Meditando em São Paulo

Ilustração: Carolina Vigna-Marú

Ilustração: Carolina Vigna-Marú

“Você precisa silenciar a mente”, ela me diz. Minha amiga não anda, levita. Filha de iogananda, fica de cabeça para baixo desde os 5 anos e às vezes parece nem saber a diferença. Eu sei, digo. Tem muito barulho dentro de mim. Ela me olha com os olhos esgazeados de quem contempla seu lago interior. “Você nem precisa ficar na posição clássica da meditação. Basta se deitar e se concentrar na sua respiração. Não briga com os pensamentos, mas também não dialoga com eles. Deixa eles irem embora e volta para a respiração.” Mas eles não vão embora!, eu quase choro.

Ela me toca com mãos de reiqui. “Vão, sim. Se você tentar todo dia, você acaba treinando a sua mente.” Não, não, você não sabe o que anda pela minha mente. Aliás, é melhor você nem saber. Estes meus pensamentos só vão embora levando a minha cabeça junto. Se eu me descuidar, viro uma Maria Antonieta! Ela ri. Acha que eu sou engraçada.

“O prana que está no ar que você respira vai curar a sua mente. Confia, e apenas se concentre.” Com todo o respeito, você sabe que eu te adoro, mas olha em volta, a gente mora em São Paulo. Não tem prana no ar, só ozônio e monóxido de carbono. Se eu respirar muito fundo vou ter uma crise de bronquite. Ela permanece superiormente impassível. “Vai para casa agora, andando bem devagar, com a mente focada na sua respiração. Você vai ver que já vai chegar ao final da Teodoro Sampaio mais leve.”

Eu fui. Me alonguei toda e andei bem devagar. Caminhei até a esquina da Lisboa com a Teodoro. Ar que entra, ar que sai. Vou me atirar na faixa de segurança para ver se os motoristas estão cumprindo a lei. Não. Mudei. Sou uma nova mulher. Ar que entra, ar que sai. Sou uma buda esperando o farol fechar enquanto todo mundo se atira e chega do outro lado bem antes de mim. Pobres coitados. Para que tanta pressa? Sou superior agora. Vivo o presente. Ar que entra, ar que sai.

Quando estou subindo a Teodoro já me sinto a um passo do nirvana. Um passo harmonioso atrás de outro passo harmonioso. O pescoço tão alongado que poderiam me confundir com a Audrey Hepburn. Deixei para trás as pequenezas do mundo. Sou um ser conectado ao universo. O prana entra pelas minhas narinas e cobre o meu pulmão de fumante com uma poeira brilhante. O monstro do lago ness que dorme no meu oceano interior agora é um peixinho de aquário.

Nada mais me afeta. Ar que entra, ar que sai. Sorrio o meu sorriso do quem atingiu a luz para a velhinha que espera o farol fechar ao meu lado na esquina da Teodoro com a João Moura. Sim, o deus que mora em mim saúda o deus que mora em você.

Hum, o que está acontecendo? Não, não é nada de dentro. É de fora mesmo. Quem ousa interromper o encontro com meu eu interior? Tiro meus olhos que afagavam as pétalas do meu coração, e ele está bem ali atrás de mim. Com um riso desafiador escorrendo da boca e a mão espalmada na minha bunda. Eu olho pro riso, olho pra mão. E me esqueço que não pertenço mais a este mundo. Meu joelho levanta em posição de ioga, mas em vez de saudar o sol, eu acerto os testículos do homem. Ele agora não ri mais. Mas eu sim.

Subo o quarteirão que falta numa velocidade feliz. E só quando chego ao portão percebo que minha mente esvaziou. Não é que funciona?