Cenários do Brasil: catástrofe, golpe ou dificuldade extrema

Manifestación contra el presidente de Brasil, Jair Bolsonaro. EUROPA PRESS/CONTACTO/CRIS FAGA (EUROPA PRESS/CONTACTO/CRIS FAGA - Reprodução do El País)

Manifestación contra el presidente de Brasil, Jair Bolsonaro.
EUROPA PRESS/CONTACTO/CRIS FAGA (EUROPA PRESS/CONTACTO/CRIS FAGA – Reprodução do El País)

A mais recente pesquisa do Instituto Datafolha mostrou que, se a eleição fosse hoje, Lula se elegeria no primeiro turno. É a torcida de muitos, por entenderem que seria mais difícil para Jair Bolsonaro executar o golpe que prepara e anuncia em caso de derrota. O problema para Lula – e para qualquer brasileiro que tenha gosto pela democracia – é que o melhor cenário é de extrema dificuldade.

Se Bolsonaro se reeleger, o que está longe de ser impossível, é catástrofe. Se em menos de quatro anos o atual presidente já desmontou o melhor que a democracia construiu no país nos últimos 40 anos, mesmo o mais pessimista teria dificuldades em antecipar o pavor de um segundo mandato. Bolsonaro provou que sua capacidade de destruição é maior do que seus maiores críticos previam. O Brasil se aproxima das eleições com 33 milhões de pessoas em estado de fome crônica. Se Bolsonaro perder e der o golpe que prepara e anuncia, num país em que o número de armas nas mãos de civis quadruplicou durante seu governo, será um horror com consequências difíceis de prever. O melhor cenário é a eleição do único candidato com condições de vencê-lo – Lula – e é este o sentimento que as pesquisas apontam.

O problema é o dia seguinte. E quem melhor o encarnou foi a cantora Anitta, hoje a mais popular artista brasileira no cenário global. Depois que anunciou nas redes sociais seu voto em Lula, o PT tentou usar sua imagem para impulsionar outras candidaturas do partido. Anitta lacrou: “Atenção candidatos do PT, atenção partido PT. Eu NÃO SOU petista. Não autorizo o uso da minha imagem para promover este partido e seus candidatos. Minha escolha nessas eleições foi de trazer engajamento e mídia para a pessoa que tem maior chance de vencer Voldemort (usando a referência ao vilão de Harry Potter para nomear Bolsonaro) nessas eleições”.

Uma parcela daqueles que votarão em Lula só o farão, como Anitta, porque ele é a única chance de derrotar Bolsonaro. Não é um voto de confiança ou adesão ao projeto do PT – e sim um voto antibolsonaro. Para que isso seja possível, Lula busca conciliar os inconciliáveis, fazendo alianças com quem votou pelo impeachment de Dilma Rousseff e com notórios destruidores da Amazônia. O próprio vice, Geraldo Alckmin, quatro vezes governador de São Paulo com um projeto de direita, tem uma folha corrida que causa arrepios, com violência contra estudantes em protesto e massacre de sem-tetos, sem contar o fato de ser padrinho na política de Ricardo Salles, que com Bolsonaro se tornou o pior ministro de meio ambiente da história do Brasil.

Juntar gente que não consegue ficar na mesma sala talvez seja a única forma de derrotar Bolsonaro, mas certamente é uma perspectiva muito difícil para governar um país arruinado. No dia seguinte à possível vitória, a única base para a aliança circunstancial de muitos – derrotar Bolsonaro – vai se desfazer. Restará um presidente que envelheceu nas ideias, que já não representa uma utopia de futuro e que estará amarrado a aliados perigosos. Se no passado Lula representou a esperança, hoje ele representa apenas a esperança de derrotar Voldemort. Ser brasileiro e ser democrata hoje é torcer – muito – pela dificuldade extrema.

