Hora do voto

Acabei de votar. Eu fico muito emocionada quando voto. Vivi a ditadura e sei a dor que é não poder votar. A dor que é não pode falar, a dor que é não poder escolher, a dor que é saber que sua família é vigiada, o medo que é esperar o pai voltar do quartel onde foi chamado por ser “subversivo”, a dor que é o irmão não voltar de uma noite de movimento estudantil, a dor que é saber que a mãe foi delatada pelas suas colegas na escola onde dava aula 48 horas por semana. A dor que é ter livros escondidos, porque proibidos pelo regime, a dor que é ter medo de cada coleguinha que vai brincar na sua casa porque pode contar para os pais o que descobriu no esconde-esconde. E os pais podem contar àqueles que se autoproclamaram senhores da vida e da morte. E então é você que vai se sentir culpada pelo horror que vai acontecer aos seus pais e à sua família. Eu sei o que é o pavor dos gritos dos que são torturados, os gritos que quem não esconde a cabeça debaixo do travesseiro escuta mesmo que os ouvidos não consigam alcançar os porões. O horror dos mortos sem corpo, sumidos pelas mãos de agentes de Estado, os mortos que as mães e os pais não conseguem sequer sepultar.

Acho que muita gente se esquece do horror – ou nunca o viveu e não se importa com o que os outros viveram. Acho que muita gente só se importa consigo mesma e acredita que o horror nunca chegará à sua porta. Acho que muita gente não se importa porque acredita estar a salvo. Mas o horror chega. A história nos mostrou, inúmeras vezes, que de alguma maneira ele chega.

Acho que muita gente esquece o quanto é incrível votar. Respeito quem não vota. Mas lamento.

Votei feliz, apesar das sombras que nos ameaçam neste momento. Votei consciente, com meus votos anotados, com meus votos muito bem estudados. Votei orgulhosa por votar. Votei com o coração batendo forte porque estou viva e tenho dentro de mim essa alegria invencível. E votei vestida de branco.

207 dias sem Marielle Franco, 207 dias sem que o crime tenha sido desvendado, 207 dias de impunidade.

Chegamos ao primeiro turno desta eleição ainda com o corpo de Marielle insepulto. Porque corpos assassinados ficam insepultos enquanto seus assassinos e os mandantes de seus assassinos permanecem encobertos e impunes.

Impunes estão todos os assassinos e torturadores da ditadura civil-militar, como o herói de Jair Bolsonaro, Carlos Alberto Brilhante Ustra. É o que diz a camiseta vestida por filhos de Bolsonaro e por seus apoiadores: “Ustra vive”. Ustra vive porque a violência do que ele representa e do que ele efetivamente fez foi reeditada nesta candidatura, e Ustra vive porque centenas de pais ainda não encontraram o corpo dos seus filhos assassinados pelo regime, muitos a mando de Ustra, para que pudessem sepultá-los e ter um túmulo onde chorar sua morte.

Marielle_FrancoQuem matou Marielle? Quem matou Anderson?
Quem mandou matar Marielle?

Carreguem essas perguntas com vocês junto com o papelzinho onde estão escritos seus votos. Carreguem essas perguntas dentro de vocês dia após dia até que os panos caiam e a verdade apareça.

Marielle era uma vereadora que estava renovando a Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro. Uma vereadora que estava renovando a política no Brasil. E por isso incomodava. Marielle era negra, era lésbica, era da favela. E por isso incomodava. Porque mulheres como ela, até pouco tempo, só poderiam fazer a limpeza da Câmara de Vereadores. E não estar no púlpito discutindo os problemas de sua comunidade de igual para igual. Marielle era inteligente, era bonita, era alegre. Marielle era uma mulher viva. E por isso também incomodava.

Então arrebentaram sua cabeça a tiros.

Luto é verbo.

Em memória de Marielle, lembrem-se da importância do legislativo. E votem bem. Em memória de Marielle, votem contra a opressão.

Bom voto a todos!

Como um “coiso” racista, misógino e homofóbico pode se tornar o próximo presidente do Brasil

Bolsonaro (foto de Adriano Machado/Reuters, reproduzido do The Guardian)

Jair Bolsonaro (foto de Adriano Machado/Reuters, reproduzido do The Guardian)

Whatever the outcome, Bolsonaro has already won: Brazil, plunged into a complex crisis, with 13 million people without jobs and poverty and child mortality rising again, goes to the ballot box without a proper debate and divided by hate.

Qualquer que seja o resultado, Bolsonaro já ganhou: mergulhado numa crise complexa, com 13 milhões de pessoas sem trabalho e o crescimento da mortalidade infantil e da pobreza, o Brasil vai às urnas sem um debate apropriado e dividido pelo ódio.

 

How a homophobic, misogynist, racist ‘thing’ could be Brazil’s next president


Jair Bolsonaro is the monstrous product of the country’s silence about the crimes committed by its former dictatorship

 Meu artigo no jornal britânico The Guardian (em inglês)

A eleição do “contra”

É a primeira vez que um ato durante a campanha não é a favor de um candidato ou de ideias, mas sim contra um candidato e as ideias que ele representa. Votar contra, mais do que votar a favor, é também a marca dessas eleições. O fenômeno é eco da cultura da internet.

Manifestación de mujeres en Sao Paulo contra el candidato Jair Bolsonaro. MIGUEL SCHINCARIOL (AFP/Reprodução El País)

Manifestación de mujeres en Sao Paulo contra el candidato Jair Bolsonaro. MIGUEL SCHINCARIOL (AFP/Reprodução El País)

Mujeres versus ‘desto’

Es la primera vez que el voto de las mujeres es tan diferente del de los hombres: de cada tres electores de Bolsonaro, solo uno es mujer

Leia no El País (somente em espanhol)

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