Cólica

Senti a primeira contração no avião. Ao lado, um executivo lia o jornal e enfiava um dedo disfarçado no nariz. Um dedo bem rápido, como se estivesse apenas coçando. Atrás de mim uma criança chutava o banco. A mãe não vai fazer nada? Não, ela parecia aliviada pelo seu pequeno psicopata estar se ocupando de outra vítima. A dor funda. Não é possível. Cólica a esta altura do mês? Pelos meus cálculos, faltavam cinco dias para a menstruação. O que era aquilo? A dor me repuxava o ventre, depois as costas. Será que foi o sanduíche do avião? Não, lembrei. Aquele voo não tinha sanduíche. Eu tinha comido bolachinhas de água e sal com margarina. Cavouquei a bolsa em busca de um remédio. Qualquer um. Doía tanto que eu tomaria um comprimido para mal de Parkinson se achasse algum. Achei um bem colorido. Colei o dedo na campainha da aeromoça que demorou a vir. E nem tentou sorrir quando chegou. Eu preciso de um copo d’água para tomar um remédio. Só um momento, senhora. E partiu. Meu vizinho de banco esquecera o lado de dentro do nariz e olhava para mim. Está passando bem? Enxaqueca, menti. A aeromala veio com um copo de plástico. Sem gelo. Engoli três comprimidos de uma vez e fechei os olhos. Senti algo líquido escorrer pelas minhas pernas. Agora eu pingava vermelho no chão. Não muito, só um pouco. Apertei o botão de novo e desta vez não larguei até que ela chegasse. Daria para alcançar meu casaco que está junto com minha bagagem de mão? Desta vez, eu ouvi. Ela grunhiu. E me atirou o casaco com um olhar mortífero. Não liguei. Com aquela dor eu não me abalaria com Hitler se ele estivesse ali. Me enrolei no casaco, na esperança de que o que quer que fosse que escorria de mim não me denunciasse. Senhores passageiros, estamos em procedimento de descida. Mantenham os cintos afivelados e as poltronas na vertical. Eu já estava colada no teto. Me dobrei de dor enquanto o avião dava um bico rumo ao chão. Quando finalmente as portas se abriram eu senti meu rosto queimar. Sempre fui assim. Me cubro de manchas vermelhas e queimo quando sinto dor. Esperei todos os passageiros saírem e me levantei vacilante. Aparentemente meu sangue se confundia com o carpete escuro. Caminhei do jeito que pude arrastando a mala de rodinhas. Pelo menos eu estava no chão. Eu não queria morrer no ar, com um cara de terno tirando meleca do nariz e uma criança me chutando. Me atirei pela porta do banheiro feminino do saguão e perdi toda a vergonha. Sempre achei curioso como a dor nos faz perder todos os pruridos num segundo. Por favor, estou com intoxicação alimentar e se não entrar vou fazer tudo aqui mesmo. As mulheres da fila cobriram a camada de base com uma camada de cara feia, mas abriram espaço. Me tranquei no cubículo, a bunda batendo na tampa do vaso. Quase arranquei o zíper da saia. Esbocei um sorriso cansado ao lembrar que a manicure tinha insistido para que eu deixasse as unhas compridas da última vez. Bendita Rose. Enfiei meus dedos de unhas compridas dentro de mim. Arranquei meus ovários com dois puxões. Pensei em jogar na privada, mas seria sacanagem entupir o vaso. Embrulhei-os em algumas voltas de papel higiênico e os atirei no lixo que transbordava. Puxei a saia, fechei o zíper, ajeitei minha camisa branca e saí aliviada. Olhei no relógio. Ufa. Ainda daria tempo de chegar à reunião com o cliente.