A mulher impenetrável

Quando a conheceu, ela avisou. Sou impenetrável. Ele achou que era uma declaração de mulher metida. Estava encantado demais pelos olhos amarelos dela para se decepcionar com frases de efeito. Com o tempo, a frescura passa. Coisa de mulher que vai para o divã de psicanalista lacaniano. Ela tinha seios sempre com frio e bunda de trópico. Andava como se tivesse acabado de ser comida, mas parecia não prestar atenção nos homens que a seguiam meio sem jeito. Ela deixava os homens sem jeito. Ele, inclusive, tanto que tropeçou nela. E nem assim ela o olhou.

Foi só quando ele sentou ao seu lado, sem se deixar abater pelos olhos no além dela, e começou a contar uma história de fadas, que ela o olhou. Nem sabe de onde tirou essa ideia de contar uma história para ela. Que sorriu. Então ele disse que queria ser Jack London, mas tinha preguiça de sair do sofá azul da sala.

Os olhos aquosos dela mostraram interesse. Ele continuou. Exibiu a cicatriz que traçava um nada entre sua orelha direita e o queixo que ele gostaria que fosse quadrado. Uma piscada sutil de atenção. Me atraquei no porto com um marinheiro gay que queria me enrabar, ele disse. Silêncio. Meu cachorro me mordeu.

Conseguiu arrastá-la para um filme de Tarantino. Tinha menos medo dela quando ela comia pipoca com manteiga. Ela parecia olhar para ele com um misto de condescendência e algo que poderia ser um início de amor. Ele não sabia. Se a beijava ou engatava outro assunto. Ela não temia o silêncio. Não fazia nenhum esforço. Ficava lá, em si mesma. Mas aceitou o convite para ouvir jazz na noite seguinte.

E foi no escuro do bar cabeça, enquanto uma branca com voz de negra cantava Strange Fruit, que ele pediu ajuda a ela. Ajuda para beijá-la. Ou para ir embora. Ela disse: sou uma mulher impenetrável. E ele baixou a guarda. Ela era só humana. E ele até esperava uma frase melhor da inteligência dela. E a teria achado ridícula, se não estivesse de quatro.

Foram para a cama. E ele a apalpou e sugou e gemeu. E ela o olhava com aqueles olhos de rio poluído. Ele a apalpava, sugava e gemia, mas não conseguia entrar nela. Ela gozava. Mas ele não achava a entrada dela. Ele gozava, mas sem achar a porta para dentro dela. E ela se enrolava nele. E ele não se desenrolava mais do lado de fora dela. Ela era intensa, densa, mas externa.

Um dia, quando acordou, ela estava com os olhos amarelos abertos no teto. Só então percebeu que estava casado com uma mulher que não tinha lado de dentro. Ele jamais poderia penetrar sua mulher impenetrável.

Nesse dia ele não foi bom. Gritou, esmurrou as paredes, disse coisas ruins. E chorou. Implorou que ela se abrisse para ele. Mas os olhos escurecidos dela já tinham atravessado o teto para fixar-se no tapete do apartamento de cima. Ela tinha avisado. Sempre do lado avesso, ela era uma literalidade. Por que ele não podia apenas amá-la como ela era? Por que ele precisava entrar onde não havia dentro? Era ela que chorava agora todo o amarelo dos seus olhos, sujando o lençol da cama.

Ele adormeceu de exaustão. No meio da noite, quando acordou, os olhos fixos no teto dela estavam fechados. Ele se virou para olhar para ela. Então viu a grande mancha vermelho-escura que um dia havia sido o ventre dela. A carne plana dela. Só então percebeu que ela o amava. Com a faca de churrasco ela tentara abrir uma porta para dentro dela. Abrira-se para ele.