Minuto

Ilustração: Carolina Vigna-Marú

Ilustração: Carolina Vigna-Marú

O carro parou no sinal em Higienópolis. O homem estava deitado sobre uma esteira. Como um chefe de família fazendo uma sesta depois do trabalho. Enquanto isso, a mulher se acocorava diante de uma espécie de armário de cozinha. Era uma cena doméstica rotineira. Mas era uma esquina exposta de São Paulo. Não havia proteção sobre eles, nem mesmo uma marquise, mas a mulher se movia como se inexistisse um mundo para além dela e de seu homem. Como se estivesse numa casa com paredes. Ela pegava restos de alimentos e fazia um prato como se fosse uma dona de casa comum. E o que eu pensei ser um armário era a sua geladeira. Era como espiar alguém que não sabia que era espiada pelo buraco da fechadura. Mas era uma esquina de cidade. E era chocante porque era uma esquina da cidade, mas ela não sabia.

Parecia, porém, que só eu a via. E por alguns segundos cheguei a duvidar que estivesse vendo, que a mulher existisse, que fosse real aquela imagem surreal. Olhei então para o homem. E enquanto a mulher permanecia alheia a tudo menos ele, o homem tentava fazer contato. Para todos que atravessavam a rua e passavam pela esquina, ele abria um largo sorriso. Mas ninguém o olhava. Ele tentava de novo. E ninguém o olhava. No meu horror eu queria gritar que ele estava lá, mas fiquei com medo que ninguém me visse e então eu também teria de duvidar de mim. Finalmente entendi por que a mulher tinha certeza de que havia paredes. Porque havia.