Bebês censurados

É perigoso quando a internet confunde banho de criança ou amamentação com atos de pedofilia

Em abril, um pai levou sua filha à cidade onde viveu boa parte da vida para apresentá-la aos amigos mais queridos. Para receber sua família, foi preparado um jantar caprichado na casa da madrinha do bebê. Como o aniversário do pai aconteceria dias mais tarde, os amigos decidiram lhe dar um álbum de fotos desse acontecimento tão especial e planejado desde que a criança nasceu. E assim, a fotógrafa do grupo a qual também pertenço, dedicou-se a registrar todos os momentos.

Tão logo minha amiga editou as fotos, colocou-as num álbum do Hotmail que pudesse ser compartilhado pelo número restrito de pessoas que haviam participado da festa. Algum tempo depois, ela recebeu um aviso enorme da Microsoft, em inglês, que, resumidamente, dizia o seguinte: “Nós encontramos imagens envolvendo nudez de crianças em sua conta. Se você não retirá-las em 48 horas, seremos obrigados a cancelar esta e outras contas. Esta política busca reduzir os riscos na comunidade online. A Microsoft leva a sério a segurança das crianças. As violações incluem nudez, nudez parcial, pornografia, assédio, comportamento ilegal ou ofensivo”.

Minha amiga demorou alguns bons minutos para encontrar alguma pista sobre o crime do qual estava sendo acusada ao fotografar episódio tão amoroso. Então descobriu: havia pelo menos duas fotos dos pais com o bebê durante o banho. E ninguém ali tinha uma mente tão perversa a ponto de pensar que aquele momento inocente pudesse ser remotamente confundido com algum tipo de pornografia ou ato pedófilo que exigisse providenciar o impossível: um banho de roupa no bebê.

Assustadíssima, minha amiga tirou o álbum inteiro da rede. A situação me pareceu surreal. Mais ainda porque, entre as muitas ironias, está o fato de que a suspeita é uma jornalista que se especializou e se dedicou à proteção da infância e da adolescência nos últimos 20 anos. Por sua atuação nessa área é convidada a dar palestras e oficinas no Brasil e fora dele. E já ganhou prêmios por seu trabalho em Direitos Humanos. De fato, não haveria ninguém mais improvável do que ela de cometer algum ato de pedofilia contra um bebê ou disseminar pornografia infantil na internet.

Na semana passada, a imprensa noticiou que a jornalista Kalu Brum foi censurada na mais poderosa rede social do planeta, o Facebook, após postar uma foto amamentando seu filho. Em 10 de maio, Kalu recebeu a seguinte mensagem: “Olá. Você carregou uma foto que viola nossos Termos de uso e ela foi removida. O Facebook não permite a publicação de fotos que ofendam um indivíduo ou grupo, ou que possuam nudez, drogas, violência ou outras violações de nossos Termos de Uso. Essas políticas são desenvolvidas para garantir que o Facebook continue a ser um ambiente seguro e confiável para todos os usuários, incluindo as crianças que usam o site”.

O caso foi divulgado e debatido no blog Mamíferas. E depois de a foto ter sido retirada do ar, Kalu lançou o “Mamaço no Facebook” – um protesto que incentiva as mulheres, até 20 de maio, a trocar as fotos de seus perfis por imagens em que estejam amamentando, e os homens a trocá-las por fotos das mães de seus filhos nesse mesmo ato saudável.

Os dois casos da internet – que com toda certeza não são os únicos, muito pelo contrário –, fazem soar uma sirene na nossa cabeça. E eu acho que precisamos escutá-la antes que o mundo fique estranho demais. Tanto a Microsoft quanto o Facebook estão agindo “em nome do bem”. E, assim como outras corporações poderosas da rede, têm sido pressionados a responder pelos conteúdos veiculados em seu ambiente virtual pela Justiça de diferentes países. Obviamente as mensagens que Kalu e minha amiga – e muitos outros – receberam são automáticas, geradas sempre que o programa detecta algum tipo de ameaça. Uma proporção maior de pele nua, talvez. Só o Facebook e a Microsoft podem nos explicar os mecanismos utilizados em seu sistema para detectar supostas violações.

O fato é que o programa não tem como avaliar subjetividades. E então imagens de uma mãe amamentando ou um bebê tomando banho sob o olhar embevecido de seus pais são imediatamente censuradas em termos ameaçadores. No mundo virtual, o rotineiro banho do bebê cujas fotos circulam entre amigos e parentes passa a ter o mesmo potencial criminoso do rotineiro banho do bebê que circula entre as redes de pedofilia. Porque, a rigor, a nudez do bebê é a mesma. O que muda é o olhar do espectador. E o uso das imagens.