Minha coluna no El País (em espanhol)

 

Sob o domínio dos vermes

Por que a violência da eleição de 2022 é maior do que em 2018

Jair Bolsonaro, presidente de Brasil, durante una conferencia de prensa en Brasilia (Brasil), en 2020. ANDRESSA ANHOLETE (GETTY IMAGES / Reprodução do El País Espanha)

Jair Bolsonaro, presidente de Brasil, durante una conferencia de prensa en Brasilia (Brasil), en 2020.
ANDRESSA ANHOLETE (GETTY IMAGES / Reprodução do El País Espanha)

Na campanha eleitoral de 2018, no Brasil, os ressentidos deixaram seus casulos para uma metamorfose às avessas. Orgulhosos de sua essência, batiam em pessoas LGBTQIA+ nas ruas que vissem andando de mãos dadas, gritavam para os pretos “voltarem para as senzalas”, juravam varrer os indígenas da Amazônia, destruíam casas de religião afro-brasileiras. Era a vingança dos ressentidos que acumularam seu rancor por décadas diante dos avanços dos direitos e daquilo que chamam de “prisão do politicamente correto”. Sua ação foi decisiva para eleger seu porta-voz, o então candidato Jair Bolsonaro, que comemorou a vitória prometendo despachar os opositores para a “Ponta da Praia”, local de desova de corpos torturados e mortos pela ditadura militar (1964-1985). A campanha eleitoral de 2022, em que Bolsonaro busca a reeleição, é muito pior.

Depois de quase quatro anos no poder, usando a máquina do Estado para solapar a democracia, o bolsonarismo infiltrou muito mais fundo suas raízes podres nas instituições brasileiras e em organizações da sociedade civil. Se em 2018, os piores ataques racistas, homofóbicos, xenófobos e misóginos eram desferidos por indivíduos ou grupos, em 2022 eles vêm de parlamentos e associações. Embora ambos os cenários sejam pavorosos, a diferença é substancial. E ela mostra que a corrosão da sociedade brasileira será ainda mais difícil de reverter do que acreditam os mais pessimistas. Como o personagem Smith da icônica série Matrix, Bolsonaro se replica aos milhões. Mesmo que ele não seja reeleito nem seja capaz de consumar o golpe que prepara para o caso de derrota, milhares de Bolsonaros se reelegerão no parlamento e seguirão ocupando cargos de poder nas entidades de classe.

Entre as mais recentes agressões por instituições públicas, está o requerimento de uma apoiadora de Bolsonaro em Santa Catarina, um dos estados do racista sul do Brasil, para fazer uma Comissão Parlamentar de Inquérito. Ana Campagnolo quer investigar uma criança que engravidou de um estupro aos 10 anos e que conseguiu fazer um aborto legal depois de muita luta, já que a juíza e a promotora tentaram impedi-la. Para abrir uma CPI nesse parlamento são necessários 14 votos. Ela conseguiu 21, provando que representa a maioria. Mais da metade dos deputados da Assembleia Legislativa está disposta a usar seus mandatos para criminalizar uma criança que, agora com 11 anos, já foi vítima de uma violação sexual, de uma gravidez obviamente indesejada e de um aborto.

Já entre os mais recentes ataques de organizações da sociedade civil, está a carta encaminhada à presidência da República clamando ao governo brasileiro que abandone a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, que estabelece a necessidade de consulta “livre, prévia e informada” às comunidades indígenas e tradicionais que podem ser atingidas por projetos econômicos. Em 2021, a Amazônia perdeu 18 árvores por segundo, mas as principais associações e federações da indústria do Pará, estado campeão de desmatamento, sentem-se autorizadas a exigir o silenciamento formal dos guardiões da floresta em documento oficial.

Há uma semana, um homem invadiu a festa de outro, tesoureiro do PT na cidade de Foz do Iguaçu, que comemorava o aniversário com uma decoração pró-Lula. Matou-o a tiros, diante de todos os convidados, aos gritos de “Aqui é Bolsonaro”. A Polícia Civil afirmou que não era crime político. E a imprensa responsabilizou não a incitação à destruição dos adversários promovida por Bolsonaro, mas à “polarização”, como se ambos os lados fossem igualmente violentos. É assim que apodrece um país.

Bolsonaro pode perder a eleição, mas a bestialidade do que representa não apenas circula pelas ruas à luz do dia, como em 2018, mas também lidera, em 2022, grande parte do aparato institucional em todas as áreas. Bolsonaro já venceu, mesmo perdendo. E derrotá-lo será uma luta para muito mais do que uma geração.

Leia no El País (somente em espanhol)

Was a British Journalist the Latest Victim of Bolsonaro‘s war on the Amazon?

junho 2022 onde estao ingles

“The 21st century’s more protracted, harder-to-win wars are the ones unfolding this very minute all across our natural life support systems — the tropical forests and the oceans, which are this world’s true centers. Unless we understand this, we may find it impossible to respond as urgently as needed to halt our race toward self-destruction. We need to fight for Dom Phillips and Bruno Pereira; when we do, we fight for all humankind”.

