Essas tantas não gentes das Amazônias

Comunidade de Montanha e Mangabal no Alto Tapajós, na Amazônia / LILO CLARETO

LILO CLARETO

A comunidade de Montanha e Mangabal vive há século e meio no Alto Tapajós, no Pará. Acompanhar sua trajetória no tempo é traçar a anatomia da ocupação do espaço amazônico. É perceber como o Estado é decodificado como uma força de aniquilação, que aparece de tempos em tempos para expulsar os povos da floresta.

Desta vez, a ameaça é maior. O governo chegou a marcar o leilão de São Luiz do Tapajós, a primeira usina do complexo hidrelétrico previsto para a região. E depois adiou-o diante das acusações, perigosas em época eleitoral, de que, de novo, estava descumprindo a Constituição e a legislação internacional. Outra barragem, Jatobá, está prevista para ser implantada em seguida. Segundo o governo federal, comunidades tradicionais, como o povo de Montanha e Mangabal, não serão consultadas. Serão apenas “informadas”. Se fossem consultadas, como determina a lei, o governo ouviria frases como a de Chico Caititu: “Nós não queremos carro nem cesta básica, nós queremos a floresta viva”.

Estive na comunidade de Montanha e Mangabal em agosto de 2013, junto com o fotógrafo Lilo Clareto, para uma grande reportagem. Essa coluna é um pequeno resumo de um trabalho maior e mais profundo, ainda inédito. Foi escrita no momento mais crítico vivido pela comunidade, protagonista de um percurso povoado por épicos. Ela conta a história de como um povo construiu sua identidade pela oralidade no mundo da palavra escrita – e conseguiu provar que oito gerações nasceram e morreram à beira do azulado Tapajós, um dos mais belos rios do mundo. É a história ainda de como Dona Santa, uma ribeirinha cega, venceu as trevas para iluminar a memória e salvar sua gente – e de como um pesquisador e um procurador a enxergaram. É também a constatação de que as vitórias são sempre provisórias para os mais frágeis.

Essa coluna é especialmente uma tentativa de levar, pela narrativa, um Brasil a outros Brasis. Ainda que eu saiba que, em época eleitoral, e mais ainda numa campanha acirrada e de baixo nível como a atual, são poucos os que se mostram capazes de escutar para além do contra ou a favor que embaralha as nuances e também as dores, mas fornece muitas desculpas para a indiferença e para um pragmatismo brutal. Enquanto os candidatos criam factoides e deixam de se posicionar frente ao mais importante, o povo de Montanha e Mangabal está lá, lutando pela vida.

Quem se interessar em conhecê-lo, é só clicar aqui.

LILO CLARETO

LILO CLARETO


Neste post, selecionei também algumas reportagens (apenas as que estão disponíveis na internet), entrevistas e artigos de opinião em que escrevo sobre a Amazônia e os povos da floresta, sobre grandes obras e sobre projetos políticos. Em meus textos, há uma escolha clara: amplifico as vozes que não encontram espaço em outros lugares. É a minha forma de contribuir com aquele que me parece ser o debate mais crucial do atual momento do Brasil. Escutar o que o outro tem a dizer, especialmente se este outro é parte silenciada, amplia nossa capacidade de enxergar o mundo – e a nós mesmos. Faz pontes. Estes links são, afinal, uma tentativa de fazer pontes entre Brasis – pela palavra.

ENTREVISTAS

31/10/2011
Belo Monte, nosso dinheiro e o bigode do Sarney
Um dos mais respeitados especialistas na área energética do país, o professor da USP Célio Bermann, fala sobre a “caixa preta” do setor, controlado por José Sarney, e o jogo pesado e lucrativo que domina a maior obra do PAC. Conta também sua experiência como assessor de Dilma Rousseff no Ministério de Minas e Energia

05/09/2011
Um procurador contra Belo Monte
Conheça o homem que se tornou o flagelo do governo ao lutar contra a maior e mais polêmica obra do PAC

04/06/2012
Dom Erwin Kräutler: “Lula e Dilma passarão para a História como predadores da Amazônia”
O lendário bispo do Xingu, ameaçado de morte e sob escolta policial há seis anos, afirma que o PT traiu os povos da Amazônia e a causa ambiental. Afirma também que Belo Monte causará a destruição do Xingu e o genocídio das etnias indígenas que habitam a região há séculos. Há 47 anos no epicentro da guerra cada vez menos silenciosa e invisível travada na Amazônia, Dom Erwin Kräutler encarna um capítulo da história do Brasil

 

ARTIGOS DE OPINIÃO

06/06/2011
Se a Amazônia é nossa, por que não cuidamos dela?
Para boa parte dos brasileiros, a floresta não passa de uma abstração

26/09/2011
Devemos ter medo de Dilma Dinamite?
As mulheres que a primeira presidente prefere não escutar

17/10/2011
A pequenez do Brasil Grande
A ditadura acabou, mas a palavra “desenvolvimento” continua sendo torturada para confessar o que o governo deseja que o povo acredite

22/10/2012
“Decretem nossa extinção e nos enterrem aqui”
A declaração de morte coletiva feita por um grupo de Guaranis Caiovás demonstra a incompetência do Estado brasileiro para cumprir a Constituição de 1988 e mostra que somos todos cúmplices de genocídio – uma parte de nós por ação, outra por omissão

 26/11/2012
Sobrenome: “Guarani Kaiowa”
O que move um brasileiro urbano, não índio, a agregar “guarani kaiowa” ao seu nome no Twitter e no Facebook?

02/07/2013
Índios, os estrangeiros nativos
A dificuldade de uma parcela das elites, da população e do governo de reconhecer os indígenas como parte do Brasil criou uma espécie de xenofobia invertida, invocada nos momentos de acirramento dos conflitos

31/03/2014
A ditadura que não diz seu nome
O imaginário sobre a Amazônia e os povos indígenas, forjado pelo regime de exceção, é possivelmente a herança autoritária mais persistente na mente dos brasileiros de hoje, incluindo parte dos que estão no poder. E a que mais faz estragos na democracia

 

REPORTAGENS

28/01/2012
A Amazônia, segundo um morto e um fugitivo
Dois homens denunciaram a quatro órgãos federais e dois estaduais uma milionária operação criminosa que rouba ipê de dentro de áreas de preservação da floresta amazônica, no Pará. Depois da denúncia, um foi assassinado – e o outro foge pelo Brasil com a família, sem nenhuma proteção do governo. A partir do relato desses dois homens, é possível unir a Amazônia dos bárbaros à floresta dos nobres

25/11/2005
À espera do assassino

Como vivem os brasileiros ameaçados de morte na fronteira paraense, onde o futuro da Amazônia é decidido à bala

04/10/2004
O Povo do Meio
Esses brasileiros não votam, são analfabetos e oficialmente não existem. À margem do país, estão jurados de morte

22/08/2011
Cabeça a prêmio: R$ 80 mil
Defensor da floresta pede ajuda para não morrer

08/04/2013
À margem do pai
Na floresta amazônica, um homem confronta sua solidão quando um filho seu é picado por uma cobra, o outro por escorpião. Como salvá-los sem nenhum acesso à saúde? O dia a dia dos protetores da Terra do Meio, onde não morrer é um golpe de sorte