Ele despontou em casa eufórico vindo do supermercado. Sim, ele ama supermercados e ama mais ainda descobrir novidades no supermercado. Acho que o supermercado, para um homem, cumpre o papel das guerras no passado. Naquele campo de batalha, entre tantas marcas para escolher nas prateleiras, tantas pesquisas de preço a fazer, tantas pessoas conduzindo perigosamente seus carrinhos pelos corredores estreitos, um homem se sente um guerreiro. Mas divago. O que interessa é que ele interrompe a minha leitura no sofá azul para sacudir uma coisa quase do tamanho de uma maçã, só que branca, bem no meu nariz. O que é isso?, eu pergunto, aterrorizada. “Um alho-elefante”, ele responde, orgulhoso.
Dou uma cafungada cautelosa. Adoro alho. Sou uma comedora compulsiva de alho. Mas detesto cortá-lo. Foi ele também quem aprendeu uma técnica infalível para tirar a casca do alho num programa de culinária na TV. É um marido sempre aberto para a eterna novidade do mundo: o meu.
O alho-elefante, ou seja lá o que for aquela coisa, é enorme. Por exemplo. Eu costumo usar cinco dentes de alho para temperar o feijão. Já com o alho-elefante, basta um dentão. Mas eu sou desconfiada. É chinês, eu digo. De uns tempos para cá fui acometida pela paranoia do meidinchina. Tudo é chinês, de fato. Mas eu não sei como lidar com isso. Para mim, este é o dilema da pós-modernidade.
Desenvolvi uma fobia desde que vi chineses amontoados num contêiner no meio do deserto do Saara quando por lá passava com um cara que puxava um riquixá (outra história, outra história…). Eles eram trabalhadores na construção de estradas na Mauritânia e em outros países da África, mas pareciam escravos. Desde então, não sei como lidar com o fato de que tudo é da China. Neste último inverno comprei cobertores e edredons baratíssimos — da China. Mas toda vez que me cubro com eles, minha alegria de estar enrolada no frio fazendo vzzzzzzzzzz é contaminada pela lembrança da origem. Fiquei paranoica: acho que meus cobertores têm chumbo, mercúrio ou, no mínimo, trabalho escravo. Tudo o que vem da China — ou seja, tudo — eu acho que está contaminado por chumbo, mercúrio e trabalho escravo.
Afasta de mim esse alho-elefante, eu digo, com um safanão. Eu não vou botar no meu feijão essa coisa transgênica feita na China. Ele suspira longamente. Tem uma paciência… “Mas não tem nada aqui dizendo que é da China.” Pior. Estão escondendo. Eles sabem que a gente não quer nada chinês. Lembra das lojinhas lá de Roma? Em Roma era assim. Na frente das lojinhas de bugigangas turísticas, havia um carcamano gritando (claro): “Não é chinês! Não é chinês!”. Só por isso eu comprei um terço de João Paulo II. Eu!
Por fim, ele me convence a pelo menos experimentar. Pego o troço como se fosse um fígado de gente. A coisa não tem cheiro. Onde já se viu um alho sem cheiro? Ele me desfere um olhar pidão lá da ponta da mesa. Por amor, só por amor, boto a coisa no meu feijão. Profano o meu feijão! Um dentão inteiro. E, como eu previa, estraga o meu feijão. Não por algum gosto suspeito, mas porque não tem gosto algum. “Chinês 171!!!”, eu grito pela casa. E ele correndo atrás de mim.
No meio da cozinha, chegamos ao embate final. Eu bufo. Ele espuma. Entre nós o alho-elefante. “Não é que não tem gosto, é só que é mais suave”, diz ele, sem muita convicção. Ora, quem quer um alho suave? Piiiiiiiiiii, faço a buzina do Sílvio Santos. Ou era do Chacrinha?
Você está com bafo? Ele sopra na minha cara. Nenhum bafinho. Nem mesmo uma brisa nefasta. Você acha que dá para respeitar um alho que não deixa bafo?, espeto, precisa como um arqueiro galês.
Meu argumento é irrefutável. E a vitória, acachapante. O alho-elefante é despachado triunfalmente para o lixo tóxico.
E perigoso.