A mulher que nasceu com 10 anos

… E uma outra que virou ponte

– O que a parteira Zenaide mais queria na vida era reconhecimento.

É Mara Régia Di Perna quem dá a notícia, em tom de urgência.

– Quem é a Zenaide?, pergunto eu, agoniada de ignorância.

Mara Régia nem me conta, manda logo a voz de Zenaide contando de si.

Maria Zenaide de Souza Carvalho é o nome completo dela. E ela já nasceu com 10 anos. É assim mesmo, não é engano. Parteira nasce no primeiro parto. Ela nem sabe, às vezes é menina que ainda nem botou sangue de mulher e, de repente, se descobre diante do mistério. Atendendo a um chamado que sempre se anuncia num alvoroço, o coração feito um passarinho que fere as asas de tanto bater no peito, querendo escapar porque é demasiada responsabilidade. E ela só tem as mãos.

Só as mãos.

Com Zenaide foi assim: “Eu tinha 10 anos e foi por necessidade. Não tinha quem assistisse. Quando eu vi aquela cabeça preta saindo, Jesus. Mas quando eu vi o nenê nascendo meu Deus foi a coisa mais linda. Dei conta de tudo. Depois que nasceu eu chorei foi tempo. Porque a arte de partejar é um dom maravilhoso que sempre aconteceu e que sempre vai existir”.

É preciso compreender que o primeiro parto de uma parteira é sempre um duplo: marca o nascimento do bebê e também o nascimento da parteira. Quando ela corta o cordão umbilical com a tesoura ou com a flecha ou com a faca (ou com a unha ou com os dentes) é também da menina ou mulher que foi antes que se despede. É uma coisa meio misteriosa. E se olhar direito é bem um parto triplo, já que o bebê que nasce dá também à luz a uma mãe que antes não existia. Dali em diante parteira a menina será enquanto viver, porque esse ramo não é questão de gosto ou de escolha, pelo menos para as parteiras tradicionais que resistem no Brasil. De marido dá pra se separar, enviuvar, filho próprio vai-se embora quando chega a hora, mas o partejar é pra sempre. Já ouvi história de parteira amputada, aparando menino com uma mão sã e outra invisível. Já vi parteira de 96 anos pedindo a Deus seu aposentamento, mas Deus não dava.

Zenaide é daquelas que se orgulham do partejar, gosta desse ato de receber a criança que é um mundo novo e apresentá-la ao mundo velho onde daqui pra frente ela vai fazer história. Já fez 244 partos, segundo sua contabilidade. O que a instala com honras na categoria das “parteiras finas”. É ela quem explica: “Parteiras finas são aquelas com mais de 30 partos,pra quem nunca aconteceu de uma mulher morrer ou de perder uma criança. E a grossa é aquela que só fez um parto, dois ou três, e às vezes acontece alguma coisa nas mãos dela. Eu tô colocada como parteira fina porque fiz 244 partos e nunca perdi uma criança”. Zenaide diz ainda que a parteira é amiga da dor, porque “quando a mulher tá com dor, a parteira bota a mão em cima e a dor passa”.

Aqui o fio da vida é interrompido por violência de homem.

Interrompido num dia específico: 15 de novembro de 2004. Era a festa de aniversário de Marechal Thaumaturgo, cidade rasgada numa quina do Acre, lá onde o Brasil vai virando Peru. E onde vive Zenaide na Rua do Cemitério, um endereço ao contrário para quem só faz é nascer. O aniversário de Marechal Thaumaturgo estava sendo comemorado atrasado e Zenaide nem tinha ganas de ir, desgostosa de ajuntamento de gente.Mas o filho ia se apresentar, insistiu, e ela foi. Lá pelas tantas sentiu sede e foi perguntar na casa de uma avó com 103 anos se tinha água fria na geladeira. Tinha. Quando ela se preparava para despejar a água o homem veio lá de dentro e era bem conhecido. “Já foi tirando minha roupa. Era uma monte de gente que tinha lá e ninguém disse nada. Eu puxava a calça pra cima, ele puxava pra baixo com calcinha e tudo. Ia deixando eu nuazinha no meio do povo. Aí me deu uma ira, e eu o empurrei com essa mão aqui lá na parede. E aí pronto, não achei que ele fosse me bater. Mas aí um homem disse: ‘Dona Zenaide, lá vem um murro’. Ia acertar na minha nuca, se eu não tivesse desviado aquele murro tinha me matado. Aí pegou meu olho, saiu muito sangue, empapou a blusa, foi a maior dor que eu senti na minha vida inteira. Na hora não, na hora não senti coisíssima nenhuma. Mas 24 horas depois, quando deu o derrame, eu arranquei a roupa todinha, fiquei nua, fiquei doida. Deu hemorragia no rosto inteiro, fiquei com o rosto todo preto. O sangue coalhou no rosto, minha irmã. E não tinha (a lei) Maria da Penha ainda, depois é que formou a Maria da Penha. Meu Deus do Céu, se tivesse Maria da Penha! Dois meses e meio preso, pagou 15 mil reais e saiu. Quem quiser se afastar de homem agressivo, se afaste, porque depois que ele bate, neguinha, nem Maria da Penha não faz voltar a vista da gente ou qualquer outro órgão que a gente tenha. Porque os órgãos da gente têm um valor muito grande, principalmente a vista. A vista é uma vida, uma vida. Eu não ando mais só, não atravesso rua só. Não posso mais andar só pelos cantos. Tanta vontade que eu tenho, porque sou decidida, já andei esse Brasil todinho, e agora só posso viajar como especial.”

Zenaide seguiu partejando porque há nas parteiras uns olhos que ficam nas mãos. Ela agora dá um nó cego no fio partido pela violência do homem, amarrando as pontas da vida, e canta assim: “Vamos dar valor a essas parteiras…/São elas que estão espalhadas a trabalhar/Dentro dos municípios do Vale do Juruá/Quando chega aquele dia e a hora da precisão/ Ela logo se apressa e segue na direção./Anda quatro, cinco horas com seus pezinhos no chão/Muitas vezes até doente e sem alimentação/ Que o dinheiro que ela ganha não dá pra comprar o pão”.

Interrompe a cantoria pra comentar: “Como é que vai dá, né, se não ganha nada, né? Parteira trabalha voluntariamente, sem nada. Vai, passa a noite acordada… E ainda fica dois dias pra cuidar da mulher”.

É neste ponto que Zenaide pede reconhecimento. Ela não pede pão, não pede vestido, não pede nada de comprar ou vender, mas expressa esse desejo feito de uma matéria mais delicada. Zenaide deseja que o Brasil saiba dela, ela que hoje enxerga o Brasil com um olho só.Que o Brasil reconheça as mulheres que dão à luz a um naco grande do Brasil, atendendo ao chamado a pé, no lombo do jegue, remando a canoa, às vezes atravessando o rio a nado – muitas vezes com fome. Reconheça as mulheres anônimas, invisíveis, que ajudam a desembarcar no mundo entre 15 mil e 20 mil crianças a cada ano, com suas mãos sofridas e um conhecimento antigo, sem que isso se traduza em direitos. E reconheça a ela, Zenaide.

– Queria mesmo que eu fosse reconhecida. Porque sei que eu não custo mais a morrer. Porque nossa vida (aqui) é 60 anos, e eu tô com 55.

