Morrendo na primeira pessoa

Depois de se tornar interdita e silenciada no século 20, a morte ganha cada vez mais espaço em narrativas confessionais de notáveis e de anônimos. Em nossa época, a internet e as redes sociais alteram também o modo como olhamos e falamos sobre a doença, o envelhecimento, o luto e o fim da vida

Leia na minha coluna no El País:

Em 24 de julho, Oliver Sacks, escritor, neurologista e um dos pensadores mais interessantes do nosso tempo, escreveu um novo artigo sobre o seu morrer, na página de Opinião do The New York Times. Em fevereiro, ele tinha anunciado que estava com câncer no fígado, sem possibilidade de cura, em um texto belíssimo sobre a vida, que foi traduzido e publicado no mundo inteiro. Agora, aos 82 anos, Sacks começa a se sentir nauseado e enfraquecido pela doença, mas não menos encantado e curioso com a existência. Ele segue esperando com alegria a chegada das revistas científicas, ansioso pelas descobertas sobre um universo que o fascina. Semanas atrás, ele estava no campo, longe das luzes da cidade, quando se deparou com a inteireza monumental do céu “polvilhado de estrelas”. Sacks concluiu: “Esse esplendor celeste de imediato me fez perceber o quão pouco era o tempo e a vida que me restava. Minha percepção da beleza do céu, da eternidade, era inseparável da minha percepção da transitoriedade – e da morte”. Contou então seu sentimentos aos amigos que o acompanhavam, Kate e Allen, dizendo: “Eu gostaria de ver esse céu novamente quando estiver morrendo”. E os amigos garantiram que fariam com que pudesse ver as estrelas uma vez mais.

Ao nos contar sobre o seu morrer, um morrer vivo, no qual a experiência de chegar ao fim é mais uma novidade para um homem curioso com o mundo e com a existência, Oliver Sacks tornou-se um dos sinalizadores de que algo fundamental está mudando na nossa época. E de forma bastante rápida, já que nosso tempo histórico é acelerado. Embora o silêncio sobre a morte, a doença e o luto ainda persistam na vida cotidiana – e talvez seja ainda o que se impõe para a maioria das pessoas –, já não vivemos a morte “envergonhada” ou “clandestina” que se estabeleceu no século 20. O doente terminal que finge que não está morrendo, para não alarmar nem a família nem a equipe médica, pode estar começando a se tornar um espécime em extinção. A morte começa a ficar desavergonhada – e especialmente confessional, bem ao tom desse momento em que se narra tudo nas redes sociais.

Leia o texto inteiro aqui.

Outras reportagens e artigos sobre o luto e o morrer:

 

A enfermaria entre a vida e a morte
Lá, eles respeitam o tempo de morrer. Lá, cuidar é mais importante que curar. Lá, todo dia eles respondem: prolongar a vida ou aceitar o fim?

A mulher que alimentava
Os últimos 115 dias da vida de Ailce de Oliveira Souza

Minha vida com Ailce
Eliane Brum conta como foi fazer uma reportagem que só terminaria com a morte da personagem principal

O filho possível
Acompanhamos uma UTI neonatal que trabalha com cuidados paliativos. Nela, a medicina faz diferença mesmo quando não há cura

A mãe órfã
Lutos mal elaborados também matam

A mulher que restou
Como viver depois de perder o marido e a filha única em 20 meses? Joan Didion responde à tragédia num texto delicado e brutal

A vida na “Tumorlândia”
O grande polemista Christopher Hitchens conta, com a inteligência e a ironia que marcaram a sua obra, como é a vida no mundo novo e muito peculiar no qual são lançadas as pessoas a partir do diagnóstico de um câncer

As mães não deveriam morrer
Resta-nos o movimento que transforma dor em saudade

Testamento vital
CFM prepara documento para garantir dignidade na morte

O mundo da gente morre antes da gente
A vida que conhecemos começa a desaparecer lentamente, num movimento silencioso que se infiltra nos dias, junto com aqueles que fizeram da nossa época o que ela é

Programa Profissão Repórter: Caco Barcellos, Eliane Brum e Thais Itaqui contam a rotina de uma enfermaria que cuida de pessoas no fim da vida

 

O FILHO POSSÍVEL

RETRATO DE ADEUS
Josiane Pereira despede-se de sua filha Ana Luiza. A menina viveu apenas sete horas. Na sala de luto, na unidade de neonatologia, o marido, Giovani, a ampara e acaricia. É dele a mão que afaga (Foto: Marcelo Min)