A violência em Roraima é contra a imagem no espelho

A fronteira é um espaço de sobreviventes, que já conheceram o pior de vários mundos, sofreram estigmas, preconceitos e indignidades, e estão lutando por um lugar. Em condições favoráveis, são calorosos e solidários. Quando algo ameaça a sua posição, permanentemente instável, são pragmáticos. Fronteira é um não lugar de humanidades ferozes. Quem se torna elite nessas regiões é porque aprendeu a manipular paixão e medo.
A imagem dos venezuelanos entrando e entrando, desesperados, miseráveis e famintos, é a imagem que um migrante mais teme para si mesmo. É também a prova de que a estabilidade é sempre provisória, de que é possível perder tudo mais uma vez. É a evidência viva, encarnada, de que não há lugar seguro, de que o pertencimento é sempre precário. De que do outro lado da borda, o abismo espreita com olhos injetados de sangue. Quem viveu escorregando de todos os mapas sente a dor dessa experiência no corpo.

Uma família de venezuelanos passa pelos seus objetos pessoais incendiados por brasileiros na fronteira de Pacaraima (Roraima). NACHO DOCE REUTERS (Reprodução do El País)

Uma família de venezuelanos passa pelos seus objetos pessoais incendiados por brasileiros na fronteira de Pacaraima (Roraima). NACHO DOCE/ REUTERS (Reprodução do El País)

Os venezuelanos encarnam o pesadelo real de que toda estabilidade é provisória e o pertencimento é sempre precário

Leia na minha coluna no El País

Massacre anunciado na Anapu de Dorothy Stang

“Já conferi na lista, mãe. Meu nome não está lá”, garantiu Leoci Resplandes de Sousa, poucos dias antes de ter o corpo transformado numa peneira. Na maioria das cidades, poderiam ser muitas as listas. Aprovação no vestibular, contratados por alguma empresa, selecionados para algum concurso público. Mas não em Anapu, cidade do estado do Pará que entrou no mapa mental do Brasil e do mundo em 2005, quando a freira Dorothy Stang foi executada com seis tiros por defender os direitos dos mais pobres à terra e, com isso, confrontar os interesses dos grileiros (ladrões de terras públicas). Em Anapu, no Pará, 13 anos pós o assassinato da missionária, a lista ainda é a de camponeses marcados para morrer.

O pai do menino de 11 anos foi a vítima mais recente dos conflitos de terra em Anapu, no Pará, mas certamente não será o último a tombar no Brasil sem justiça LILO CLARETO (Reprodução do El País)

O pai do menino de 11 anos foi a vítima mais recente dos conflitos de terra em Anapu, no Pará, mas certamente não será o último a tombar no Brasil sem justiça LILO CLARETO (Reprodução do El País)

A tensão no Pará, lugar mais letal do mundo para defensores da terra ou do meio ambiente, tornou-se ainda mais explosiva do que na época em que a missionária foi assassinada

Leia na minha coluna no El País 

O lamento do povo Araweté em uma sinfonia

“Lamento para cordas” é uma composição inspirada pelo meu texto sobre um velho indígena do povo Araweté numa reunião com autoridades do mundo dos brancos. O maestro Alexandre Guerra a compôs e regeu a Orquestra Sinfônica de Budapeste, que a executou lindamente. Está no seu disco Fantasia, recém Lançado. E só nesta semana dá para ouvir de graça AQUI.

Alexandre Guerra faz literatura musical. E “Lamento para cordas” é imensamente lindo. Me sinto alargada por minhas palavras – ou minha dificuldade em encontrar as palavras, neste texto de tantos silêncios – terem inspirado algo que não existia e que agora povoa o mundo com tanta beleza. Escutem. Faz o dia ficar maior.

O texto completo sobre o disco Fantasia pode ser conferido na reportagem A mágica “literatura musical” de Alexandre Guerra.

Ouça também no site oficial de Alexandre Guerra no Youtube

Indígena Araweté, em reunião no centro de convenções de Altamira, no Pará. LILO CLARETO

Indígena Araweté, em reunião no centro de convenções de Altamira, no Pará. LILO CLARETO

 Leia AQUI o artigo que inspirou “Lamento para cordas”

 

Página 12 de 29« Primeira...1011121314...20...Última »