Embora existam quadrilhas que escravizam ou pagam por fotos de meninas em posições eróticas ou atos sexuais, um pedófilo se excitaria, e um criminoso poderia vender a foto de uma criança de biquíni na praia, construindo um inocente castelo de areia, para uso ilegal. Porque, de novo, o que caracteriza a ilegalidade neste caso são o olhar e o uso.

A saída deveria ser voltarmos a uma espécie de era vitoriana e obrigarmos nossos filhos a tomar banho de mar vestidos porque existem pessoas doentes e outras criminosas no mundo em que vivemos? Ou amamentarmos trancadas em quartos, com vergonha de nossa natureza? Ou dar banho no bebê de portas fechadas, escondidos de todos como se fosse algo feio ou proibido? Acredito que lutamos muito para lidar melhor com nossos corpos e nossas vidas para tal retrocesso.

Mas é algo semelhante o que está acontecendo na internet – um mundo no qual vivemos durante boa parte do nosso dia e pelo qual nos comunicamos com amigos, parentes, parceiros de trabalho e desconhecidos. Um mundo virtual – mas bem real.

Na rede, tudo virou a mesma coisa – e confundi-las me parece muito perigoso. Porque, se começarmos a tratar da mesma maneira uma mulher amamentando seu bebê e um ato de pedofilia, logo não saberemos mais a diferença. E, se não soubermos mais a diferença, não haverá mesmo como prevenir e punir o crime.

O outro ponto que deve fazer a sirene da nossa cabeça tocar ruidosamente diz respeito à Lei. Para criar ou alterar uma lei em um país democrático, é necessário antes que o texto seja discutido e aprovado pelo Legislativo. E, ultimamente no Brasil, pelo vazio e pela indigência desta instância, algumas questões cruciais têm sido debatidas e decididas pelo Supremo Tribunal Federal. No processo democrático, o debate se estabelece na imprensa e nas ruas, as opiniões se digladiam, e o cidadão influencia nas decisões seja pelo seu voto, seja pelo seu poder de manifestação. Do mesmo modo, a polícia precisa de autorização judicial para grampear alguém dentro da lei.

Na internet, não. Há uma espécie de polícia virtual, transnacional e privada atuando em nossas vidas como bem entende. Porque, para esta “polícia”, não somos cidadãos – mas clientes (ou “customers”, já que a comunicação, em geral, é em inglês. Quantos de nós, no mundo inteiro, têm seu cotidiano ligado a marcas como Microsoft, Google, Apple, Facebook, Twitter, etc? Me parece que não temos percebido que vivemos sob suas leis. E uma delas nos diz que o banho de nossos bebês ou o momento da amamentação é pedofilia.

A partir do momento em que vasculham nossos arquivos e recebemos o aviso de que estamos violando sua política de uso, nossa escolha é aceitar o veredicto e retirar as imagens do ar, quando não as eliminam por sua própria conta – ou sermos banidos desse mundo.

Supostamente seria uma escolha estar ou não na rede, usar ou não a mercadoria que oferecem. De fato, cada vez mais deixa de ser uma escolha, já que boa parte da população do planeta não pode mais conceber sua vida pessoal e profissional sem estar em alguns desses conglomerados virtuais.

Como disse Kalu Brum para esta coluna: “Tive de concordar que li e aceitei os termos de uso do Facebook de que a foto feria as regras. Fiquei indignada e por isso pensei em sair da rede. Vejo tantas fotos com pessoas de decote, shorts minúsculos, por que uma foto de amamentação, em que o mamilo nem aparecia, estava sendo retirada? Imediatamente pensei que poderia usar a própria rede social para mobilizar mulheres a trocarem suas fotos do perfil”.

Acho ótimo que alguém tenha decidido reagir e torço para que o “mamaço” organizado por Kalu surta algum tipo de efeito no Facebook. Mas sabemos o tamanho e o poder desta rede com mais de 600 milhões de usuários no planeta – e como é difícil atingi-la ou influenciá-la. Não é por acaso que a manifestação contrária à política da rede social aconteça dentro da rede social, sem que o Facebook perca um único usuário. E é sobre isso que também precisamos refletir.

Assim como Kalu, minha amiga também retirou o álbum de fotos, chocada, e seguiu sob o império da Microsoft. E, possivelmente, se me acontecesse algo semelhante, eu faria o mesmo. Porque preciso usar as redes e não tenho escolha. De fato, sem nenhum direito de defesa ou julgamento, se não acatarmos que o banho do bebê ou a amamentação é pedofilia – porque é isso que aceitamos como verdade quando retiramos as imagens da rede ou continuamos lá depois que são retiradas –, somos banidos do mundo. Como párias.

E é assim que chegamos a resultados concretos como estes: uma das jornalistas mais atuantes na área da proteção dos direitos da infância e da adolescência é obrigada a eliminar um álbum virtual de acesso restrito porque há nele a foto de pais dando banho em seu bebê; uma mãe amorosa tem a foto em que amamenta seu filho retirada da rede social da qual participa. Tudo em nome do bem. E, claro, como muito do que nos tem sido impingido nos últimos anos, com a melhor das intenções.