Leia meu texto completo no The New York Times (somente em inglês)

junho 2022 onde estao

Elon Musk y Bolsonaro, el neocolonizador y el neofascista

Jair Bolsonaro y Elon Musk, durante su reunión en São Paulo, en 20 de mayo. KENNY OLIVEIRA (AFP) Reprodução do El País Espanha

Jair Bolsonaro y Elon Musk, durante su reunión en São Paulo, en 20 de mayo.
KENNY OLIVEIRA (AFP) Reprodução do El País Espanha

¿Qué sucede cuando estos dos exponentes del colapso humanitario se unen para “proteger” la Amazonia?

Cuando el multimillonario que trata el planeta como si fuera el patio de su casa se encuentra con el ejemplar más nefasto de la gobernación mundial, tenemos una imagen poderosa sobre el ápice de nuestra tragedia. Es lo que sucedió en Brasil el 20 de mayo, cuando Jair Bolsonaro recibió a Elon Musk con un servilismo indigno de un jefe de Estado. Bolsonaro, a quien sus seguidores llaman “mito”, llamó a Musk “mito de la libertad”. La escena es mucho más que un encuentro festivo entre dos de los mayores villanos contemporáneos: Musk y Bolsonaro, unidos, encarnan el auge del capitalismo predatorio que provocó el colapso climático y hoy lo acelera. La corrosión de la democracia es, a la vez, daño colateral y condición para que el neocolonizador y el neofascista se retroalimenten.

Elon Musk anunció por Twiter que venía a Brasil para conectar a 19.000 escuelas de difícil acceso de la Amazonia a través de su Starlink. Anunció también que ayudaría al Gobierno brasileño a monitorear la selva. Bolsonaro, que llegó a destituir al presidente del Instituto Nacional de Investigaciones Espaciales, institución pública de renombre internacional, porque los números de la deforestación afeaban su Gobierno, cree haber encontrado en Elon Musk la garantía de conseguir datos más favorables sobre su actuación en la Amazonia. Su Gobierno, que mantiene activa la ideología de la “soberanía nacional”, con los militares vociferando que los gringos quieren quitarle la Amazonia a Brasil, le ha abierto alegremente la selva al hombre más rico del planeta.

El multimillonario es lo que intelectuales de la Amazonia llamarían un “comedor de mundos”. Es la más mal acabada encarnación del capitalismo predatorio que mira la tierra y el espacio como si estuvieran a su disposición, al igual que las profundidades de mentes y cuerpos, porque, a fin de cuentas, puede hacerlo. Y, si puede, no cree que tenga que pensar si debe. Si puede, puede. Su respuesta más grandilocuente a la crisis climática es colonizar Marte. Hasta los coches eléctricos de Tesla parecen responder más a la visión de donde estará el beneficio en el futuro —ya que los combustibles fósiles que enriquecieron a los capitalistas del pasado tienen los días contados— que a cualquier convicción ambientalista. En las últimas semanas, Musk ha escrito la accidentada trama de la compra de Twitter, la plataforma más estratégica para influir en unas elecciones. Ahora aprovecha el que puede ser el último año de Bolsonaro en el poder para avanzar sobre la Amazonia y la privilegiada base de lanzamiento espacial de Alcântara.

Elon Musk es el viejo colonizador reciclado y envuelto con tecnología puntera, todo lo que toca se convierte en mercancía. El planeta ya no es su límite. Bolsonaro es el populista de extrema derecha, brutal y maleducado, a quien los liberales refinados acogen para mantener intactos sus privilegios, aunque eso cueste la democracia. Y la cuesta. Solo una democracia real podría limitar las acciones de multimillonarios como Elon Musk. Pero las democracias son, cada vez más, conceptos vacíos en manos de hombres como Bolsonaro y sus dobles en el mundo. El neocolonizador ya ha dicho que podría dar un golpe en cualquier país. El neofascista ya ha anunciado un golpe si las urnas no lo eligen. A cuatro meses de las elecciones, se dan la mano.

Leia na minha coluna no El País – Espanha (somente em espanhol)

Página 7 de 61« Primeira...56789...203040...Última »