Aos 4 anos, quando o pai lhe perguntou o que tinha feito na escolinha, ele disse que havia ido ao país das fadas e cavalgara um dragão que era bom. O pai achou sensacional e contou para os amigos da firma e também os do futebol. A mãe registrou no livro do bebê com uma caneta de tinta dourada e chegou a enviar a frase para a revista Crescer. Aos 7 anos, quando o pai lhe perguntou como tinha sido seu dia na escola, ele contou que penetrara na floresta amazônica e, depois de lutar com um tigre e vencer, descobrira uma caverna cheia de ouro e pedras preciosas. Só não conseguira trazer as riquezas para casa porque ao tirar um diamante de uma das paredes tudo ruíra. Escapara por um triz e apenas porque um unicórnio voara com ele para longe. O pai explicou que não havia tigres na floresta amazônica nem unicórnios em parte alguma, mas achou divertido. É um menino muito imaginativo diria à mãe quando se recolheram para dormir, antes de apagar a luz e virarem para o lado.
Quando ele tinha 10 anos, a professora mandou que seus alunos escrevessem uma redação sobre as férias. Ele descreveu em cinco páginas sua extraordinária escalada rumo ao pico de uma montanha coberta de neves eternas. Extraordinária porque ao chegar lá se tornou o rei de um povo que nunca morria. A professora chamou os pais à escola e sugeriu que procurassem um psiquiatra. Ele não distingue a realidade da fantasia, afirmou. Os pais ficaram muito preocupados e o levaram ao médico que receitou um antidepressivo. Depois de algumas semanas, o menino começou a falar de elefantes azuis e então o médico lhe deu também Rivotril. Agora, sempre que os pais olhavam para ele, traziam uma sombra na íris.
Aos 14 anos, mesmo tratado a Prozac e Rivotril, quando a avó lhe perguntou como estava a sua vida, porque os pais já não perguntavam mais nada, ele segredou que tinha se apaixonado por uma criatura linda, de cabelos flamejantes que lhe caíam até as patas. Metade mulher e metade leoa, explicou. A avó encheu os olhos de lágrimas e correu a contar aos pais. Foi feita uma reunião da família com a junta médica e decidiram interná-lo numa clínica psiquiátrica privada. Lá ele se tornou muito popular porque os pacientes e depois os funcionários e até os médicos, estes mais interessados em apresentar o caso num congresso financiado por alguma multinacional farmacêutica, se reuniam ao redor dele para ouvi-lo contar seu dia. E até os pacientes mais agitados se acalmavam sem que fosse preciso amarrá-los ou mesmo dopá-los porque não queriam perder nem um minuto de narrativa.
Quando ele completou 18 anos, os médicos disseram que não fazia sentido deixá-lo ali, o prolongamento da estadia poderia render à instituição uma fama politicamente incorreta de depósito de lunáticos. Ainda que o caso dele estivesse além da possibilidade de cura, ele não fazia mal para ninguém nem suas maluquices constituíam uma ameaça à sociedade. O garoto voltou para a casa da família onde todos já tomavam antidepressivos por causa dele e quando lhe perguntaram como havia sido viver trancafiado nos últimos quatro anos, ele os olhou com a expressão aparvalhada de quem não compreendia a pergunta. Garantiu que nunca havia ficado preso em lugar algum. Pelo contrário. Estava até um pouco necessitado de descanso tão agitados tinham sido aqueles últimos anos. Contou então de suas viagens interplanetárias e seu aprendizado com outras culturas, descrevendo minuciosamente tecnologias alienígenas acachapantes.
Ao ouvir o relato a mãe se jogou no chão e disse que era melhor matá-la porque não poderia mais conviver com a dor de um filho assim. O garoto, que agora já era quase um homem, ficou muito triste com o desespero da mãe e só então compreendeu do que se tratava. Por que não tinham dito logo? Eles só queriam saber da parte da vida que não tinha graça.
No dia seguinte, quando lhe perguntaram se estava bem, ele contou que a nova marca de cereal era melhor que a antiga, que lera no jornal que haviam queimado dezenas de carros no Rio de Janeiro, que havia ido ao banco pagar o IPTU para o pai e tinha entrado numa fila indecente, que o vizinho do lado havia brigado com o síndico por causa do vazamento da garagem e que descobrira que os preços do supermercado estavam impossíveis. Como era muito dedicado e amava muito a mãe, disse ainda que a meteorologia previa um final de semana chuvoso. E acrescentou: “É sempre assim, quando a gente precisa trabalhar faz um tempo lindo. E, na folga, chove”.
A família toda o olhou maravilhada e desde aquele dia foram felizes para sempre.