Até o final do século XX, esta era uma realidade que só havíamos vislumbrado pela ficção. Agora, o futuro chegou. Não há respostas nem soluções fáceis para as questões apresentadas pelo novo mundo. Mas acho que é preciso ouvir a sirene e acordar.

(Publicado na Revista Época em 16/05/2011)

A Mulher-Aranha

Ilustração: Carolina Vigna-Marú

Ilustração: Carolina Vigna-Marú

O mundo era melhor quando existiam ônibus de bizarrices. Não as de verdade, mas aquelas feitas para nos enganar. A gente pagava ingresso e se assombrava com os mistérios do mundo. Agora, liga a TV e vê gente com nome e sobrenome comendo barata e cocô para arranjar uns minutos de fama. Pronto, acabou-se o encanto. Eles comem mesmo barata e cocô. É real. E assim nos roubam a possibilidade da fantasia e do espanto. Nada mais é bizarro depois disso. E tudo é real, em tempo real, reality show.

E vai se tornando insuportável viver num mundo com tanta realidade. Overdose de realidade também mata. A gente só vive por causa da fantasia. Só existe uma vida porque inventamos uma vida. Se nosso cotidiano é preenchido apenas por fatos nos tornamos zumbis. Não suporto mais esse mundo de fatos e de pessoas que confundem fatos com verdades absolutas.

Por isso, hoje, depois de testemunhar gente criando camiseta e xícara comemorativa à morte do Bin Laden, eu acordei com saudades de Monga, a mulher-gorila. Talvez a maior frustração da minha infância. Eu nunca vi Monga, a mulher-gorila. Nunquinha. Como toda boa fantasia, ela sempre me escapava. Quando eu achava que ela surgiria entre as nuvens de poeira de Ijuí, ela já estava em outro lugar. Diziam que em Cruz Alta, Catuípe ou Panambi. Mas acho que me enganavam. Monga era inteligente demais para preferir Cruz Alta a Ijuí. Não, é claro que não faz nenhum sentido preferir Cruz Alta a Ijuí. Até Xuxa surgiu em Santa Rosa e depois Gisele Bündchen em Horizontina. Tudo ali, pertinho. Mas nada de Monga.

Ah, Monga, você sim era de verdade. “Capturada nas selvas do Congo, esta mulher leva uma vida oculta, um sórdido segredo, que agora é revelado. Tarde demais. Dolorosas contrações castigam o seu corpo. A metamorfose sinistra já começou. A linda moça se transforma em Monga , a mulher-gorila.” Monga, monga, como eu sofri por você!

Então surgiu em Ijuí ela, a única, a incomparável, a sinistra Mulher-Aranha. E eu tanto implorei, rastejei, me humilhei, que minha mãe me deu dinheiro para entrar no ônibus onde a abominável mulher de pernas pretas e peludas (conheci outras, depois) vivia. Eu tinha uns seis anos. E era tímida como um mico-leão-dourado.

Lembro de ter entrado no ônibus fora de linha com solenidade. Era uma fila e cada um tinha o seu momento com a abominável. Quando chegou a minha vez, eu entrei, uma conga azul marinho atrás da outra. Me postei a uma distância segura daquela mulher loira oxigenada, boca de batom vermelho e oito patas de caranguejeira. Meu deus, era verdade. A Mulher-Aranha existia.

Arrisquei um…

— Oi.

E ela:

— Ahn?

Meu irmão me disse, quando voltei para casa, que a Mulher-Aranha não me ouvia direito porque era um truque de espelhos e ela estava muito mais longe do que de fato parecia. Mas eu não acreditei. Tinha certeza do infortúnio da Mulher-Aranha. Da verdade da Mulher-Aranha.

— Oi.

— Ahn?

— Você nasceu assim?

— Ahn? Fala mais alto!

— VOCÊ NASCEU ASSIM?

— Sim.

Foi neste momento que tive um vislumbre do meu futuro, mas na hora não percebi. Era minha primeira entrevista. E ela revelava não só que eu tinha uma certa queda para a reportagem, como que tipo de repórter eu seria. Cheguei bem perto, perto até demais ela me disse. E perguntei, com os olhos cravados nos dela (ou no espelho, como meu desagradável irmão viciado em fatos insistia em repetir):

— Você sofre muito?

Ela garantiu que já estava acostumada. E meu tempo acabou. Saí com minhas congas azuis, uma atrás da outra, e por um mês andei arrasada me batendo pelos cantos da casa, com pena da abominável. Depois, esqueci.

