Ele me olha. Sinto que quer que eu pergunte. E só isso já me irrita. ~Uhrrrrrrrrrrr. (Isso me irritou mais profundamente. O desplante do teclado de não grafar um til com u embaixo dele. Passo um tempão imaginando como é que eu faço uma onomatopéia do meu grunhido e aí ele diz que não posso botar til com u. Se recusa. Tento três vezes e ele só aceita ao lado. Não é o fim do mundo? Ou o início da revolução das máquinas? Os maiores massacres da humanidade começaram por algo que passou despercebido pela sua insignificância.) E ele ali, me olhando. E com aquele sorrisinho de quem sabe algo que eu não sei. O que foi?, não aguento e pergunto. ~Uhrrrrrrrrrr. “Você parece o Clint Eastwood naquele filme do chinês.” O Clint Eastwood tem 80 anos e não era um chinês, mas um coreano. “Whatever”, ele diz. E continua me olhando com aquele sorrisinho superior. O QUE FOI???? ~U (um embaixo do outro) hrrrrrrrrrrrrr. “Você está com TPM, né?!”
Não tem este ponto de interrogação aí de cima. Ele faz uma afirmação bem categórica, mas disfarça encostando um ponto de interrogação. Babaca covarde!!! EU NÃO ESTOU COM TPM. Pronuncio bem as letras. E penso na perna dele voando como no último filme do Tarantino a passar por aqui, na hora em que o Kurt Russell mata a primeira vadia. Ah, eu adorei este filme ruim do Tarantino. Ele não tem noção, nenhuma noção. Faz um hihihihihihi, que nem o Muttley, o cachorro do Dick Vigarista na Corrida Maluca.
É IMPRESSIONANTE COMO VOCÊS SÃO. POR ACASO VOCÊ VIROU UM MALDITO MANUAL DE AUTO-AJUDA? ACHA QUE O OBJETIVO DA VIDA É A BUSCA DA FELICIDADE? ACHA QUE EU TENHO DE ESTAR SEMPRE FELIZ, SALTITANDO PELA CASA ALEGREMENTE COMO UMA GAZELA THOMPSON NUM PROGRAMA DA NATIONAL GEOGRAPHIC? E QUANDO NÃO ESTOU FELIZ E SALTITANTE É TPM? TODOS OS MEUS SENTIMENTOS MAIS PROFUNDOS, MINHAS CRISES EXISTENCIAIS, A SHIT DESTA VIDA PEQUENO-BURGUESA, TUDO REDUZIDO A UMA MALDITA SIGLA INVENTADA POR MÉDICOS IDIOTAS E DIFUNDIDA PELA INDÚSTRIA FARMACÊUTICA PARA FATURAR EM CIMA DE MULHERES IMBECIS?????
Ele está um pouco magoado, só um pouco infelizmente. “Eu já te disse que não sou VOCÊS.” QUER PARAR DE ME INTERROMPER? EU ESTOU QUIETA AQUI NO MEU CANTO, AÍ VOCÊ ME PROVOCA E DEPOIS NÃO QUER ME ESCUTAR? POIS VAI ESCUTAR, SIM SENHOR. E vejo a cabeça dele explodindo no painel do carro. Ahhhhhh. Quase me sinto bem.
EU NÃO SOU UM CORPO BIOLÓGICO QUE SANGRA TODO MÊS. SOU UMA MULHER COMPLEXA, COM QUESTÕES COMPLEXAS, NA PORRA DE UMA ÉPOCA COMPLEXA. Ele se aproxima com o rabinho entre as pernas. Passa a mão na minha bunda. !!!!!!!!!!!!!!!!! Fico muda de ódio. É tão absurdo que me faltam palavras. A adrenalina congela nas minhas veias. Não é possível que em dez anos de casamento ele não tenha entendido nada. Acha que passar a mão na minha bunda é uma boa ideia NESTE momento. Corto eu mesma o seu pinto em pedacinhos minúsculos (mais minúsculos hahahaha) e jogo para o cachorro que me olha com olhos esbugalhados do sofá azul. Muito mais inteligente o cachorro, que tem o bom senso de não esboçar nenhum latido.
PRIMEIRO ACHA QUE TODO O MEU SENTIMENTO DE MAL-ESTAR NO MUNDO É TPM. DEPOIS ACHA QUE SER COMIDA VAI ME TRAZER FELICIDADE. VOCÊ ACHA QUE SEU PINTO É DE OURO???? E TIRA ESTE VIRALATA PULGUENTO DO SOFÁ!!!!
Começo a chorar sem parar. Soluço tanto que me engasgo. Ele chega devagar, um pé dá um passo para trás, o outro para frente. “Quer que eu faça alguma coisa?” Sim, soluço. Compra uma caixa de Ponstan, outra de Buscopan e uma lata de leite condensado.
Ele pega a chave da moto. Eu agora o amo. Sinto tanto amor por ele que me dá vontade de chorar mais. “Você quer só isso mesmo? Não quer também que eu passe na banca e compre uma revista?”. Ele não ousa dizer o nome da revista, afinal eu estou lendo o conceito de angústia em Kierkegaard. Não precisa, eu soluço. Mas, olha, eu só queria deixar claro: EU NÃO ESTOU COM TPM!!!! EU SÓ ESTOU TRISTE PORQUE A VIDA É …. A VIDA É ….
Ouço o barulho do elevador descendo. E fico com medo que um carro feche a moto e ele morra despedaçado antes que eu possa pedir desculpas e dizer que o amo. Agora rolo no chão de tanto chorar.