Reconhecer é o que faz Mara Régia, a mulher-ponte.Ela é do tipo que o nome chega antes, muitas curvas de rios, igarapés, cachoeiras e corredeiras da Amazônia antes. Foi assim que eu a conheci, a lenda antes da mulher. Eu trilhava a Transamazônica em busca de histórias nos anos 90. E só sabia daquele mundo novo onde botava meu pé pela primeira vez o que tinha lido nos livros. Porque vinha do Rio Grande do Sul e não sabia de nada tive a ousadia não apenas de desconhecer Mara Régia, como de confessar tal heresia. Nos fundos de um travessão, a mulher morena, arretada que só, me perguntou:

– Conhece Mara Régia?

E eu, a incauta:

– Que Mara?

A mulherzinha botou as duas mãos na cintura e me reduziu a pó:

– Mara Régia, existe outra?

Achei até que ia puxar a cadeira que tinha posto pra eu me sentar. Passei meus conhecimentos em revista, rodei todos os programas no meu cérebro e a única “Régia” que eu conhecia era a Vitória. Vi na cara dela que minha ignorância seria tomada como ofensa e poderia me custar a entrevista. Nessas horas, eu só tenho uma estratégia: assumir logo minha burrice e, com humildade, pedir esclarecimento. Foi o que fiz:

– Peço mil desculpas, mas não sei quem é Mara Régia.

Disse pensando que se tratava da mulher do prefeito, da benzedeira, de alguma ilustríssima da comunidade. Com esse nome… Arrisquei:

– Mara Régia mora aqui perto?

Aí a mulher ficou com pena. Abriu uma boca que até ouro tinha para rir não comigo, mas de mim.

– Mas que repórti bem boa você deve ser, hein, mulé. Mara Régia vive lá onde você vive, não sabe? Mas é como se fosse de minha família!

Embasbaquei. Teria sido mais prudente eu dizer que não conhecia o Pelé. O marido, mais bonzinho, veio em meu socorro:

– Mara Régia é da rádia. Nunca ouviu, não? A gente aqui ouve ela tudinho.

Comecei então meu aprendizado sobre Mara Régia e a Amazônia. Era dela uma das vozes que o povo mais ouvia na Rádio Nacional da Amazônia – especialmente a mulherada. Era também a sua voz que fazia uma ponte entre os vários Brasis contidos numa floresta em que a persistência da delicadeza em meio à brutalidade é ato de resistência. Brutalidade esta tantas vezes praticada – ou permitida – pelo próprio Estado, ontem como hoje. Quando compreendi que Mara Régia era uma mulher-ponte me emocionei. Entendi que a mulherzinha arretada de mãos na cintura, num quilômetro abandonado de (mais) um megaprojeto abandonado depois de promover morte e destruição, fazia um esforço para encontrar em mim alguém que ela pudesse reconhecer.

Quando finalmente conheci Mara Régia me admirei que uma voz que cobria a Amazônia, milhões e milhões de hectares de terra, água e (cada vez menos) floresta, coubesse naquela mulher baixinha, com uma risada que dava vontade de rir com ela só para não deixá-la desacompanhada. E quando ouvi a sua voz entendi o que o povo ouvia: era como chegar em casa.Tão íntima em forma de rádio que dona Maria do Boiadeiro contou lá no Pará: “Mara Régia, já te salvei tantas vezes das águas…” Como assim? “Quando eu tô lá na ponte ensaboando a roupa te boto lá falando. De repente tu escorrega no sabão e tenho de correr pra te salvar da correnteza.”

Mara Régia vai alinhavando a floresta e apalpando o povo com as orelhas no programa “Natureza Viva”, que completa 20 anos nesta quarta-feira, 29 de maio. A cada domingo, das 8h às 10h, ela vai tecendo um conceito de “sustentabilidade” socioambiental a partir das experiências concretas de ribeirinhos, extrativistas, pequenos agricultores e indígenas. Porque sustentabilidade é um conceito que vai tomando uma forma meio esquisita na boca de alguns políticos e empresários que gostam mesmo é de floresta defunta, é palavra que vai sendo torturada aqui e ali para significar às vezes o seu oposto, até o ponto que se esvazia de significado e sentido, de tão gasta que foi pra não dizer nada. Ao trazer as vozes de quem vive a floresta e, mais do que vive, é a floresta, Mara Régia faz um tipo de milagre de gente e devolve carne à palavra, que fica viva de novo.

Ao contar a história de Zenaide no “Natureza Viva”, a parteira atravessa o Vale do Juruá e navega pelas Amazônias todas. Ainda assim, Mara Régia fica aflita, não esquece, se preocupa. E a mulher-ponte me alcança porque Zenaide merece reconhecimento e é preciso contá-la a outros Brasis antes que seja tarde. Me despacha então a voz da parteira, para que eu possa dar aqui um ponto, um pontinho só, para cerzir esse rasgo na costura do mundo, que é a ignorância de um pedaço do Brasil sobre o Brasil que é Zenaide.

As pontes existem – e existem até as mulheres-pontes. Uma pena que ainda são poucos os que querem atravessá-las. Não apenas para reconhecer o outro lado, mas para se reconhecer no olho cego de Zenaide.

(Publicado na Revista Época em 27/05/2013)

 

Um abraço em Bangladesh

Quando uma fotografia nos arranca da cômoda posição de espectadores distantes e nos obriga a olhar para ver

Uma mulher chamada Taslima Akhter esgueirava-se pelos escombros da fábrica de roupas que desabou em Bangladesh, em 24 de abril, quando os viu. Como descrever o que ela, fotógrafa e ativista bengalesa, viu? Taslima registrou, fez uma fotografia que girou o mundo nos últimos dias e se tornou o símbolo do que não pode ser esquecido. E talvez o que se possa dizer é que o que ela viu nos obriga a ver. Ver mesmo. Não como costumamos assistir às imagens das grandes tragédias ou examinar a galeria de fotos de corpos e de rostos distorcidos das vítimas e das faces desesperadas dos familiares, numa solidariedade difusa, mas distante, que nos permite trocar de canal ou mudar de página no minuto seguinte. Ver é mais do que isso. É transpor distâncias geográficas e barreiras culturais e ser lançado para perto, bem perto mesmo. Perto o suficiente para se reconhecer num outro rosto, em outros olhos, ainda que fechados porque mortos. E não poder esquecer porque agora eles estão em nós, tatuados em nossa pele invisível. Isso é ver. E é raro quando acontece.

O que Taslima viu pode se inscrever no DNA da humanidade como aconteceu com a foto da menina correndo nua após seu vilarejo ser atingido por uma bomba de napalm durante a Guerra do Vietnã. O que ela viu e documentou foi um último abraço em Bangladesh.

(Foto: Taslima Akhter)

(Foto: Taslima Akhter)

Talvez não houvesse nada para ser dito depois dessa foto. Talvez essa foto exija um silêncio também de letras. Mas, neste caso, silenciar pode significar esquecer que Bangladesh está bem próximo de nós não apenas de modo subjetivo, mas concreto. Próximo o suficiente para estar sobre a nossa pele – a visível.

