Marina Silva: ‘Não temos o direito de ser estúpidos’

MARINA SILVA EM ENTREVISTA À SUMAÚMA EM OUTUBRO DE 2022. FOTO: LELA BELTRÃO/Reprodução de SUMAÚMA

MARINA SILVA EM ENTREVISTA À SUMAÚMA EM OUTUBRO DE 2022. FOTO: LELA BELTRÃO/Reprodução de SUMAÚMA

Em entrevista exclusiva à SUMAÚMA, a amazônida eleita deputada federal por São Paulo em 2 de outubro explica por que, depois de 14 anos de afastamento político de Lula, decidiu se tornar uma de suas principais apoiadoras e compor a frente ampla que busca derrotar o extremista de direita Jair Bolsonaro

ELIANE BRUM
CARLA JIMÉNEZ
VERÓNICA GOYZUETA

Nenhum apoio a Luiz Inácio Lula da Silva nestas eleições é mais importante do que o de Marina Silva para quem luta pela Amazônia. Se Lula pode afirmar em debates que seu governo reduziu significativamente o desmatamento da maior floresta tropical do planeta é porque teve essa mulher negra e indígena, filha de seringueiros, nascida e criada na floresta amazônica, no estado do Acre, como ministra do Meio Ambiente de 2003 até 2008. Com a imposição total da agenda desenvolvimentista que ditaria o ritmo e as escolhas nos anos seguintes, Marina deixou o ministério e o Partido dos Trabalhadores (PT). Há bem menos para se orgulhar do que veio depois dela na área ambiental dos governos do PT. Se o Brasil brilhava nas Cúpulas do Clima mundo afora, dentro do país, em especial na Amazônia e no Cerrado, vários povos podem contar uma história bem diferente. Que depois de 14 anos Marina tenha superado as discordâncias políticas, de interpretação do Brasil e do momento histórico, para compor a frente ampla de Lula, é um acontecimento com grande significado para quem compreende o que está em jogo nesta eleição: mais do que o destino da democracia, o futuro da vida neste planeta.

 

Leia a entrevista completa em SUMAÚMA, clicando AQUI

Cenários do Brasil: catástrofe, golpe ou dificuldade extrema

Manifestación contra el presidente de Brasil, Jair Bolsonaro. EUROPA PRESS/CONTACTO/CRIS FAGA (EUROPA PRESS/CONTACTO/CRIS FAGA - Reprodução do El País)

Manifestación contra el presidente de Brasil, Jair Bolsonaro.
EUROPA PRESS/CONTACTO/CRIS FAGA (EUROPA PRESS/CONTACTO/CRIS FAGA – Reprodução do El País)

A mais recente pesquisa do Instituto Datafolha mostrou que, se a eleição fosse hoje, Lula se elegeria no primeiro turno. É a torcida de muitos, por entenderem que seria mais difícil para Jair Bolsonaro executar o golpe que prepara e anuncia em caso de derrota. O problema para Lula – e para qualquer brasileiro que tenha gosto pela democracia – é que o melhor cenário é de extrema dificuldade.

Se Bolsonaro se reeleger, o que está longe de ser impossível, é catástrofe. Se em menos de quatro anos o atual presidente já desmontou o melhor que a democracia construiu no país nos últimos 40 anos, mesmo o mais pessimista teria dificuldades em antecipar o pavor de um segundo mandato. Bolsonaro provou que sua capacidade de destruição é maior do que seus maiores críticos previam. O Brasil se aproxima das eleições com 33 milhões de pessoas em estado de fome crônica. Se Bolsonaro perder e der o golpe que prepara e anuncia, num país em que o número de armas nas mãos de civis quadruplicou durante seu governo, será um horror com consequências difíceis de prever. O melhor cenário é a eleição do único candidato com condições de vencê-lo – Lula – e é este o sentimento que as pesquisas apontam.

O problema é o dia seguinte. E quem melhor o encarnou foi a cantora Anitta, hoje a mais popular artista brasileira no cenário global. Depois que anunciou nas redes sociais seu voto em Lula, o PT tentou usar sua imagem para impulsionar outras candidaturas do partido. Anitta lacrou: “Atenção candidatos do PT, atenção partido PT. Eu NÃO SOU petista. Não autorizo o uso da minha imagem para promover este partido e seus candidatos. Minha escolha nessas eleições foi de trazer engajamento e mídia para a pessoa que tem maior chance de vencer Voldemort (usando a referência ao vilão de Harry Potter para nomear Bolsonaro) nessas eleições”.