Hoje, quatro décadas mais tarde, ao assistir ao casamento do príncipe William com a plebeia Kate Middleton, seguido pela operação Bin Laden, tenho certeza de que só Monga, a mulher-gorila, pode salvar este mundo.

O milagre da privada

Por que as novas igrejas evangélicas fazem tanto sucesso

Há um vídeo circulando na internet que tem provocado ataques de riso. É bem engraçado mesmo. Mas não é apenas isso. Ele nos dá a possibilidade de pensar algo importante: por que as novas – novíssimas – igrejas evangélicas arrebanham tantos fiéis e fazem seus criadores, sempre um bispo fulano ou apóstolo sicrano, enriquecer com uma rapidez de deixar qualquer capitalista orgulhoso. E em seguida expandir sua igreja para outros países/mercados – ou muito pobres ou povoados por imigrantes de países pobres. Ao mesmo tempo em que passam, como qualquer empreendedor competente, a diversificar seus negócios para outras áreas de atuação. O fenômeno é bem conhecido, mas este vídeo de três minutos pode nos ajudar a alargar a questão para outros pontos de vista.

O vídeo no YouTube se chama “O milagre da privada”. E, ao terminar de assisti-lo, podemos pensar, com algum senso de humor, que o conceito de onipresença divina acabou de ser ampliado. Nele, uma senhora muito carismática conta ao pastor que Deus fez um milagre com ela. Pelo que entendi, ela usou um travesseiro vendido na igreja através do qual o poder divino se manifesta. No caso dela, colocou o travesseiro na barriga, sobre a região do intestino, e pela primeira vez na vida, segundo seu relato, conseguiu o que lhe parecia impossível.

E aí os leitores mais pudicos que me perdoem – assim como a Época, que com toda razão exige um texto elegante –, mas neste caso é essencial respeitar a linguagem usada, porque ela contém informação. A senhora conta que finalmente, depois de décadas de sofrimento, de passar “de 15 a 20 dias” sentando-se na privada inutilmente, graças à interferência divina obtida através do travesseiro e da igreja, conseguiu dar “uma bela de uma cagada”.

Apesar de termos pudores com esta parte do cotidiano do corpo, a única que nem toda a riqueza do mundo consegue fazer cheirar bem, a compreensão do relato é imediata. E a mulher dá seu testemunho com uma alegria e uma sinceridade que me parece que rimos com ela, por identificação humana – e não dela. O que faz uma grande diferença.

A senhora parece realmente feliz por Deus ter lhe soltado os intestinos depois de uma vida inteira de prisão. Para ela era um grande drama – e todos nós sabemos que pode mesmo ser. “Meu Deus, por que todo mundo caga menos eu?”, relata ela. “Misericórdia, meu Deus!” Era este, afinal, o milagre que esperava de sua fé.

Ela deve ter muitas outras mazelas na vida, mas a maior de todas era esta. E supostamente seus problemas na área acabaram. Porque este ato tão simples para a maioria da humanidade lhe era negado, ela usa a palavra “cagar” várias vezes. Goza com a palavra que nomeia a função a qual finalmente tem acesso. E é por isso que eu a repito aqui. Porque usar “defecar” seria uma traição à sua narrativa.

O vídeo parece genuíno, mas não tenho como comprovar sua veracidade. Se ela é uma atriz, merece um Oscar. Se for uma peça de humor, é ótima. De qualquer modo, “milagres” comezinhos acontecem aos milhares todo dia nessas novas igrejas evangélicas, determinantes para a transformação do Brasil num país cada vez mais multirreligioso. Basta ligar a TV ou acessar os respectivos sites para testemunhar que, se existe um Deus, ele anda ocupadíssimo resolvendo questões as mais prosaicas. Escolho este “milagre”, e não outro qualquer, apenas porque ao alcançar o território da privada ele explicita ainda mais o fenômeno na esfera pública.

A imprensa tem denunciado a exploração dos fiéis e o enriquecimento ilícito de algumas dessas igrejas – e, principalmente, a locupletação de seus fundadores. Como na ótima reportagem “Milagres e Milhões”, de Ricardo Mendonça e Mariana Sanches, publicada na Época em 2010. Os exemplos são muitos e contundentes. Mas há algo, de outra ordem, que é importante compreender nesse fenômeno. E que a senhora de “O milagre da privada” nos conta muito bem.

O problema que encontro na crítica generalizada que se faz a essas novas igrejas evangélicas, da mesa de bar às discussões mais formais, é o menosprezo da capacidade de discernimento do povo. Supostamente os fiéis que lotam os templos seriam apenas vítimas de estelionatários da fé. Dando um dinheiro que lhes falta para quase tudo em troca de fumaça. Me parece que esta é uma verdade em alguns casos – mas apenas parte dela. É preciso complicar mais a questão.