É possível que, no momento em que somos alcançados por esse abraço final, alguns estejam vestindo uma roupa feita por este homem, esta mulher ou por algum dos mais de mil mortos do desabamento, um número que não para de crescer. Ou enfiados numa camiseta, num jeans, num vestido, saia ou blusa feita por alguns dos milhões de bengaleses, a maioria mulheres, que, neste exato instante, cortam e costuram, em prédios insalubres, em jornadas extenuantes, em regime semelhante ao de escravidão, as peças que serão vendidas pelas grandes marcas ocidentais, em vitrines brilhantes e assépticas – as peças que serão compradas também por nós.

Este homem, esta mulher, que se abraçam num útero de terra, concreto e ferros retorcidos, ganhavam, em média, para trabalhar da manhã à noite, dia após dia, costurando roupas para nós, 77 reais por mês.

A força desse último abraço é o que está além do gesto. É a humanidade resgatada que os arranca não dos escombros, mas dos números, para lembrar o que não fomos capazes de ver – ou não quisemos – quando ainda eram vivos e respiravam e sonhavam. Agora os enxergamos, e eles não apenas nos comovem, mas nos assombram. E é crucial que nos assombrem.

Taslima contou à Time:

– Eu tenho feito muitas perguntas a respeito do casal que morreu abraçado. Tenho tentado desesperadamente, mas ainda não achei nenhuma pista a respeito deles. Eu não sei quem são ou qual relação eles tinham. Passei o dia inteiro do desabamento no local, assistindo aos trabalhadores serem retirados das ruínas. Lembro do olhar aterrorizado dos familiares, eu estava exausta mental e fisicamente. Por volta das 2 horas, encontrei um casal abraçado nos escombros. A parte inferior dos seus corpos estava enterrada sob o concreto. O sangue que saía dos olhos do homem corria como se fosse uma lágrima. Quando os vi, não pude acreditar. Era como se eu os conhecesse, eles pareciam muito próximos a mim. Eu vi quem eles foram em seus últimos momentos, quando, juntos, tentaram salvar um ao outro – salvar sua vidas amadas. Cada vez que eu olho para essa foto, me sinto desconfortável. Ela me assombra. É como se eles estivessem me dizendo: “Nós não somos um número, não somos apenas trabalho e vidas baratas. Nós somos humanos como você. Nossa vida é preciosa como a sua, e nossos sonhos são preciosos também”.

No dia anterior ao desabamento, trabalhadores ouviram barulhos semelhantes ao de explosões e entraram em pânico. Um engenheiro examinou os pilares e, vendo as rachaduras, teria pedido ao proprietário que esvaziasse o prédio de oito andares, que abrigava pelo menos cinco confecções na periferia da capital, Daca. O proprietário, Mohammed Shoel Rana, teria dito: “Isto não é uma rachadura, não é um problema”. Os operários foram obrigados a continuar produzindo e as confecções seguiram funcionando. E nenhuma autoridade pública o impediu de abrir as portas do complexo de fábricas no dia seguinte. Este homem é descrito pela imprensa local como um vilão completo, que construiu o prédio expulsando proprietários de terra e corrompendo autoridades (que queriam ser corrompidas), suspeito também de estar envolvido com o tráfico de drogas e de armas.

Seria fácil encontrar apenas um vilão para culpar. Ou mesmo alguns vilões, que já foram presos pela polícia de Bangladesh. O problema, no mundo globalizado, é que, se seguimos a cadeia de produção e de responsabilidades, ela chega a nós. É indecente quando os líderes das grandes grifes ocidentais se mostram escandalizados com a tragédia, sugerindo que não sabiam que era assim que viviam os trabalhadores na ponta do processo produtivo. É igualmente indecente quando alguns anunciam que deixarão de produzir em Bangladesh. Como se, depois dos enormes lucros obtidos por anos de exploração, simplesmente abandonar a cena sem se comprometer com a melhoria das condições de trabalho, de salário e de existência dos trabalhadores que os serviram – alguns deles com a vida – fosse moralmente defensável.

Só valia – e segue valendo a pena – terceirizar a produção em países como Bangladesh porque o trabalho é barato, já que análogo à escravidão. Bangladesh é o segundo exportador mundial na área têxtil, perdendo apenas para a China, porque a mão de obra não custa quase nada. Um estudo do Institute of Global Labour and Human Rights mostrou que uma mesma camisa, se fosse produzida nos Estados Unidos, custaria US$ 13,22. Em Bangladesh custa US$ 3,72. Nos Estados Unidos, o custo da mão de obra corresponderia a 57% do valor total da camisa. Em Bangladesh, corresponde a 6%. É o trabalho que não vale quase nada e por isso a camisa sai muito mais barata para todos, menos para aqueles que vivem e morrem sem valor. É por essa razão que, como sempre se soube, terceirizar a produção em Bangladesh tornou-se um lucrativo negócio para as grandes marcas internacionais. E só deixará de ser se o custo de ter a imagem associada à escravidão e agora à morte de mais de mil pessoas for maior.

Não há espaço para se iludir com supostas boas intenções e lamentos de ocasião. Para as grandes marcas ocidentais e seus muito bem pagos executivos as vidas humanas não parecem importar. O que importa são as cifras. É aí que entramos nós, os consumidores. Bem menos inocentes do que gostaríamos. Também nós gostamos de comprar roupas e qualquer outro produto barato. E torna-se um pouco difícil acreditar que não tínhamos alguma ideia de como nossas roupas eram – e são – feitas. De que, como diz Taslima, a roupa só é barata porque as vidas de quem a produz são tratadas como baratas – tão baratas que podem morrer soterradas nos escombros da fábrica porque outras vidas baratas as substituirão.

É só com a nossa pressão sistemática e cotidiana – e com uma mudança de comportamento – que essa realidade pode mudar. Desde que deixamos, há muito, de comprar diretamente do produtor, que em muitos casos era o nosso vizinho, consumir tornou-se uma responsabilidade muito maior. Querendo ou não, com mais ou menos consciência, cada um de nós está envolvido na tragédia de Bangladesh. E só nós podemos transformar o que hoje é barato em algo tão caro que ninguém ouse tratar uma vida humana como descartável.

Quando catástrofes criminosas como esta acontecem, há um momento em que a máquina do mundo se abre e podemos vislumbrar o quadro completo. Aquele que na maior parte do tempo permanece oculto. Dificilmente ligamos os pontos entre as fábricas nas quais trabalham pessoas em condições sub-humanas às vitrines iluminadas e sedutoras que exibem sonhos de consumo feitos por quem não pode sonhar. Mais difícil ainda é dar um passo a mais para descobrir que o ponto de chegada desse labirinto somos nós mesmos.

É importante lembrar ainda que não é apenas em Bangladesh ou em outros países asiáticos que isso acontece, mas também no Brasil, como conta Renato Bignami, coordenador do Programa de Erradicação do Trabalho Escravo na Superintendência Regional do Trabalho em São Paulo, numa entrevista ao Blog do Sakamoto. Aqui, são os bolivianos os que mais de uma vez são libertados de situações semelhantes à escravidão. Em 2010, duas crianças bolivianas morreram no incêndio de uma confecção no Brás, em São Paulo. Como disse o cientista político André Singer, em sua coluna na Folha de S. Paulo: “Mais dia menos dia o Brasil terá que escolher o tipo de país que deseja ser. Flexibilizar a CLT, aumentar a terceirização, manter a enorme rotatividade atual no emprego e diminuir os salários pode resolver o problema da balança comercial. Mas, se quiser constituir-se numa sociedade digna, terá que descobrir caminho alternativo para enfrentar as agruras de um capitalismo internacional para lá de selvagem”.