Uma parcela daqueles que votarão em Lula só o farão, como Anitta, porque ele é a única chance de derrotar Bolsonaro. Não é um voto de confiança ou adesão ao projeto do PT – e sim um voto antibolsonaro. Para que isso seja possível, Lula busca conciliar os inconciliáveis, fazendo alianças com quem votou pelo impeachment de Dilma Rousseff e com notórios destruidores da Amazônia. O próprio vice, Geraldo Alckmin, quatro vezes governador de São Paulo com um projeto de direita, tem uma folha corrida que causa arrepios, com violência contra estudantes em protesto e massacre de sem-tetos, sem contar o fato de ser padrinho na política de Ricardo Salles, que com Bolsonaro se tornou o pior ministro de meio ambiente da história do Brasil.

Juntar gente que não consegue ficar na mesma sala talvez seja a única forma de derrotar Bolsonaro, mas certamente é uma perspectiva muito difícil para governar um país arruinado. No dia seguinte à possível vitória, a única base para a aliança circunstancial de muitos – derrotar Bolsonaro – vai se desfazer. Restará um presidente que envelheceu nas ideias, que já não representa uma utopia de futuro e que estará amarrado a aliados perigosos. Se no passado Lula representou a esperança, hoje ele representa apenas a esperança de derrotar Voldemort. Ser brasileiro e ser democrata hoje é torcer – muito – pela dificuldade extrema.

Minha coluna no El País (em espanhol)

 

A ultradireita global e o controle dos corpos

Protestas en Indiana contra la decisión del Tribunal Supremo de Estados Unidos de revocar el derecho al aborto. AJ MAST (AP) / Reprodução do El País Espanha

Protestas en Indiana contra la decisión del Tribunal Supremo de Estados Unidos de revocar el derecho al aborto. AJ MAST (AP) / Reprodução do El País Espanha

A derrubada do direito ao aborto e a redução do poder da Agência de Proteção Ambiental pela Suprema Corte dos Estados Unidos apontam para o mesmo objetivo: o controle dos corpos. Não quaisquer corpos, porém. No caso do aborto, o das mulheres. No caso do clima, os mais pobres, em todo o planeta os pretos e os indígenas, os mais afetados pelo aquecimento global – e, principalmente, o corpo-planeta. A ofensiva dos republicanos que hoje dominam o tribunal é pelo controle dos corpos insurgentes: tanto dos corpos das protagonistas do movimento feminista Me Too quanto daqueles que derrubaram estátuas de heróis americanos brancos, escravocratas e colonialistas – e da natureza que se insurge em transfiguração climática após o ataque sistemático da modernidade movida a combustíveis fósseis.

As decisões da Suprema Corte dos Estados Unidos, maior emissor de carbono junto com a China, sinalizam que a troca de presidente está longe de garantir a recuperação de direitos e o avanço em temas cruciais como o aquecimento global. A tentativa de golpe de Donald Trump, com a invasão do Capitólio, deu um exemplo para a extrema direita do que fazer quando perdem as eleições. O primeiro ano e meio do governo do democrata (bem moderado) Joe Biden apontam que não basta ganhar as eleições e fazer o resultado das urnas valer. O que levou a extrema-direita ao poder continua ativo mesmo com um presidente democrata, e corroendo a democracia tanto por dentro das instituições quanto ao insuflar o desamparo das camadas populares com a acelerada deterioração de uma vida já sem promessas de futuro.

Países com instituições mais frágeis, como o Brasil, terão muito mais dificuldades para enfrentar os tempos pós-Bolsonaro, caso consigam evitar a reeleição e o golpe em curso. Ninguém deixou mais explícita a relação entre o corpo das mulheres e o corpo da floresta que Jair Bolsonaro, ao dizer em seu primeiro ano de governo que a Amazônia era “a virgem que todo tarado de fora quer”. Tanto o corpo feminino quanto a natureza são corpos a serem objetificados, espoliados e esvaziados. É esta a lógica colonial e patriarcal que a extrema-direita luta para manter e que levou o planeta à catástrofe climática.

Nas últimas semanas, uma juíza impediu uma menina de 11 anos de fazer um aborto por gravidez resultante de estupro, contrariando a lei, e um jornalista expôs publicamente uma atriz que deu o bebê resultante de violação para adoção. Esta é a pré-campanha das bases – e com esta o país terá que lidar para muito além das eleições.

Não por acaso há um terceiro retrocesso protagonizado pela Suprema Corte dos Estados Unidos no mesmo período, ao autorizar civis a portar arma de fogo em público. Não por acaso o Brasil teve um aumento no porte de armas de 473% durante o governo Bolsonaro. Se os retrocessos legais não são suficientes para controlar os corpos insurgentes, as armas servem para destruí-los. É isso que a execução de defensores da natureza tem mostrado na Amazônia dia após dia.

Leia na minha coluna no El País- Espanha (somente em espanhol)

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