O sonho se repetia desde que tinha dez anos. Acordava pela manhã e, diante do espelho do banheiro, descobria que lhe faltava um dente. Apalpava o buraco e outros dentes começavam a cair. Um após outro. Os dentes eram arrancados como flores ordinárias, daquelas que crescem no vão do concreto. Logo, já eram folhas de outono que se despregavam de sua gengiva sem aviso. Até que ela não tivesse mais dentes. Sentia enorme vergonha de sua boca despida, gengiva rosada e exposta. Acordava gritando.
Fora sempre assim. Pelo menos uma vez por semana tinha aquele mesmo sonho. Tão real que permanecia acordada na cama até que a manhã chegasse e a encontrasse com a mão em garra sobre a boca. Arrastava-se até o banheiro com medo de se olhar no espelho e descobrir que era verdade. Naquele dia carregava pelo mundo um par de pernas bambas. E uma sensação de nudez e de vergonha. Naquele dia não sorria. Apenas sussurrava, entre dentes.
Agora adulta, o marido conhecia a matéria de seus terrores. E quando o pesadelo vinha, ele a abraçava forte. E a obrigava a apalpar cada um de seus dentes, começando pelos molares, para ter certeza de que tudo não passava de um sonho ruim. Ela então fingia adormecer, para que ele pudesse voltar a dormir. Mas dentro dela sabia que os dentes não estavam onde deveriam estar. Que sua mordida era falsa.
Com a desculpa de problemas de digestão, passou a comer apenas sopas, purês e gelatinas. Para não ter de mastigar. Começara a ter pavor daqueles dentes que ora estavam lá, ora não estavam. Tivera dentes seus um dia, mas aqueles eram alienígenas. Mais certeza teve quando o dentista demitiu a assistente depois de descobrir que sua ficha só podia ter sido trocada. Dentro de sua boca não havia mais aquelas dez restaurações e dois tratamentos de canal marcados no papel. Ela tinha uma dentadura espantosamente saudável para alguém da sua idade.
A partir desse momento, seu horror aumentou. Era como se o inimigo habitasse sua boca como um parasita agressivo. Começou a definhar porque tinha medo de alimentar os dentes. Arrastada para o médico pelo marido, lhe foi receitado ansiolíticos e remédios contra a insônia. Ela dormia com o peso de vários corpos agora, mas uma vez por semana o sono era interrompido por gritos seus.
Foi o que aconteceu nesta noite. Ela despertou aos berros, molhada de um suor frio e pegajoso. Vou tomar um banho morno para me acalmar, disse ao marido para sossegá-lo. Estremunhada de pavor e de sono, arrastou-se até o banheiro e com as mãos em concha jogou água no rosto. Olhou-se então. Tremendo, foi abrindo a boca bem devagar. Não havia nada ali.
Só um buraco negro que parecia querer aspirá-la. Surpreendeu-se com o alívio que sentiu. O pesadelo de toda uma vida era agora a sua redenção. Os dentes que não eram dela haviam finalmente partido.
Jogou mais água no rosto. Quando olhou de novo para o espelho, mal teve tempo de ver os dentes avançando sobre sua nuca.