Passado o clamor público, tomadas algumas medidas de aparente impacto pelas grandes corporações, a máquina do mundo volta a se fechar. E nós também preferimos esquecer, porque é mais fácil e mais cômodo comprar sem olhar, sem nos informarmos, sem perturbar ou ser perturbado – mais ainda se for bonito e barato. Aqueles que movem o mundo do alto sempre podem contar com o esquecimento que vem logo depois de uma grande comoção. É como se o espasmo fosse o suficiente para nos apaziguar. Negamos com veemência, mas a verdade é que adoramos nos omitir e tocar nossa vida, por uma razão muito pragmática: porque podemos. Pertencemos à parcela minoritária da humanidade que pode viver sem morrer abraçada nos escombros.

Olhar para ver é uma escolha. Sempre mais difícil, a única digna.

Só a poesia alcança a profundidade da vida impressa na morte. O abraço final em uma fábrica de escravos de Bangladesh me lembrou do sertão severino de João Cabral de Melo Neto. Tão longe, tão perto. As vidas baratas são sempre as mesmas vidas, em qualquer geografia, em qualquer tempo. Aquela fábrica sepultou-os em um útero-túmulo. E lá estão os costureiros de nossas roupas vestidos em seu derradeiro traje de terra, o único que lhes coube.

“Essa cova em que estás, com palmos medida, é a cota menor que tiraste em vida. É de bom tamanho, nem largo nem fundo, é a parte que te cabe deste latifúndio. (…) Será de terra tua derradeira camisa: te veste, como nunca em vida. Será de terra a tua melhor camisa: te veste e ninguém cobiça. (..) Tua roupa melhor será de terra e não de fazenda: não se rasga nem se remenda. Tua roupa melhor e te ficará bem cingida: como roupa feita à medida.”

O abraço final, documentado por Taslima Akhter, nos obriga a enxergar para além dos corpos – e também para além do espetáculo. Não é matéria o que está ali, é o que não está que nos alcança e arrebata antes que possamos escapar. É vida que se imortaliza na morte. Como ela diz, quase podemos escutar as vozes e ouvir os sonhos daqueles dois. Não sabemos (pelo menos não ainda) quem são, mas sabemos que são. Que foram. Não sabemos se eram amantes ou irmãos. Ou apenas colegas de trabalho, companheiros de escravidão. Não sabemos se tentavam salvar um ao outro, ou se compreenderam que não poderiam escapar da morte, e então empreenderam um abraço. Um último gesto humano que os tornou nossos estranhos íntimos.

O próximo gesto humano cabe a nós. Será tardio para eles, em tempo para muitos.

(Publicado na Revista Época em 13/05/2013)

 

Petra

Uma mulher em busca do próprio corpo

Houve esse primeiro sonho. Elena veste uma blusa de seda e está em cima de um muro alto, enroscada nos fios elétricos. Logo é Petra quem está enroscada. Petra mexe nos fios. Leva um choque, cai do muro alto e morre. Quem morre? Petra acorda desse sonho com um nó no estômago. Elena não acorda. Elena morreu aos 20 anos, em 1990. Petra tinha 7 anos quando a irmã morreu. Elena acorda, sim. Abre os olhos dentro de Petra. “Sinto você dentro de mim…”, diz Petra. Duas irmãs enroscadas em fios elétricos, uma delas acorda com um nó no estômago. A que vive sente a morta dentro dela. Enroscadas, não se sabe quem morreu.

Esse sonho sonhado por Petra é a primeira cena de um dos documentários mais belos que eu já vi, com estreia nacional nesta sexta-feira. Um filme que fica se encenando dentro da gente por muito, muito tempo. Quando ele começou a ser feito? É difícil saber quando um documentário começa. Mas sempre começa antes, muito antes, quando a vida ainda não sabe que precisará ser encenada para que os vivos possam viver.

A mãe de Elena e Petra “queria ser atriz em Hollywood e beijar o Frank Sinatra”. Sentia também vontade de morrer. Até os 16 anos, quando encontrou aquele que seria o pai das filhas que ainda não se sabiam. O homem vinha dos Estados Unidos “não como Frank Sinatra, mas como Che Guevara”. Quando ambos se preparavam para combater a ditadura militar na Guerrilha do Araguaia, a mãe foi impedida – e talvez salva de ser assassinada pelo regime, como tantos – por estar com seis meses de gravidez. Elena nasceu na ditadura e teve uma infância clandestina. Petra nasceu na abertura política. Elena queria ser atriz e foi para Nova York. Quem será que Elena queria beijar?

Elena morreu em Nova York. “Esse corpo tá doente. A vida o fez totalmente doente. Totalmente. Aquele eu descontrolado voltou… Eu ajo como se atuasse. Percebo tudo como numa tela de cinema…. Eu vou me degradar e escorrer por esse ralo.” No dia da morte, Petra e a mãe já moravam com Elena em Nova York. Petra tinha de levar um objeto para mostrar aos colegas na escola. “Show and tell” (“Mostre e conte”) é o nome da atividade. Elena deu a ela um cachorro azul de pelúcia. E disse: “Ele tem poderes especiais. Quando você quiser muito alguma coisa, fecha os olhos, faz o pedido e chacoalha ele”. Na escola, as crianças perguntavam a Petra: “Mas ele não toca música, não faz mais nada”? Só chacoalha.

À noite, já não adiantava chacoalhar Elena. “Me sinto escura, no escuro… Meu coração tá tão triste que eu me sinto no direito de não perambular mais por aí com esse corpo que ocupa espaço e esmaga mais o que eu tenho de tão… tão frágil.”

O coração de Elena, Petra descobriria depois, pesava 300 gramas.

É este o peso de um coração?

Aos 7 anos, Petra tem pesadelos e quer morrer, diz o relatório psicológico. Evita falar da irmã. Petra ouviria nos anos que se seguiram: “Você pode morar em qualquer lugar do mundo, menos em Nova York. Você pode escolher qualquer profissão, menos ser atriz”. Aos 18 anos, Petra tinha virado atriz. Ao buscar seus diários como material para um workshop do grupo de teatro Vertigem, encontrou um caderno que nunca tinha visto. A letra era muito parecida com a dela, as angústias eram muito semelhantes às dela, as palavras que ela não encontrava tinham sido achadas e se diziam ali. Mas não era o diário dela. Ou era?

Petra já tinha virado atriz e agora embarcava para Nova York. Ela precisava buscar Elena fora dela, porque dentro Elena a consumia. E tinha de fazer isso antes dos 20 anos. Se ficasse ali, como Pedra, sentia que vivia um destino já traçado e, mais que traçado, um destino trilhado. Um destino de outro, outra. Era preciso resgatar a memória de Elena, dar um lugar a Elena fora, para que Petra pudesse se saber – existir. Era preciso dar um corpo a Elena para que Petra descobrisse os contornos do seu.

Quando Petra faz 21 anos, a mãe diz: “Agora, você já está mais velha do que Elena”.

