Coração pesado

Acabo de almoçar quando sinto o peso. Foi o chuchu. Restaurante natural não me faz bem. Nunca passei mal depois de comer bacon, mas basta um chuchu ou uma beterraba para a digestão se arrastar. É um arroto. Vou dar o maior arroto do mundo. Meu arroto vai cobrir o mundo com o cheiro das minhas tripas. Mas se fosse o mundo, esta convenção vaga, tudo bem. Meu mundo é menor e cheio de divisórias. Se eu der um arroto, vou perder o emprego. Não já, mas daqui a pouco, por um motivo qualquer, afinal não há lei proibindo a discriminação por gases. Engulo o arroto. O peso no meu peito aumenta. Tem uma pedra dentro de mim. Meu deus, é o meu coração. Vou enfartar. Começo a suar gelo. Os cabelos empapam na minha cabeça. Eu morrendo e ninguém repara. Virgem Maria. Meu coração está em expansão. Como o universo. Tento me levantar para me esconder no banheiro. Mas meu coração pesa tanto que não consigo mais carregá-lo.

Me espicho todo, mas o coração fica ali, no chão. Grito. Sai apenas um grunhido de mim. A menina se vira, incomodada. Então me vê caído no chão. Você está bem? Estou ótimo, só estou amontoado neste carpete podre desta sala metida a besta da Vila Olímpia por gosto. Estou tentando ver o mundo de outro ângulo para ter um insight. Não sai nada. O peso aumenta. Tenho agora um meteoro dentro de mim. Ela pede ajuda, só aparecem os office-boys. Tentam me levantar, eu levanto todo menos o peito que fica colado no chão. Minha pele vai arrebentar. Ele tem um alien dentro dele, grita um. Cala a boca e chama os bombeiros. Bombeiros? Ele precisa de uma ambulância. Ou de uma mãe de santo. Agora uns 20 homens do escritório tentam me carregar. Como é mesmo o nome deste cara? Não tô lembrado. E você? Acho que é Claudio ou Luís. Mas você não trabalha do lado dele? Eu trabalho, não sou amiga dele, ora. Ele não fala muito. O peso do meu coração abre agora um rombo no carpete e avança para baixo rumo ao inferno. Atravessa o concreto entre o décimo-segundo andar e o décimo-primeiro. Sinistro, mano, sinistro, diz o garoto do almoxarifado. Este cara foi sempre esquisito, a menina garante. Eu tinha medo de sentar do lado dele. Saca tipo freak, o cara é o maior freak. Meu coração despenca no andar de baixo. Como a minha pele aguenta sem arrebentar? Será que é assim que as mulheres grávidas se sentem? Mais um pavimento destroçado. Meu coração perfura agora a mesa dos irmãos Campana de um CEO que se salva apenas por estar numa conference call. Quase não enxergo mais meu coração, só a poeira de concreto e estilhaços que ele provoca na queda. Entre o térreo e o subsolo, decido nunca mais comer chuchu.