Minha coluna no El País:
Como os mascarados desmascaram o Brasil do “mais um direito a menos”
Os black blocs, que apanham tanto de tantos lados, podem ser uma chave para compreender esse momento tão complexo do Brasil. Não apenas pelo que são, muito pelos discursos sobre o que são. Ao quebrarem patrimônio material como forma de protesto e serem transformados numa espécie de inimigos públicos, aponta-se onde está o valor e também a disputa. Enquanto a destruição dos corpos de manifestantes pela Polícia Militar é naturalizada, a dos bens é criminalizada. Reafirma-se, mais um vez, que os corpos podem ser arruinados, já que o importante é manter o patrimônio, em especial o dos bancos e grandes empresas, intacto. É também os corpos que sofrerão o impacto do projeto do governo que não foi eleito. Estes, que poderão ser ainda mais exauridos pelas mudanças nas regras do trabalho e também nas da aposentadoria. São os corpos os atingidos pelas reformas anunciadas como uma necessidade para não “quebrar o país”. Ao subverter o objeto direto do verbo “quebrar”, quebrando o que não pode ser quebrado, os mascarados desmascaram o projeto que pode ser chamado de “mais um direito a menos”.
Quem quebra, como quebra e por que quebra é mais complexo do que se tenta fazer parecer. Os habituais quebrados acostumaram-se a ouvir, em diferentes períodos históricos, que é preciso quebrá-los mais para o país não quebrar. Nunca se fala, por exemplo, em políticas para quebrar um pouco a renda dos mais ricos e redistribuí-la de maneira que os quebrados de sempre se tornem um pouco menos quebrados. Não. A única saída é quebrar mais quem já é quebrado. Assim, um projeto que pertence ao campo da política se transforma num dogma propagado por gurus da economia no altar em que os sacrificados são sempre os mesmos. Neste caso específico, a escolha de um projeto não eleito e, portanto, sem legitimidade democrática para interferir tão profundamente na vida cotidiana dos brasileiros – sem legitimidade para impactar tão profundamente os corpos.
Quando os black blocs voltam ao palco de disputa, discordando ou não de sua tática, é preciso olhar para quais são as vidraças que quebram. E desconfiar de por que o rompimento destas vidraças têm causado tanto barulho e mobilizado tanta fumaça.
Leia o texto completo na minha coluna no El País