Elena, o filme, é a trajetória de uma mulher em busca de ser não mais duas, mas uma. Trata de um tema crucial para todas as mulheres, a individuação. O arrancar-se do corpo de uma outra – mãe… (irmã…) – para poder existir. Quando esse movimento de matar e morrer simbólico, necessário para o tornar-se mulher, é atravessado por uma morte literal, concreta, tudo ao mesmo tempo se torna mais urgente e mais enroscado. Como matar quem já está morto e que dói em nós como uma saudade brutal? Como ferir de novo a mãe, ainda que desta vez de modo simbólico?

Neste sentido, Elena dialoga com obras literárias bem recentes e confessionais, como a de Paula Corrêa, Tudo o que mãe diz é sagrado, e, ainda que por caminhos mais sutis, com O que os cegos estão sonhando?, de Noemi Jaffe. (E também com o meu próprio romance, Uma Duas). Dialoga com essa morte que Petra Costa chama de “memória inconsolável”, na qual é preciso não só lidar com o morrer de quem amamos, mas é preciso matar de novo. E como matar de novo se o único jeito de manter essa irmã viva é abrigando-a dentro de si (e alimentando-a de si)?

Elena é uma Ofélia, pensa Petra. Ofélia, a noiva de Hamlet que se suicida na peça de Shakespeare. Ela, Petra, também é uma Ofélia. São muitas as Ofélias que andam por aí nas ruas deste mundo, acredita Petra. Meninas que no vir-a-ser mulher afogam-se no rio de desejos e sensações, de excessos do sentir e do querer. Jovens que submergem nesse feminino perturbador sem jamais conseguir voltar à superfície.

Será que para se tornar mulher é preciso se mutilar, e só então ganhar pernas e dançar, como em A Pequena Sereia? A história original, não a da Disney – nunca a da Disney. Será que ao ousar deixar a casa familiar para buscar um outro destino uma menina será punida, como a pequena sereia, que aceita ter a voz arrancada para habitar o mundo do príncipe como mulher? Elena levou Petra para assistir ao filme. Depois contou a história que não foi contada. “Como assim, ela morre?”, pergunta uma Petra inconformada. Morre.

O que é uma irmã mais velha? O que é uma irmã mais velha que morre? Lembro o início de Alice no País das Maravilhas (ou, muito melhor, Alice’s Adventures Under Ground, no original de Lewis Carroll). Na primeira página, a irmã mais velha de Alice está sentada lendo um livro. E Alice irrita-se, sem saber para que serve um livro sem gravuras nem diálogos. Alice está irritada porque não alcança a irmã, mais velha e além. Então Alice sonha toda a história que conhecemos. E a última cena deste sonho é o confronto com a Rainha de Copas, essa figura maternal e assustadora, sempre disposta a cortar a cabeça de quem a ela se opõe. Mais ainda de quem a desafia nos termos de Alice, que diz: “Quem é que liga para você”? Quando as cartas do baralho caem sobre ela e a menina precisa lutar, Alice acorda com a cabeça no colo da irmã mais velha. Salva. As cartas são folhas secas levadas pelo vento que a irmã gentilmente vai espantando do rosto da caçula. Alice desperta e corre para não perder a hora do chá, mas a irmã mais velha fica. Ao ficar, sonha com as aventuras de Alice. E sonha ou imagina que sonha com a irmãzinha virando mulher.

Quando não há uma irmã mais velha para proteger a caçula da Rainha de Copas, o que acontece? Quando não há uma irmã mais velha para sonhar que a caçula um dia será mulher, o que acontece? E se é a irmã mais velha que não suporta virar mulher, como a caçula poderá?

É desse labirinto intrincado entre posições – mãe, filha, irmã… mulheres enlaçadas (e misturadas) – que fala o filme de Petra Costa. Diz também – e muito – desse lugar impossível, que é o da filha que sobrevive diante de uma mãe inconsolável. Há ainda muito pouco escrito e dito sobre os filhos que sobrevivem numa família devastada pela perda de outro. Se é Elena que “salva” a mãe, ao impedir que ela vá para o Araguaia, de onde muitos não voltaram, é Petra quem a “salva” desta vez, ao impedir, apenas por estar viva, que a mãe morra com Elena. Mas, de fato, não há como salvar uma mãe, nenhuma mãe. Não há como salvar mesmo levando essa tentativa à radicalidade, ao manter a morta viva dentro de si.

E como arrancar-se simbolicamente do corpo da mãe para virar mulher, quando essa mãe sangra tanto e tão profusamente pelo arrancar-se literal da outra filha, que se arrancou da vida no momento em que tentava se tornar adulta?

A filha que resta sempre terá de consumar uma morte a mais para crescer, já que se identifica e se confunde também com a filha que morreu, na tentativa de salvar a todas – e principalmente a mãe. A filha sobrada sente que precisa sustentar três. Aos 10 anos, Petra compreende que Elena morreu para sempre e percebe que a mãe pode morrer também, a qualquer momento. Petra precisa evitar essa morte. Então faz promessas, cria mecanismos para salvar a mãe. Não comerá mais sal, subirá os 19 andares até o apartamento de joelhos, nunca mais se olhará no espelho. Para a mãe não morrer, entra no banheiro de olhos fechados.

Elena leva o nome de uma, mas é um filme sobre três mulheres. Há Elena, há Petra e há aquela que nomeou as duas, mas que no documentário só aparece como “mãe”. Aqui, Mãe é nome próprio.

Deixada sozinha para sonhar, Petra Costa poderia ter feito um filme de terror. Em vez disso, escolheu a delicadeza (ainda que possa existir delicadeza no horror e horror na delicadeza).

Fez uma obra brilhante – no cinema, mas também na vida. A Mãe desejou ser atriz de Hollywood, Elena tentou ser atriz em Nova York, Petra tornou-se diretora de atrizes – em Nova York (e aqui). Ao tornar-se diretora, Elena, a Mãe e ela mesma se tornam estrelas de cinema em um filme que nunca esperaram viver, quanto mais encenar. Ao tornar-se diretora, Petra crava as unhas na única oportunidade de ter algum controle sobre a vida, que é a criação de sentido para aquilo que não tem nenhum. A vida encenada como vida.
Agora, Elena pode morrer de novo para viver em outro lugar. Não só dentro e fora de Petra e da Mãe, mas em lugares inalcançáveis mesmo para Petra e para a Mãe. Em cada um de nós, os espectadores, os viventes deste mundo nascido entre a tela do cinema e os nossos corações.

De certo modo, todas as três mulheres morrem e nascem de novo no líquido uterino do cinema. Não uma duas três, mas três umas. Não se afogam mais. Podem mergulhar e voltar à superfície. Flutuam.

Agora que Elena é memória viva, Petra não é pedra – mas água.

Petra seguiu sonhando com Elena enquanto buscava Elena e o filme. “No primeiro, foi a imagem da sua morte. No segundo, Elena se cortava e eu começava a entender sua dor. No terceiro, eu cozinhava sua dor numa panela até ela evaporar. No quarto, eu sobrevoava uma floresta e, num cantinho de mata, via a alegria de Elena, que era laranja, da cor das árvores no outono.”

O último sonho foi em outubro de 2010. Petra, então com 7 anos, girava na cintura de Elena, que dançava. Juntas, dançavam, giravam. Um giro, uma dança.

