O mundo era melhor quando existiam ônibus de bizarrices. Não as de verdade, mas aquelas feitas para nos enganar. A gente pagava ingresso e se assombrava com os mistérios do mundo. Agora, liga a TV e vê gente com nome e sobrenome comendo barata e cocô para arranjar uns minutos de fama. Pronto, acabou-se o encanto. Eles comem mesmo barata e cocô. É real. E assim nos roubam a possibilidade da fantasia e do espanto. Nada mais é bizarro depois disso. E tudo é real, em tempo real, reality show.
E vai se tornando insuportável viver num mundo com tanta realidade. Overdose de realidade também mata. A gente só vive por causa da fantasia. Só existe uma vida porque inventamos uma vida. Se nosso cotidiano é preenchido apenas por fatos nos tornamos zumbis. Não suporto mais esse mundo de fatos e de pessoas que confundem fatos com verdades absolutas.
Por isso, hoje, depois de testemunhar gente criando camiseta e xícara comemorativa à morte do Bin Laden, eu acordei com saudades de Monga, a mulher-gorila. Talvez a maior frustração da minha infância. Eu nunca vi Monga, a mulher-gorila. Nunquinha. Como toda boa fantasia, ela sempre me escapava. Quando eu achava que ela surgiria entre as nuvens de poeira de Ijuí, ela já estava em outro lugar. Diziam que em Cruz Alta, Catuípe ou Panambi. Mas acho que me enganavam. Monga era inteligente demais para preferir Cruz Alta a Ijuí. Não, é claro que não faz nenhum sentido preferir Cruz Alta a Ijuí. Até Xuxa surgiu em Santa Rosa e depois Gisele Bündchen em Horizontina. Tudo ali, pertinho. Mas nada de Monga.
Ah, Monga, você sim era de verdade. “Capturada nas selvas do Congo, esta mulher leva uma vida oculta, um sórdido segredo, que agora é revelado. Tarde demais. Dolorosas contrações castigam o seu corpo. A metamorfose sinistra já começou. A linda moça se transforma em Monga , a mulher-gorila.” Monga, monga, como eu sofri por você!
Então surgiu em Ijuí ela, a única, a incomparável, a sinistra Mulher-Aranha. E eu tanto implorei, rastejei, me humilhei, que minha mãe me deu dinheiro para entrar no ônibus onde a abominável mulher de pernas pretas e peludas (conheci outras, depois) vivia. Eu tinha uns seis anos. E era tímida como um mico-leão-dourado.
Lembro de ter entrado no ônibus fora de linha com solenidade. Era uma fila e cada um tinha o seu momento com a abominável. Quando chegou a minha vez, eu entrei, uma conga azul marinho atrás da outra. Me postei a uma distância segura daquela mulher loira oxigenada, boca de batom vermelho e oito patas de caranguejeira. Meu deus, era verdade. A Mulher-Aranha existia.
Arrisquei um…
— Oi.
E ela:
— Ahn?
Meu irmão me disse, quando voltei para casa, que a Mulher-Aranha não me ouvia direito porque era um truque de espelhos e ela estava muito mais longe do que de fato parecia. Mas eu não acreditei. Tinha certeza do infortúnio da Mulher-Aranha. Da verdade da Mulher-Aranha.
— Oi.
— Ahn?
— Você nasceu assim?
— Ahn? Fala mais alto!
— VOCÊ NASCEU ASSIM?
— Sim.
Foi neste momento que tive um vislumbre do meu futuro, mas na hora não percebi. Era minha primeira entrevista. E ela revelava não só que eu tinha uma certa queda para a reportagem, como que tipo de repórter eu seria. Cheguei bem perto, perto até demais ela me disse. E perguntei, com os olhos cravados nos dela (ou no espelho, como meu desagradável irmão viciado em fatos insistia em repetir):
— Você sofre muito?
Ela garantiu que já estava acostumada. E meu tempo acabou. Saí com minhas congas azuis, uma atrás da outra, e por um mês andei arrasada me batendo pelos cantos da casa, com pena da abominável. Depois, esqueci.
Hoje, quatro décadas mais tarde, ao assistir ao casamento do príncipe William com a plebeia Kate Middleton, seguido pela operação Bin Laden, tenho certeza de que só Monga, a mulher-gorila, pode salvar este mundo.