No meu sonho a mulher estava presa com o homem num calabouço. Ele tinha dentes bem finos e longos, como palitos. Era loiro, de cabelos escorridos, e tinha os olhos loucos do Klaus Kinski. Eu era apenas uma observadora. Que podia ver o homem dentro da prisão, e ele podia me ver sem me alcançar. Eu não enxergava a mulher. Mas sabia que as presas do homem se afiavam no corpo dela que se entregava.
Por que ela se entregava? Eu não conseguia compreender de dentro do meu sonho. Ambos estavam presos porque o homem digeria a mulher enquanto faziam sexo. E a incompreensão me produzia angústia, porque eu queria salvar a mulher, mas não entendia por que ela estava ali. Por que não a salvam?, eu agarrava um e outro na rua do meu pesadelo, sacudindo-os pelos braços. E ninguém me respondia porque não compreendiam a minha pergunta.
Então o tempo passou. E virou história. Paguei o ingresso do museu para vê-la, imortalizada em cera. A mulher que eu nunca vira, mas que me fez sofrer. No momento em que estávamos uma diante da outra, ela virou carne. Primeiro foram os olhos que se cravaram diretamente em mim com lâminas de ironia. Depois seu corpo despedaçado, amputado a dentadas, com orifícios novos onde antes era fechado. Uma mulher ensangüentada e parcialmente devorada pelo homem.
Eu a olhei cheia de horror e de pena. E ela me devolveu um olhar feliz e sarcástico. Eu gostava, ela me disse. E eu soube que era verdade.
Fugi correndo, derrubando no caminho a réplica do Michael Jackson.