Petra não sonhou mais com Elena desde então.

(Publicado na Revista Época em 06/05/2013)

 

É urgente recuperar o sentido de urgência

Nós, que podemos ser acessados por celular ou internet 24 horas, sete dias por semana, estamos vivendo no tempo de quem?

Dias atrás, Gabriel Prehn Britto, do blog Gabriel quer viajar, tuitou a seguinte frase: “Precisamos redefinir, com urgência, o significado de URGENTE”. (Caixa alta, na internet, é grito.) “Parece que as pessoas perderam a noção do sentido da palavra”, comentou, quando perguntei por que tinha postado esse protesto/desabafo no Twitter. “Urgente não é mais urgente. Não tem mais significado nenhum.” Ele se referia tanto ao urgente usado para anunciar notícias nada urgentes nos sites e nas redes sociais, quanto ao urgente que invade nosso cotidiano, na forma de demanda tanto da vida pessoal quanto da profissional. Depois disso, Gabriel passou a postar uns “tuítes” provocativos, do tipo: “Urgente! Acordei” ou “Urgente: hoje é sexta-feira”.

A provocação é muito precisa. Se há algo que se perdeu nessa época em que a tecnologia tornou possível a todos alcançarem todos, a qualquer tempo, é o conceito de urgência. Vivemos ao mesmo tempo o privilégio e a maldição de experimentarmos uma transformação radical e muito, muito rápida em nosso ser/estar no mundo, com grande impacto na nossa relação com todos os outros. Como tudo o que é novo, é previsível que nos atrapalhemos. E nos lambuzemos um pouco, ou até bastante. Nessa nova configuração, parece necessário resgatarmos alguns conceitos, para que o nosso tempo não seja devorado por banalidades como se fosse matéria ordinária. E talvez o mais urgente desses conceitos seja mesmo o da urgência.

Estamos vivendo como se tudo fosse urgente. Urgente o suficiente para acessar alguém. E para exigir desse alguém uma resposta imediata. Como se o tempo do “outro” fosse, por direito, também o “meu” tempo. E até como se o corpo do outro fosse o meu corpo, já que posso invadi-lo, simbolicamente, a qualquer momento. Como se os limites entre os corpos tivessem ficado tão fluidos e indefinidos quanto a comunicação ampliada e potencializada pela tecnologia. Esse se apossar do tempo/corpo do outro pode ser compreendido como uma violência. Mas até certo ponto consensual, na medida em que este que é alcançado se abre/oferece para ser invadido. Torna-se, ao se colocar no modo “online”, um corpo/tempo à disposição. Mas exige o mesmo do outro – e retribui a possessão. Olho por olho, dente por dente. Tempo por tempo.

Como muitos, tenho tentado descobrir qual é a minha medida e quais são os meus limites nessa nova configuração. E passo a contar aqui um pouco desse percurso no cotidiano, assim como do trilhado por outras pessoas, para que o questionamento fique mais claro. Descobri logo que, para mim, o celular é insuportável. Não é possível ser alcançada por qualquer um, a qualquer hora, em qualquer lugar. Estou lendo um livro e, de repente, o mundo me invade, em geral com irrelevâncias, quando não com telemarketing. Estou escrevendo e alguém liga para me perguntar algo que poderia ter descoberto sozinho no Google, mas achou mais fácil me ligar, já que bastava apertar uma tecla do próprio celular. Trabalhei como uma camela e, no meu momento de folga, alguém resolve me acessar para falar de trabalho, obedecendo às suas próprias necessidades, sem dar a mínima para as minhas. Não, mas não mesmo. Não há chance de eu estar acessível – e disponível – 24 horas por sete dias, semana após semana.

Me bani do mundo dos celulares, fechei essa janela no meu corpo. Mantenho meu aparelho, mas ele fica desligado, com uma gravação de “não uso celular, por favor, mande um e-mail”. Carrego-o comigo quando saio e quase sempre que viajo. Se precisar chamar um táxi em algum momento ou tiver uma urgência real, ligo o celular e faço uma chamada. Foi o jeito que encontrei de usar a tecnologia sem ser usada por ela.

Minha decisão não foi bem recebida pelas pessoas do mundo do trabalho, em geral, nem mesmo pela maior parte dos amigos e da família. Descobri que, ao não me colocar 24 horas disponível, as pessoas se sentiam pessoalmente rejeitadas. Mas não apenas isso: elas sentiam-se lesadas no seu suposto direito a tomar o meu tempo na hora que bem entendessem, com ou sem necessidade, como se não devesse existir nenhum limite ao seu desejo. Algumas declararam-se ofendidas. Como assim eu não posso falar com você na hora que eu quiser? Como assim o seu tempo não é um pouco meu? E se eu precisar falar com você com urgência? Se for urgência real – e quase nunca é – há outras formas de me alcançar.

Percebi também que, em geral, as pessoas sentem não só uma obrigação de estar disponíveis, mas também um gozo. Talvez mais gozo do que obrigação. É o que explica a cena corriqueira de ver as pessoas atendendo o celular nos lugares mais absurdos (inclusive no banheiro…). Nem vou falar de cinema, que aí deveria ser caso de polícia. Mas em aulas de todos os tipos, em restaurantes e bares, em encontros íntimos ou mesmo profissionais. É o gozo de se considerar imprescindível. Como se o mundo e todos os outros não conseguissem viver sem sua onipresença. Se não atenderem o celular, se não forem encontradas de imediato, se não derem uma resposta imediata, catástrofes poderão acontecer.

O celular ligado funciona como uma autoafirmação de importância. Tipo: o mundo (a empresa/a família/ o namorado/ o filho/ a esposa/ a empregada/ o patrão/os funcionários etc) não sobrevive sem mim. A pessoa se estressa, reclama do assédio, mas não desliga o celular por nada. Desligar o celular e descobrir que o planeta continua girando pode ser um risco maior. Nesse sentido, e sem nenhuma ironia, é comovente.

Por outro lado, é um tanto egoísta, já que a pessoa não se coloca por inteiro onde está, numa aula ou no trabalho ou mesmo em casa – nem se dedica por inteiro àquele com quem escolheu estar, num encontro íntimo ou profissional. Está lá – mas apenas parcialmente. Não há como não ter efeito sobre o momento – e sobre o resultado. A pessoa está parcialmente com alguém ou naquela atividade específica, mas também está parcialmente consigo mesma. Ao manter o celular ligado, você pertence ao mundo, a todo mundo e a qualquer um – mas talvez não a si mesmo.

Me parece descortês alguém estar comigo num restaurante, por exemplo, e interromper a conversa e a comida para atender o celular. Assim como me parece abusivo ser obrigada a aturar os celulares das pessoas ao redor tocando em todas as modalidades e volumes, invadindo o espaço de todos os outros sem nenhuma consideração. Ou ainda estar em um lugar público e ter de ouvir a narração de uma vida privada, uma que não conheço nem quero conhecer. Será que isso é realmente necessário? Será que uma pessoa não pode se ausentar, ficar incomunicável, por algumas horas? Será que temos o direito de invadir o corpo/tempo dos outros direta ou indiretamente? Será que há tantas urgências assim? Como é que trabalhávamos e amávamos antes, então?

