Gigi, a gravidez e as cidades

Sou rodeada de militantes do parto natural. Volta e meia sou convidada a rituais como enterro de placenta e fico lá, lacrimejando enquanto a dita é enterrada com solenidade debaixo de alguma árvore raquítica da rua ou em algum vaso da sala. Tive uma amiga, inclusive, que comeu a própria placenta. Bateu no liquidificador com morangos e comeu de colher. Nunca mais aceitei nenhum convite para almoçar na casa dela. E quando passo lá recuso até o cafezinho com uma desculpa de gastrite. Copo d’água só se eu mesma abrir a torneira. Não, não. Eu sou praticamente uma avestruz. Engulo sementes de melancia porque tenho preguiça de tirar, sou louca por dobradinha, rabada, mocotó e meu estômago fez ola quando vi pela primeira vez uma buchada de bode no bodódromo de Petrolina. Em caso de sobreviver a um acidente aéreo nos Andes tenho certeza de que não teria problemas com uma boa coxa. Mas placenta é demais até para mim.

Minha amiga Gigi, porém, é do contra. Anunciou com a maior desfaçatez que vai marcar hora e dia para a cesariana de seu bebê. Ohhhhhhhh, abrimos nossa bocona, eu e todas as outras amigas da natureza. Não faço nenhuma questão, acrescentou. Como assim?, pergunto. De dor, não vejo nenhuma razão para ter dor se posso simplesmente receber uma anestesia e pronto, o bebê sai de lá sem nenhum trauma. Sim, para nos confundir ela defende a ideia de que é ótimo também para a criança, que não precisará sofrer, empurrar, se apertar ou até se esgoelar no cordão umbilical. Imagina, ela diz, nascer já é tão complicado. Ela (sim, é uma menina) já vai ser obrigada a deixar o luxo da minha deliciosa barriga onde está com todo o conforto degustando boa gastronomia e relaxando durante nove meses, praticamente num SPA, e você ainda quer que eu faça minha filha ter de arrombar a porta?! Não, não, muito obrigada. É deselegante.

Diante da argumentação, eu apelo para técnicas terroristas. Você é quem sabe, começo, fingindo distração. Mas lembre-se de que o corpo volta muiiiiiiiito mais rápido à boa forma se o parto for natural. Se for cesariana, um ano. Mas, parto natural, três meses e você já está com a barriga que a Claudia Leitte tinha 15 segundos depois. Cirurgia é cirurgia, apelo, malvada. Nunca se sabe o que pode acontecer.

Gigi arregala por um momento seus olhos de cartum. E, esperta, não se entrega. Imagina, vai ser ótimo ter uma filha sem nenhum trauma de origem. Vou economizar horrores na conta do psicanalista. Ela não vai ter um motivozinho que seja para culpar a mãe por sofrer à toa. É por amor, entende?, diz ela, cínica, enquanto dobra um tip-top de oncinha cor-de-rosa.
Gigi é assim, incorrigível. Não tenho a menor dúvida de que, antes de ir ao hospital, ela vai fazer depilação, unhas e cabelo. E depois, vai calmamente dirigir até a maternidade na data marcada, de salto alto e pretinho básico, com ares de Audrey Hepburn. Eu, que sou uma defensora do parto natural e faço discursos veementes contra a indústria da cesariana e os obstetras preguiçosos, vou ter de engolir. Já sei que minha afilhada vai pedir um espumante quando nascer em vez de leite. No formato de peito, no máximo a taça que, diz a lenda, foi esculpida no formato dos belos seios de Madame de Pompadour.

Em represália por ignorar totalmente meus bons conselhos e melhores intenções, eu, que sou vingativa, descobri um ponto fraco na originalidade de minha amiga Gigi. Obviamente, ela não enjoaria com coisas prosaicas. Nada de feijão com arroz ou banana prata. Nos primeiros três meses, enjoou de queijo mascarpone, vejam só. Roquefort, brie e pecorino, também, não podia nem pensar. Por fim, superou sua rejeição a queijos de três dígitos o quilo. E no quarto mês ela anunciou que estava enjoando de cidades. Sim, eu também fiz esta cara.

Em se tratando da pessoa em questão, achei que não poderia ouvir falar em Paris ou Nova York. Mas não. Seu problema era com o Planalto Central. Cite as cidades-satélites da capital federal na sequência e ela desmaia. A bucólica Pirenópolis obriga Gigi a correr para o banheiro. Mas nada se compara a Brasília. Basta ouvir o nome que não tem tempo para nada. Vomita onde está.

Eu adorei. Comecei pronunciando lentamente: Bra-sí-lia. Agora, virou um jogo. Você viu a última cena do Tropa de Elite 2? Quaquaquaquaquá. Sabe quanto vai custar a festa da posse da Dilma em….? Quiquiquiquiqui. Em seguida, depois que ela vomita no colo, peço desculpas, compungida. Desde ontem passei a ligar em horários diferentes do dia. Não dou nem oi. Só falo, numa voz cavernosa. Brasíííííííília. E ouço o baque do aifone ao atingir o chão.