João Barbarengo tem uma boa imagem de si mesmo. Ótima, até.
Casado com uma mulher inteligente e descolada que trabalha com moda, um casal de filhos que estuda numa escola alternativa da Vila Madalena, um emprego criativo numa agência de publicidade. Ele enfrenta o trânsito de São Paulo a bordo de um 4X4 porque é um cara que gosta de aventuras. Está na pauliceia desvairada mas acredita que poderia estar avançando por uma picada nos confins da Amazônia. Sua mulher tem o mesmo espírito aventureiro e um 4X4 de outra marca já que ela sempre preferiu a tecnologia coreana. João Barbarengo reclama do trânsito e da poluição do escapamento dos carros e caminhões velhos que circulam pelas ruas com o frentista que lhe enche o tanque e de quem se despede com uma gorjeta e um tapinha cúmplice nas costas. Ele gosta de manter relações amistosas com todas as classes porque detesta gente metida a besta e até troca umas ideias de vez em quando com um poeta da periferia para quem conta que quando tinha vinte anos tomou daime no Acre numa viagem muito louca com dinheiro e com documento. Quando vai ao supermercado João Barbarengo compra produtos orgânicos sem precisar se preocupar com o fato de que são muito mais caros. Acha que se todo mundo só comprasse produtos orgânicos, o mundo seria um lugar melhor mas os pobres ainda precisam ser educados para o consumo consciente. Carrega tudo numa sacola ecológica comprada em sua última viagem ao East Side novaiorquino. No seu apartamento em Higienópolis desenhado por um arquiteto dos anos 50 ele é um dos mais assíduos colaboradores da reciclagem de lixo. Enche os latões com embalagens plásticas e latas de alumínio importadas todo dia. Não exatamente ele porque quem separa e armazena é Francisca Catuleia da Rocha, uma maranhense que trabalha em sua casa e faz uma espetacular moqueca de camarão mas se ele ou a mulher não ficam de olho é capaz de botar uma garrafa no lixo comum só para não ter de lavá-la. A cada eleição João Barbarengo tenta votar nos candidatos que defendem a causa do meio ambiente porque se preocupa com o planeta e tem medo do aquecimento global. Aos domingos, único dia em que almoçam todos juntos, se esforça para explicar aos filhos que é muito importante não desperdiçar água, afinal não custa nada fechar a torneira enquanto escovam os dentes ou desligar a TV dos respectivos quartos quando estão nos respectivos computadores ainda que ele já tenha perdido a esperança de fazê-los assistir televisão na mesma peça. Depois, João Barbarengo relaxa num banho de banheira. Dentro da água tépida, entre sais franceses, enquanto o motor da hidromassagem ronca como um angorá satisfeito ele se satisfaz em pensar que é um homem bom, um cidadão consciente, um pai responsável. Só é um tigre no mercado, pensa com um tapinha na barriga de academia. Quando sai do banho, muito mais leve, convida a todos para gastar um pouco no shopping Cidade Jardim porque as crianças estão entediadas. João Barbarengo gosta de pensar que assim movimenta a economia, gastando seu dinheiro ganho honestamente como diretor de publicidade. É um árduo defensor da ética na profissão e se orgulha de nunca ter feito comercial de cigarro e em todo o resto tem certeza de que não enganou ninguém porque ele é da elite que faz da publicidade não uma venda vulgar mas arte contemporânea. Depois, ele insiste, quer que assistam juntos a um documentário sobre o massacre no Sudão, afinal faz questão que seus filhos não sejam como Paris Hilton, que quando criança achava que todo mundo morava em mansões. Para que aceitem a proposta promete que na saída passam na loja da Apple onde elas podem escolher um acessório mas com limite de cem dólares porque ele não é daqueles pais que não sabem se impor ou que deixam os filhos tomar conta. Sim, João Barbarengo é um homem bom.
E agora está de férias. Como pessoa bacana que é, pai de uma família bacana, marido de uma mulher bacana, escolheu um lugar bacana para seu merecido descanso. Ele e seus amigos acham ridículo esse povo que vai fazer viagens de 10 países em 20 dias. Também acham ridículo quem vai para o litoral lotado ou resorts da moda. João Barbarengo escolheu uma praia deserta, de pescadores, onde aluga todo ano uma casa envidraçada com vista paradisíaca de um conhecido que comprou o terreno quase de graça de um ex-pescador que agora mora na Zona Leste. Passa duas semanas de pés descalços sem parafernália eletrônica nem mesmo um Ipad. Gosta de dizer que para onde vai não pega celular nem precisa trancar a porta só para ver nos olhos dos colegas a inveja que sentem de seu desprendimento. Sim, nem Lula nem Obama, ele é o cara. Livre como aquele anúncio genial de sua adolescência, a liberdade é uma calça Lee desbotada. Acaba de ter um insight e nem precisa mais daquele psicanalista que dá entrevista no Jô Soares. Interrompe o insight para distribuir gratuitamente alguns bons conselhos aos pescadores, gente boa mas tão gananciosa, para que nunca permitam asfaltar a estrada que leva até o vilarejo ou comecem a abrir pousadas que vão enfarofar o lugar e acabar com um dos poucos refúgios da natureza que ainda resistem no país. Deixem tudo como está para que João Barbarengo e uns poucos amigos sigam sendo os únicos a ter acesso a um paraíso que só eles sabem valorizar. Ele pensa que assim está dando mais uma contribuição inestimável à preservação do meio ambiente, mudando o mundo à sua pequena maneira.
João Barbarengo é um bom cidadão paulistano. Ótimo, até.