Uma singela homenagem à Vó Vanyr e a todas as vovós que amam seus netos acima do bom senso
Minha mãe sempre levou muito a sério suas atribuições de avó. Muito. Nunca conseguiu dizer não para a minha filha. E nas vezes em que a ameaçou com uma chinelada sempre obteve 100% de êxito no esforço de não alcançá-la. Desde que Vó Vanyr olhou para a cabeça em formato de ovo da primeira neta, logo após o nascimento, foi um caso de amor incondicional e absoluto. Faço este preâmbulo para que o leitor possa compreender os fatos a seguir.
Aos 2 anos, Maíra já ouvia rock pesado. Lá pelos 11, era heavy-tudo. Nunca, aliás, me agradeceu o suficiente por tê-la impedido de fazer uma tatuagem com o rosto do Robert Plant em tamanho natural em suas lindas costas. Nunca. É uma mágoa que carrego pela vida, esta ingratidão filial diante de uma intervenção que praticamente lhe salvou a vida. Já imaginou? E eu nunca vou me perdoar por ter permitido — e inclusive ficado de mão — quando aos 15 ela fez uma tatuagem de arame farpado no braço. O fato é que Maíra era assim. Hard. Pós e pré ao mesmo tempo.
E estava com 13 enlouquecidos anos quando sua avó desembarcou em Porto Alegre para uma visita. Vó Vanyr carregava sacolas de congelados com as comidas favoritas da neta, que ela preparava ao longo de semanas, e mais algumas peças em tricô, feitas no capricho com suas próprias mãos. Ninguém em casa. Eu no trabalho — e Maíra na aula de inglês. Para recepcioná-la, apenas um bilhete, bastante enigmático: “Vó, toda vez que ligarem para casa você precisa atender dizendo: ‘Eu adoro o Ozzy’. Se você não disser, eu perco a viagem”.
Minha mãe, claro, não entendeu nada. O último popstar por quem ela tinha se interessado havia sido o Ray Conniff. E já fazia tempo. Mas um pedido da Maíra era uma ordem. E ela nem cogitou desobedecê-lo. Se sua neta perdesse algo importante por causa dela, como poderia seguir vivendo?
De fato, mas isso ela só soube depois, Maíra estava disputando um concurso numa rádio moderninha para ganhar uma viagem para assistir ao Ozzy em carne, osso e mais alguma coisa que era melhor nem assuntar. E ela era doida por Black Sabbath! Heavy, mas tímida, Maíra usava calças fabricadas por ela mesma com esqueletos pingando sangue e rasgões nem tão milimétricos, mas morria de vergonha de falar uma frase como esta ao atender o telefone. A aula de inglês, portanto, foi providencial. Este, claro, era um trabalho para uma única pessoa no planeta: a Suuuuuupervóóóóóóó!!!
E foi assim que, por azar, justamente um parente conhecido por ter o senso de humor de um pitbull na TPM ligou naquela tarde. E minha mãe, aquela senhora impoluta de Ijuí, com uma voz de quem estava comendo morcegos e se engasgou, atendeu: “Eu adoro o Ozzy”. Quê?, chocou-se o interlocutor. “Eu adoro o Ozzy”. Dona Vanyr, é a senhora? “Sou, mas eu adoro o Ozzy.”
Minha mãe ouviu uma longa explicação sobre quem era Ozzy Osbourne e outra sobre o abuso que a neta estava cometendo contra ela. Constrangeu-se bastante até, mas era a Maíra quem tinha pedido. E a Maíra precisava ver o Ozzy. Portanto, manteve-se impassível em sua missão. Irremovível. Nem xixi fez naquele final de tarde, de medo de não chegar a tempo ao aparelho e falhar como a melhor avó do mundo, posto que ela sempre teve certeza de ocupar — com toda a razão.
Estava eu lá na Redação da Zero Hora, às voltas com algum buraco de rua renitente, quando o tal parente me ligou. “A Maíra está abusando da avó.” Por quê? O que aconteceu?, perguntei alarmada, pensando logo em um ritual satânico. E só Pachamama sabe como consegui ouvir a explicação sem rolar de rir. Desliguei falsamente compungida. E então rolei. Claro que, na Redação, todo mundo quis saber por que eu chorava às gargalhadas debruçada sobre o meu bloquinho. E é óbvio que eu contei. E em seguida liguei para casa. “Eu adoro o Ozzy”, disse minha mãe, audivelmente mortificada.
É um milagre documentado o fechamento do jornal não ter atrasado naquele dia. Porque pelo menos a metade da Redação ligou lá para casa para ouvir minha mãe: “Eu adoro o Ozzy”. Vó Vanyr nos deu muitas alegrias naquele final de tarde. E até eu chegar em casa ela continuava repetindo para quem quer que ligasse. “Eu adoro o Ozzy”. E obviamente eu avisei a todos os amigos e parentes — e o telefone não parou de tocar.
Foi só no dia seguinte que Arthur, o pai-drasto da Maíra, confessou que havia esquecido de registrar nosso telefone para o sorteio da rádio. Tudo em vão, portanto. O Arthur merecia morte lenta, mas como ele tinha uma longa folha corrida de bons serviços prestados, fomos magnânimas. Minha mãe, principalmente. E ninguém, tenho certeza, mereceu tanto conhecer o Ozzy ao vivo quanto ela!
Lembrei desta história agora, quando Ozzy Osbourne, hoje muito mais tranquilinho e com a idade que minha mãe tinha naquele tempo, fez shows pelo Brasil. E só agora Maíra conseguiu realizar seu sonho. Valeu a pena?, perguntei a hoje psicanalista de 29 anos. “Hum, foi ok.”