Primeiro porque a fé, por definição, não pertence à esfera das comprovações científicas. Se fosse este o critério, haveria de se proibir todas as igrejas, inclusive a Católica. Fé é crença, não ciência. Você acredita se quiser ou puder. Alguns têm fé, outros não. A Constituição brasileira acolhe a todos ao admitir a liberdade religiosa. Mesmo que – ainda bem – o Estado seja laico. Isso significa que, se a senhora do vídeo quiser acreditar que o travesseiro ungido libertou seu intestino, é um direito dela. Da mesma forma que outros acreditam que João Paulo II é santo. E outros não acreditam em nada.

O problema maior, em meu ponto de vista, é achar que o povo que escolhe essas novas igrejas e acredita em milagres como esse é apenas uma vítima passiva. Este raciocínio reduz as pessoas e a compreensão do fenômeno. Ninguém dá nada – muito menos o seu dinheiro – se não recebe algo em troca. Quando esta troca se desequilibra e as pessoas se sentem enganadas, como em qualquer negócio, elas ou mudam de igreja ou vão à Justiça – se conseguirem acesso.

O povo brasileiro é bastante pragmático. E me parece que as pessoas entendem claramente que é um negócio, ainda que seja um negócio embrulhado em fé – e por isso a maior parte dos casos na Justiça é dessas igrejas e não das tradicionais. Não me parece que a busca maior nesse caso seja pela transcendência: o que se quer é uma solução prática e imediata, como é o espírito do nosso tempo apressado. Se dessacraliza o sagrado para sacralizar literalmente a mercadoria.

Pensar que os fiéis não sabem o que fazem pode ser arrogância – e até preconceito. Assim como ficar repetindo que o povo não sabe votar quando o resultado do processo democrático é diferente do esperado por determinada pessoa ou grupo político.

E o que essas igrejas oferecem que faz valer a pena dar um dinheiro que fará falta? Algo que possivelmente as pessoas que as procuram não encontram em nenhum outro lugar: acolhimento e escuta. É por isso que pagam. Há uma enorme carência de escuta em nosso tempo. Nunca se falou tanto – e talvez nunca tenha se escutado tão pouco. É este o vácuo que tem sido ocupado pela religião de mercado.

Que outro lugar, neste país, hoje, está de portas abertas e com alguém a postos para escutar o que o outro tem a dizer, ainda que possa ser apenas para avaliar o quanto de dinheiro poderá arrancar de quem desabafa? Se você está doente ou seu marido é alcoólatra, você vai encontrar alguém que o escute no SUS? Se seu filho está mal nos estudos ou agressivo em sala de aula e em casa, ou envolvido com traficantes, você vai encontrar alguém que o acolha na escola ou em outra instituição? Se você está sem emprego ou sua casa foi levada pela enchente porque a prefeitura e o estado deixaram de fazer as obras necessárias, onde você vai encontrar um teto e um banco para sentar e um ombro para chorar, ainda que tenha de dar o último trocado que restou no seu bolso? Em que outro lugar você se sentirá parte, ainda que no meio de uma multidão, mas uma com a qual você se identifica e o reconhece como um igual?

Por mais fraudulento que possa parecer – e em muitos casos é –, há algo que funciona nesses espaços. Há uma mercadoria que é entregue – ou os templos estariam vazios. E é entregue em geral não por um pastor ou bispo ou apóstolo ou irmão fulano qualquer, mas um fulano com um nome, sobrenome e rosto parecido com o do fiel. Este acolhimento e esta escuta fazem diferença na vida dessas pessoas ou elas não estariam lá. Deveria ser diferente? Acredito que sim. E lamento que não seja.

Mas as pessoas, todas e especialmente as mais pobres e desamparadas, têm de se virar com a realidade que está aí. Hoje, agora. E estas são as portas que estão abertas – quando quase todo o resto parece falhar. Ou está fechado. Ou não tem vaga.

Onde mais a senhora do vídeo poderia contar no microfone, ser ouvida e ser abraçada por aquele que está no lugar da autoridade porque deu “uma bela cagada” pela primeira vez na vida?

Pois é.

(Publicado na Revista Época em 09/05/2011)

Minuto

Ilustração: Carolina Vigna-Marú

Ilustração: Carolina Vigna-Marú

O carro parou no sinal em Higienópolis. O homem estava deitado sobre uma esteira. Como um chefe de família fazendo uma sesta depois do trabalho. Enquanto isso, a mulher se acocorava diante de uma espécie de armário de cozinha. Era uma cena doméstica rotineira. Mas era uma esquina exposta de São Paulo. Não havia proteção sobre eles, nem mesmo uma marquise, mas a mulher se movia como se inexistisse um mundo para além dela e de seu homem. Como se estivesse numa casa com paredes. Ela pegava restos de alimentos e fazia um prato como se fosse uma dona de casa comum. E o que eu pensei ser um armário era a sua geladeira. Era como espiar alguém que não sabia que era espiada pelo buraco da fechadura. Mas era uma esquina de cidade. E era chocante porque era uma esquina da cidade, mas ela não sabia.