Bem, eu não sou imprescindível a todo mundo e tenho certeza de que os dias nascem e morrem sem mim. As emergências reais são poucas, ainda bem, e para estas há forma de me encontrar. Logo, posso ficar sem celular. Mas tive de me esforçar para que as pessoas entendessem que não é uma rejeição ou uma modalidade de misantropia, apenas uma escolha. Para mim, é uma maneira de definir as fronteiras simbólicas do meu corpo, de territorializar o que sou eu e o que é o outro, e de estabelecer limites – o que me parece fundamental em qualquer vida.

Tentei manter um telefone fixo, com o número restrito às pessoas fundamentais no campo dos afetos e também no profissional. Mas o telemarketing não permitiu. É impressionante como as empresas de todo o tipo – e agora até os candidatos numa eleição – acham que têm o direito de nos invadir a qualquer hora. Considero uma violência receber uma ligação ou gravação dessas dentro de casa, à minha revelia. E parece que sempre encontram um jeito de burlar nossas tentativas de barrar esse tipo de assédio. Assim, também botei uma gravação no telefone fixo – e ele virou um telefone só para recados, porque foi o único jeito que encontrei de impedir o abuso do mercado.

Minha principal forma de comunicação é hoje o e-mail, porque sou eu que escolho a hora de acessá-lo. E, ao procurar alguém, seja por motivo profissional ou pessoal, tenho certeza de não estar invadindo seu cotidiano em hora imprópria. É assim que combino encontros e entrevistas ao vivo, que são os que eu prefiro. Ou marco horário para conversas por Skype com quem está em outra cidade ou país. E quando viajo ou preciso desaparecer do mundo, para ficar só comigo mesma, ou me dedicar a um outro por completo, ou à escrita de um livro, basta deixar uma mensagem automática. Tento me disciplinar para acessar o Twitter, que para mim é hoje uma ferramenta fundamental para dar, receber e principalmente compartilhar informações, em horários específicos. E desligo o computador antes de dormir, como gesto simbólico que diz: fechei a porta.

Uma amiga foi assaltada por uma insônia persistente. Ao despertar, na madrugada, tinha a sensação de que o mundo se movia em ritmo veloz enquanto ela dormia. Parecia que estava perdendo algo importante, que ficaria para trás. E parecia até que estava morta para o mundo, “offline”. Às vezes não resistia e saía da cama para caminhar até o escritório, onde ficava o computador, e entrar no Facebook e no Twitter, dar uma circulada nos sites de notícias, manter-se desperta, presente e alinhada ao mundo que não parava, correndo atrás dele. Depois, passou a deixar o notebook ao lado da cama e já acessava a internet dali mesmo, apesar dos protestos do marido.

Quando a insônia já estava comprometendo seriamente os seus dias, ela procurou um psiquiatra em busca de remédio. O médico perguntou bastante sobre seus hábitos, e ela descobriu que o pesadelo que a deixava insone era aquele computador ligado, com o mundo acontecendo dentro dele num ritmo que ela não podia acompanhar nem mesmo se mantendo acordada por 24 horas. Bastou desligar o computador a cada noite para que passasse a despertar menos vezes e menos sobressaltada nas madrugadas. Aos poucos, voltou a dormir bem. O mundo estava onde devia estar – e ela também, na cama. Estava offline, mas viva.

Conheço pessoas que botam fita adesiva sobre a câmera do computador. Foi o meio encontrado para se protegerem da sensação de que estavam sendo espiadas/monitoradas 24 horas por dia por algum tipo de Big Brother – no sentido do 1984, do George Orwell (não no do reality show da TV Globo). A câmera tinha se tornado uma espécie de olho do mundo, que podia abrir as pálpebras mesmo à revelia, como nas histórias fantásticas e nos filmes de terror.

Conto minhas (des)venturas, assim como as de outros, apenas porque acho que não somos os únicos a ter esse tipo de inquietação. É um momento histórico bem estratégico de redefinição de limites, de territórios e também de conceitos. Que tipo de efeito terá sobre as novas gerações a ideia de que não há limites para alcançar, ocupar e consumir o tempo/corpo dos pais e amigos e mesmo de desconhecidos? Assim como não há limites para ter o próprio tempo/corpo alcançado, ocupado e consumido?

Ainda acho que o gozo de ser imprescindível a quase todos os outros – no sentido de não poder se ausentar ou se calar – e também de ser onipotente – no sentido de alcançar, a qualquer hora, o corpo de todos os outros – é maior do que o incômodo. Mas talvez só aparentemente, na medida em que é possível que não estejamos conseguindo avaliar o estrago que esses corpos/tempos violáveis e violados possam estar causando na nossa subjetividade – e mesmo na nossa capacidade criativa e criadora.

A grande perda é que, ao se considerar tudo urgente, nada mais é urgente. Perde-se o sentido do que é prioritário em todas as dimensões do cotidiano. E viver é, de certo modo, um constante interrogar-se sobre o que é importante para cada um. Ou, dito de outro modo, uma constante interrogação sobre para quem e para o quê damos nosso tempo, já que tempo não é dinheiro, mas algo tremendamente mais valioso. Como disse o professor Antonio Candido, “tempo é o tecido das nossas vidas”.

Essa oferta 24 X 7 do nosso corpo simbólico para todos os outros – e às vezes para qualquer um – pode ter um efeito bem devastador sobre a nossa existência. Um que sequer é escutado, dado o tanto de barulho que há. Falamos e ouvimos muito, mas de fato não sabemos se dizemos algo e se escutamos algo. Ou se é apenas ruído para preencher um vazio que não pode ser preenchido dessa maneira.

Será que não é este o nosso mal-estar?

Viver no tempo do outro – de todos e de qualquer um – é uma tragédia contemporânea.

(Publicado na Revista Época em 29/04/2013)

 

“Dom Ciccillo” e o fim do mundo

Tudo indica que isso que estamos vivendo não é a realidade

Quando o sol nasceu com a indiferença de sempre em 22 de dezembro, perguntei a um insistente apocalíptico das minhas relações como ele explicava que o mundo não havia acabado, tal qual ele havia repetido durante o ano inteiro como um mantra. Ele me desferiu um olhar de pena e respondeu, altivo: “E você achou que o mundo acabaria em fogo e fumaça”?

Achei a resposta um tanto 171, mas os primeiros meses deste ano começam a me assombrar. E se ele tinha razão, o mundo acabou, e eu agora me encontro numa espécie de realidade paralela? O primeiro sinal apareceu dias depois do apocalipse que parecia não ter acontecido, quando José Sarney (PMDB) defendeu, numa entrevista publicada na Folha de S. Paulo de 31 de dezembro, que ex-presidente deveria ser proibido de disputar eleição. “Acho que deveríamos ter uma legislação que não permitisse a nenhum ex-presidente da República, deixando o governo, que voltasse a qualquer cargo eletivo”, afirmou o homem que chegou à Câmara dos Deputados em 1955. Depois de deixar a presidência da República, em 1990, foram três mandatos como senador e mais de duas décadas ininterruptas no Congresso. Agora, em vias de aposentamento, defendia que para os outros deveria ser proibido. Estranho, muito estranho, desconfiei. O ano virou, e a realidade continuou ainda mais fantástica do que o habitual. Fantástica demais para ser confiável.

