1)
A mulher de saia floreada olha para mim. Estou encostado numa esquina colonial. Parado, porque cansei de olhar para o chão. Ela está indecisa. Eu, estranho. Nunca fui um homem bonito a ponto de capturar olhares desconhecidos. Os olhos da mulher me apalpam o corpo. Vasculham meus bolsos, bisbilhotam o título do livro que carrego embaixo do braço. Constrangido, eu volto a olhar para o chão. Estudo a forma das pedras, que me assustam menos. Ela então ataca. Como é seu nome? Eu digo. Você é escritor? Eu penso que ela me reconhece, mas onde. Explico que estou terminando meu primeiro livro de contos, mas ainda procuro editora. Ela fecha a cara. Mais do que fecha. Ela é agressiva. Por um instante a janela do mundo se abre. Ela me odeia agora, porque meu ninguém revela o ninguém dela. Me enganei, diz ela. Achei que você fosse outra pessoa. Um alguém. E me deixa ali, sem se despedir. Quase torce o pé na pedra do segundo passo.
2)
A mulher abraça a todos efusivamente. Organiza um evento literário não sei onde. Estanca em mim. Ela tem pouco tempo. Precisa saber se sou importante. Em alguns segundos ela calcula que, se estou perto de pessoas importantes, talvez eu tenha alguma importância. Mas seu sorriso em minha direção é tenso. Ela ainda não tem certeza se vale a pena gastar um sorriso comigo. Um amigo gentilmente se adianta e me apresenta. Só o primeiro nome. Um primeiro nome é péssimo, a não ser que você se chame Chico ou Lula. Agora, os olhos dela são súplices. Outro amigo solícito capta as ondas de desespero que emanam da mulher e se apressa a dar o nome completo. Quase consigo enxergar os movimentos peristálticos de seu cérebro. Ela agora roda um programa de busca no disco rígido enquanto seus olhos se fixam em um ponto minúsculo entre meu lábio superior e o buço. Não, nada, nenhum registro. Ninguém. Ela não precisa se importar comigo. Vira as costas para conversar com alguém. No movimento, prende o pé entre duas pedras.
3)
O jornalista tem óculos azuis. E um crachá. Press. Está no café da tenda do jornal bacana. Eu me aproximo. Peço um expresso simples. A moça não me ouve. Sinto que a vergonha se esparrama em vermelho pelo meu rosto. Salvo apenas pela barba que não tive tempo de fazer antes da primeira palestra no telão. Não importa. Nenhum alguém olha para mim. Ninguém também. Penso que um expresso talvez não seja uma boa escolha. Tento um capuccino. Ela me encara um pouco impaciente, mas serve. Sabe que viemos do mesmo lugar e não gosta. Parte do líquido se esparrama quando ela bate o copo de plástico no balcão. Ela não pede desculpas. Tento limpar com um guardanapo. Não entendo por que fazem guardanapos que não absorvem, divago. Ao meu lado o jornalista bacana fala sobre a sintaxe de alguém. Penso que sintaxe é uma palavra poderosa, mas não tenho bem certeza do significado. Ensaio algo para dizer. Sobre Crumb, talvez. Crumb é bacana. Ou aquela menina que tira a roupa. Agora estamos lado a lado. Se ele estender o braço me toca. Um suor frio desce pelo meu pescoço e tropeça em algumas espinhas. Percebo que se ele estender o braço vai me atravessar. Deve ser meu sapato novo. Ninguém ali usa sapatênis. É ridículo. Nem sei como escrever. Sapa-tênis. Sapato-tênis. Sapatenis. Agora eu sei. Meus pés estão enfiados na palavra errada.
4)
Volto a olhar para o chão. O suficiente para me esgueirar até a esquina onde escondo meus pés. Assisto ao meu vômito chocando-se contra as pedras. E depois escorrendo quase amorosamente pelos vãos. Finalmente um encontro literário.