Parecia, porém, que só eu a via. E por alguns segundos cheguei a duvidar que estivesse vendo, que a mulher existisse, que fosse real aquela imagem surreal. Olhei então para o homem. E enquanto a mulher permanecia alheia a tudo menos ele, o homem tentava fazer contato. Para todos que atravessavam a rua e passavam pela esquina, ele abria um largo sorriso. Mas ninguém o olhava. Ele tentava de novo. E ninguém o olhava. No meu horror eu queria gritar que ele estava lá, mas fiquei com medo que ninguém me visse e então eu também teria de duvidar de mim. Finalmente entendi por que a mulher tinha certeza de que havia paredes. Porque havia.

Parto com prazer

Nove meses, nove mulheres, nove histórias de amor

“Acho que exagerei na lasanha de berinjela”, comentou Luciana Benatti com o marido, Marcelo Min. Passava das dez da noite e Luciana, com 37 semanas e 4 dias de gestação, tinha sentido uma dorzinha. Não era a lasanha. Era Pedro, mas naquele momento ninguém sabia que ele se chamaria Pedro, porque os pais achavam que ainda teriam alguns dias de gestação para decidir o nome e preferiam descobrir o sexo apenas quando o bebê se apresentasse. Na madrugada, primeiro chegou a doula. Depois a pediatra. E em seguida a obstetra. Daria qualquer coisa para saber o que o porteiro do edifício no bairro de Pinheiros, em São Paulo, imaginou ao ver três mulheres chegando de malinha no meio da noite. Tudo – de homicídio a orgia – menos que alguém daria à luz no sétimo andar. De repente, já havia uma piscina inflável, decorada com uma alegre fauna marinha, no meio da sala. E uma mangueira de 50 metros levava água quente do velho Lorenzetti até banheira improvisada. Foi lá que Luciana começou a dar aqueles berros primais e libertadores, porque dói mesmo, para algumas mulheres mais do que para outras. E de novo fico pensando no que o pobre porteiro deve ter imaginado quando os vizinhos começaram a interfonar. Arthur, pelo menos, resolveu espiar o que estava acontecendo. Aos quatro anos, ele desembarcou da cama esfregando os olhos amendoados e encontrou uma festa na sala. Como Luciana sabia que nada melhor do que um bom berro quando a contração chegava mais forte, percebeu que precisaria explicar ao menino o que estava acontecendo antes que ele se desesperasse. “Filho, para o irmãozinho sair da barriga, a mamãe vai ter que dar uns gritos de leão”. Arthur é louco por qualquer bicho – mas rei é rei, e rainha melhor ainda. Adorou. E a partir daí, sempre que sua mamãe leoa berrava, ele ria e batia palmas na maior empolgação. Foi assim que Pedro escorregou para o mundo. Marcelo e Arthur, pai e filho, cortaram o cordão umbilical. E depois de um soninho gostoso, Luciana acordou pela manhã com os dois filhos ao seu lado e um café na cama preparado pelo Marcelo. O melhor pão com requeijão da sua vida.

Esta história é contada pelos protagonistas, a jornalista Luciana Benatti e o fotógrafo Marcelo Min, num livro – muito – importante lançado nesta quarta-feira, 4/5 (a partir das 18h30, na Livraria Cultura do Conjunto Nacional, em São Paulo).Parto com amor (Panda Books) é a narrativa de uma trajetória que começou em 2007, com a gestação de Arthur, o orgulhoso animador de partos do parágrafo anterior. E só terminou no ano passado, com o nascimento de Pedro.

Ao ficar grávida pela primeira vez, quatro anos atrás, Luciana pensava em ter parto normal, mas nunca tinha ouvido falar de parto humanizado. Como boa parte dos médicos, o dela disse: “Parto normal é o melhor para a mãe e para o bebê”. Mas não respondia – e até se irritava – com as perguntas de Luciana. “O que mais a senhora quer saber?”. Um dia Luciana, já com um barrigão de 35 semanas, encontrou uma amiga jornalista. “Mas você tem certeza? Muitos médicos dizem que fazem (o parto normal), mas na hora inventam uma desculpa para a cesárea”.

Luciana ficou bem irritada com a amiga que duvidava do seu médico naquela altura da gestação. Mas o comentário permaneceu fincado como um alfinete em sua cabeça e, na consulta seguinte, diante de seus questionamentos, o médico soltou esta pérola: “Por que você está tão preocupada com o parto? Cuide das roupinhas e da decoração do quarto e deixe que do parto cuido eu”.