Uma série de acontecimentos tem me feito duvidar da realidade. E, na quarta-feira da semana passada, 13 de março, simplesmente parei de acreditar. Nesta data, a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) da Câmara dos Deputados aprovou o projeto de lei 6167, de 2009, batizando de “Rodovia Cecílio do Rego Almeida” o trecho da BR-277 localizado entre as cidades de Paranaguá e Curitiba, um dos principais da região sul do país. Ao ler a notícia, puxei da memória: “Cecílio do Rego Almeida, conhecido desde a ditadura militar como ‘Dom Ciccillo’? Aquele que foi chamado pela imprensa de ‘o maior grileiro do mundo’”? Não, claro que não.

Procurei o nome do autor do projeto: deputado André Vargas, atual vice-presidente da Câmara. Não, tive certeza que não. Como um deputado do PT, partido apoiado por boa parte dos movimentos sociais da Amazônia (hoje com bem menos afinco que na década passada), faria uma homenagem póstuma ao homem acusado de grilar uma área quase equivalente à soma dos territórios da Bélgica e da Holanda, na Terra do Meio, no Pará? Um reconhecimento público ao homem que se apossou de terras públicas, terras indígenas e até de assentamentos do Incra? Impossível, eu já concluía, quando vi no Twitter uma manifestação do deputado José Mentor, também do PT, anunciando, aparentemente com orgulho, que havia sido o relator do projeto, aprovado nessa última comissão.

Senti aquela vertigem cada vez mais familiar, sem saber se acreditava na lógica, que me dizia ser impossível, ou no que tentam me fazer acreditar que é a realidade. Entrei no site da Câmara e lá estava o projeto, aprovado em três comissões (a de Educação, a de Viação e Transportes e a CCJC). Fui conferir a justificativa do autor, deputado André Vargas: “A denominação que se pretende conferir ao trecho citado é uma justa homenagem ao Sr. Cecílio do Rego Almeida, empresário fundador e presidente do Conselho de Administração do Grupo CR Almeida, que reúne mais de 30 empresas e atua nas áreas de construção pesada, concessão de rodovias e logística de transporte, química e explosivos”. E, ao final: “Seu trabalho foi perseverante em seu objetivo, e agora, após a sua morte (…), este benemérito cidadão poderá receber a merecida homenagem”.

Me parecia evidente que eu estava sofrendo de alucinações. “Dom Ciccillo” seria homenageado por sua “perseverança”? Qual “perseverança”? Com certeza não a de se se apropriar de cerca de 6 milhões de hectares de floresta amazônica, num reino apelidado como “Ceciliolândia”. Merecida homenagem a “Dom Ciccillo”? O mesmo homem que, numa entrevista à revista Caros Amigos, chamou Marina Silva, então ministra do Meio Ambiente, de “uma indiazinha totalmente analfabeta e doente”?

Assim como definiu o ex-governador do Rio Grande do Sul Olívio Dutra como “um bicha, que é veado”? E se referiu a Chico Mendes como “esse seringueiro que se fodeu”? (Os leitores me perdoem a deselegância, mas as frases são do homenageado e, portanto, se justificam no contexto.) Na mesma entrevista, de 2005, “Dom Ciccillo” assim se refere à ditadura militar, que muitas grandes obras concedeu à sua empreiteira – e também ao partido do autor do projeto de lei, que agora faz a ele uma homenagem póstuma: “Entendo que foi uma ditadura, mas a mais leve das ditaduras. Hoje existe uma ditadura no PT mais forte que a dos militares”.

Não é óbvio, evidente, claríssimo que o projeto de lei não é real? Eu estou com a página da Câmara aberta diante de mim, mas só pode ser uma conspiração. A página verdadeira deve ter sido substituída por esta, falsa. Não acreditei nem por um minuto. “Dom Ciccillo”, homenageado pelos serviços prestados ao Brasil? Fiquei imaginando a cara de Raimundo Belmiro e muitos outros da Terra do Meio, que testemunharam a atuação de “Dom Ciccillo” na Amazônia, ao tomar conhecimento de que essa piada circulava no país como coisa séria. Quem seria o néscio que acreditaria numa coisa dessas? Eu é que não. E acreditei ainda menos quando li na Gazeta do Povo, do Paraná, que, por coincidência, a rodovia batizada com o nome de “Dom Ciccillo” é a mesma em que uma das empresas da CR Almeida administra o pedágio. Não, é claro que isso não está acontecendo.

Já não tinha acreditado no que me garantiam ser a realidade quando o Incra destinou um lote de terra à mulher do homem que será julgado pelo assassinato de José Cláudio Ribeiro e Maria do Espírito Santo. Para quem não lembra, os dois líderes extrativistas foram mortos numa tocaia, em maio de 2011, em Nova Ipixuna, no Pará. Tiveram pulmões e corações perfurados, e uma orelha de José Cláudio foi arrancada para comprovar a execução. O julgamento de José Rodrigues Moreira, acusado como mandante, e dos dois supostos executores do crime está marcado para 3 de abril. Mas no início de março foi divulgado que o Incra havia concedido um lote de terra à mulher de Moreira, a mesma área da qual ele tentou expulsar três famílias e só não conseguiu por causa da resistência de José Cláudio e Maria. Em resumo: o homem acusado de ordenar um duplo homicídio ganhou do Estado a concessão da terra que motivou o conflito. Uma espécie de prêmio.

Alguém acredita que o Incra cometeria uma barbaridade dessas? Eu nunca acreditei. E, como já não acreditava, também não levei a sério quando o Incra afirmou ao Ministério Público Federal que a concessão do lote foi um “equívoco” – e que a área seria retomada pela via jurídica.

Minha resistência em acreditar numa realidade que parece ficção de quinta categoria já havia sido testada antes, quando o deputado Marco Feliciano (PSC), pastor evangélico de sua própria igreja, a “Catedral do Avivamento”, se tornou presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara. Marco Feliciano? Eu só conhecia um. Este, entre outros barbarismos, havia afirmado o seguinte: “Os africanos descendem de ancestral amaldiçoado por Noé”. E ainda diria: “O reto não foi feito para ser penetrado”. Logo, não poderia ser este Marco Feliciano o presidente de uma comissão destinada a zelar pelos direitos de, entre outras minorias, negros e homossexuais. Portanto, é óbvio que eu não podia acreditar. E não acreditei.

Se fosse do tipo crédulo, como tantos por aí, eu acreditaria não só que o deputado Marco Feliciano é presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara, mas também que o senador Blairo Maggi (PR), ruralista que chegou a ganhar o “Motosserra de Ouro”, troféu do Greenpeace destinado a quem mais colabora com a devastação, é o presidente da Comissão de Meio Ambiente do Senado. Teria de acreditar inclusive que o deputado João Magalhães (PMDB), que responde a três inquéritos no STF (peculato, tráfico de influência e crime contra o sistema financeiro), é o presidente da Comissão de Finanças e Tributação da Câmara. E teria de acreditar até mesmo que Renan Calheiros (PMDB), que em 2007 renunciou à presidência do Senado por suspeita de corrupção, é hoje de novo o presidente do Senado.

Quem acredita nisso? Eu não.

(Publicado na Revista Época em 18/03/2013)

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