pode me dizer qualquer coisa que eu vou escutar. Até a mosca que mora na torta de limão parou de zumbir para ouvir melhor.
Minha amiga diz, voz embargada: Eu acho que eu queria ser princesa. E desanda a soluçar mais uma vez. Você queria o quê?, eu realmente escuto mas não escuto. EU QUERIA SER PRINCESA! EU QUERIA SER A KATE MIDDLETON!! ENTENDE?! SE UMA PLEBEIA PODE SER PRINCESA, ERA EU QUE QUERIA TER AQUELA SAFIRA COM 14 DIAMANTES NO DEDO!!!!
Eu não sabia bem o que fazer. O que eu digo agora? Duas garotas de uns 17 anos, cabelos escorridos, se aproximam e botam a mão no ombro da minha amiga: Tia, não chora. É normal. A gente também quer ser vampira e casar com o Robert Pattinson.
Adão!!!!! , eu grito. Mais uma coxa-creme e dois pastel! E um sapo, por favor, um sapo.