Não era esta a ideia que Luciana e Marcelo compartilhavam sobre o parto do seu filho. Eles tinham certeza de que quem tinha de cuidar do nascimento do bebê eram eles – e especialmente Luciana, com o apoio de Marcelo. Nunca mais voltaram ao consultório do médico, que também jamais os procurou para perguntar o porquê.

Um mês depois Arthur nasceu num parto natural na banheira da maternidade de um hospital, sem anestesia, sem episiotomia (o corte que obstetras costumam fazer no períneo da gestante com a justificativa de que ajuda no nascimento e evita lesões maiores) e sem soro com ocitocina (medicamento usado para aumentar a frequência e a força das contrações). Arthur desembarcou do útero no seu tempo, forte e saudável. E Luciana deu à luz inspirada nas suas avós: Aurora teve sete filhos de parto normal e Antônia, sete. “Foi um daqueles momentos que fazem a vida valer a pena”, diz Luciana. “Fui a protagonista da minha história.”

E foi assim que outra história começou – a do livro. Marcelo, um dos melhores (e mais sensíveis) fotógrafos do Brasil, registrou em imagens o parto de Arthur. Ao refletirem sobre sua experiência, Marcelo e Luciana perceberam que valia a pena documentar o parto natural, comum nos países desenvolvidos da Europa, mas uma exceção no Brasil, um país com índices de cesariana superior a 80% nas mais conceituadas maternidades privadas – quando a Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda no máximo 15%.

Nos últimos quatro anos, Marcelo e Luciana acordavam na madrugada com telefonemas do tipo: “Vai nascer!” ou “Começou!”. E lá se ia Marcelo com seu equipamento, enquanto Luciana ficava com Arthur. Depois, a jornalista fazia uma longa entrevista com cada uma das mulheres em suas casas, para que contasse sua trajetória a partir do seu próprio olhar – todos os textos do livro são na primeira pessoa e cada um deles traz o jeito particular da autora daquele parto. A cada final de capítulo, há uma seção de perguntas e respostas feitas com muita responsabilidade, precisão e conhecimento, que esclarecem questões trazidas na narrativa.

Como os meses de uma gestação, são nove histórias de mulheres – e homens – que decidiram se tornar protagonistas do nascimento de seus filhos. Cada uma delas com seu próprio caminho, suas possibilidades, seus conflitos e também seus limites. Cada capítulo nos dá uma história contada em duas linguagens – o texto e a fotografia. E ao final de cada um deles sofremos e nos alegramos junto com aqueles homens e mulheres – e bebês lindos e amarrotados – que passamos a sentir como se fossem da família.

Marcelo ganhou das gestantes o apelido de “fotógrafo invisível”, pelo seu dom – já testemunhado por mim em reportagens muito delicadas que fizemos juntos – de registrar a realidade com uma câmera enorme sem que ninguém se sinta invadido ou mesmo perceba a sua presença. As duas fotos abaixo são do primeiro capítulo, justamente o parto de Arthur. A mulher, berrando na banheira, é Luciana. Sim, parto dói, mas há uma diferença fundamental, que a maioria das pessoas parece ter esquecido, entre dor e sofrimento. A do parto é uma dor que não vem da doença e da morte, mas da saúde e da vida. É uma passagem. Você está junto com seu filho, ajudando-o no primeiro momento mais importante da vida que se inicia fora do útero materno. E poder berrar, sem que nenhum obstetra ou enfermeiro torça o nariz, é libertador.

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Parto com amor é um livro que registra um dos movimentos femininos mais interessantes deste início de milênio (e que, para muitas parcelas da sociedade, permanece invisível): a decisão das mulheres de recuperarem a posse do corpo em um momento crucial da vida – o parto do filho. Elas passaram a perceber que dar à luz não é um procedimento técnico apenas, mas algo que vai definir uma questão determinante para tudo o que vem depois: o nascimento de uma mãe.

As decisões tomadas no parto e a forma como cada mulher lida com a gestação é parte da construção da maternidade que também ali se inicia. E para cada filho – e não apenas o primeiro – há uma mãe diferente que nasce. Assim como a forma que cada homem lida e participa – e a sua presença ou ausência nesse momento – também é determinante para a paternidade que se inicia, para o pai que também nasce.

Assumir a responsabilidade de parir é uma etapa essencial do processo de fundação e autoconhecimento da família recém nascida. Assim como delegar todas as decisões do parto para a autoridade médica também é, pelo avesso. Tanto uma escolha quanto a outra têm significados e consequências.

Em boa parte dos países desenvolvidos, a cesariana não é uma escolha, como é no Brasil. Da mesma forma que qualquer pessoa de bom senso acharia um absurdo se submeter a uma cirurgia nos rins ou na próstata sem necessidade. Nesta visão responsável da saúde, a cesariana é um procedimento de grande seriedade, como qualquer cirurgia, realizado apenas quando é necessário. E só é necessário quando há um risco comprovado para a mulher e para o bebê, quando é a realmente a melhor alternativa para a mulher e para o bebê.

