O rompimento do mundo dos humanos

As pessoas passaram a ler a realidade da mesma forma que leem a Bíblia.

Na minha coluna desta semana, analiso o Nobel da Paz para jornalistas a partir do rompimento da linguagem, no meu ponto de vista a principal determinante para a profunda crise que vivemos.

“O que está em jogo é algo mais profundo: uma mudança na forma de apreensão da realidade, que confronta os pilares que forjaram a imprensa e o funcionamento da sociedade moderna. Por uma série de razões, o verbo que progressivamente passou a mediar uma parcela significativa das pessoas na sua relação com a realidade é “acreditar”. Não mais os verbos iluministas do duvidar, investigar, testar, confrontar, comparar etc. Mas acreditar. É uma mediação religiosa da realidade, determinada pela fé. A crença se antecipa aos fatos, e assim os fatos já não importam. É como se as pessoas passassem a ler a realidade da mesma forma que leem a Bíblia. Esta é a razão que determina a crise da imprensa, da ciência e de outros fundamentos que constituíram a modernidade, baseados na investigação e no questionamento constante, para os quais a dúvida é que move o processo de apreensão da realidade e de construção do conhecimento sobre o mundo.
É claro que essa mudança tem relação com o crescimento de um determinado tipo de religião, no Brasil marcadamente a expansão do neopentecostalismo de mercado, através de denominações religiosas produzidas por essa fase ainda mais predatória do capitalismo. Na minha interpretação, porém, a mediação da realidade pela fé é (não só, mas) principalmente sintoma da transfiguração do planeta pela crise climática. Ainda que a maioria das pessoas não seja capaz de nomear os impactos dessa monumental mudança em suas vidas, todos estão sentindo que o mundo que conhecem se desfaz debaixo dos pés. Mesmo para aqueles que a vida cotidiana sempre foi muito dura, a dureza desconhecida é ainda mais brutal do que a conhecida. No desamparo, em que também as instituições se desfazem, resta crer. E resta crer mesmo para aqueles não religiosos, no sentido estrito. E resta crer não apenas numa religião, mas em uma realidade que, se não é real no sentido de corresponder aos fatos, se torna real para quem nela acredita. Nesta proposição, a mediação da realidade pela crença seria uma adaptação à emergência climática que, em vez de enfrentá-la, a agrava.”

O presidente Jair Bolsonaro acena a apoiadores, aglomerados em plena pandemia de covid-19, em março. JOÉDSON ALVES/EFE (Reprodução do El País)

O presidente Jair Bolsonaro acena a apoiadores, aglomerados em plena pandemia de covid-19, em março. JOÉDSON ALVES/EFE (Reprodução do El País)

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Imprensa também é responsável por crise da democracia e por eleição de Bolsonaro e Trump, diz Eliane Brum, ganhadora do prêmio Cabot

A imprensa precisa fazer um mea-culpa sobre o seu papel na eleição de presidentes “neofascistas” como Jair Bolsonaro e Donald Trump, afirma a jornalista, escritora e documentarista brasileira Eliane Brum, uma das ganhadoras dos Prêmios Maria Moors Cabot de 2021.

Texto de Marina Estarque
Knight Center/LatAm Journalism Review

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A jornalista, escritora e documentarista brasileira Eliane Brum, uma das ganhadoras dos Prêmios Maria Moors Cabot de 2021. Foto: Azul Serra (Reprodução do LatAm Journalism Review)

A jornalista, escritora e documentarista brasileira Eliane Brum, uma das ganhadoras dos Prêmios Maria Moors Cabot de 2021. Foto: Azul Serra (Reprodução do LatAm Journalism Review)

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