Se esta fosse a verdade do atendimento às gestantes no Brasil, por que só as brasileiras teriam indicação de cesariana em mais de 80% dos nascimentos nas maternidades privadas – e não os 15% previstos pela OMS? Será que as brasileiras são mulheres diferentes das demais mulheres do mundo? Teriam um corpo diferente, que as impossibilita de parir seu filho de forma natural?

Assim, que bom que vivemos um momento da medicina em que, quando há risco para a mãe ou para o bebê, é possível fazer uma cirurgia. Mas que pena que um número significativo de cesarianas é realizado todos os dias não por necessidade real, mas por comodidade do médico e da mulher. E, mais triste ainda, que um número considerável seja feito à revelia da mulher.

Diante dessa realidade e da sensação de que algo estava errado na experiência vivida nos consultórios e nos hospitais, em diferentes partes do país mulheres começaram a reagir. Sem encontrar respostas nos lugares óbvios, em geral contaminados pela cultura da cesariana e pela ideia da autoridade inquestionável do médico, elas passaram a criar grupos de discussão e de pesquisa na internet. Ao voltarem arrasadas da consulta, mães de primeira viagem encontravam pelo Google mães mais experientes que respondiam a suas perguntas e lhes davam orientação.

Duas destas mulheres, cada uma com uma história diferente, podem ser vistas nestas fotos extraordinárias. Na primeira, Denise, Lauro e a pequena Alice, no momento do nascimento. Na segunda, Andréia aconchega Maura, que acabou de nascer no ofurô. Matheus já deu as boas-vindas à irmã e muitos beijos na mãe. Em seguida, foi fazer xixi. “Muita gente se surpreende com esta foto”, comenta Andréia no livro. Como se o xixi fosse sujo, nascer fosse limpo e o fato de os dois estarem tão próximos pudesse fazer algum mal para o bebê.” A resposta padrão de Andréia é a seguinte: “Você sabe por onde ela saiu? Então, qual é o problema?”.

parto3parto4Pela internet, tornou-se possível recuperar uma tradição perdida: a das mulheres mais velhas ou experientes que compartilham seu conhecimento com as mais novas. A velha sabedoria das mães e das avós, só que a rede virtual e as mudanças culturais do nosso tempo tornaram esta uma família expandida. Hoje, há centenas de sites, blogs e listas de discussão de mulheres sobre gestação e parto. É possível, inclusive, assistir a partos pela tela do computador, em tempo real. Em algumas cidades brasileiras, profissionais da saúde adeptos do parto natural e humanizado formaram grupos onde as mulheres fazem cursos e trocam experiências. Trocam também indicações de doulas, parteiras, obstetras e pediatras que garantidamente vão respeitar suas escolhas, manter seu bebê junto delas e só realizar uma cesariana se for realmente necessário.

Da mesma forma que a internet deslocou o poder em muitas esferas – com o acesso à informação, a ampliação das vozes e a possibilidade de divulgação –, também teve profundo efeito no protagonismo do parto no Brasil. E, como toda mudança, esta causa um bocado de polêmica e resistência – especialmente entre a parcela dos profissionais de saúde que sente seu poder, antes inquestionável, ameaçado. Não acredito que esse movimento seja revertido. Pelo contrário, me parece que a tendência é crescer e se multiplicar com a ajuda das redes sociais.

Parto com amor é um dos primeiros livros brasileiros a documentar esse fenômeno cultural tão interessante. E recebeu o apoio entusiasmado de uma das brasileiras mais famosas do mundo, a supermodelo Gisele Bündchen. A maioria das celebridades marca dia e hora para botar seus filhos no mundo, a data é escolhida com a ajuda de um numerologista e o mapa astral está na lista do enxoval. Gisele, a celebridade entre as celebridades, não. Ela faz parte desse movimento novo. Teve seu filho Benjamin em casa, na banheira, com parteira, da forma mais natural possível. E sofreu críticas por causa disso.

Em entrevista ao Fantástico, programa da TV Globo, ela disse: “Meu parto não foi dolorido em nenhum momento. Não foi assim, ai que dor, mas a cada contração eu pensava que meu bebê estava mais perto de mim. Eu transformei aquela sensação intensa, que acontece para todo mundo, em uma esperança de ele estar chegando mais perto. E no segundo dia (depois do parto) eu já estava caminhando, lavando louça, fazendo panqueca, sabe assim, vida que segue”.

Gisele leu Parto com amor e comenta na contracapa do livro: “O parto pode ser, sim, um momento poderoso de transformação, alegria e prazer. Espero que este livro inspire muitas mulheres”. Depois, encomendou exemplares para dar de presente às irmãs.

Espero que os votos de Gisele Bündchen se realizem.

(Publicado na Revista Época em 02/05/2011)

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