Eles se sentaram à mesa do café da pousada sem dar bom-dia para ninguém. Não se falavam. Apurei os ouvidos, porque tenho orelhas intrometidas. Olhos, também. Não, eles nem mesmo pediam para passar a manteiga. Ela comeu uma fatia de pão sete grãos com queijo meia-cura, dois bolinhos de chuva e um pedaço de bolo de milho. Depois, tomou uma xícara de chocolate quente com duas colheres de açúcar. O homem fez um sanduíche de dois andares e colocou na chapa para o queijo derreter. Depois, ele ainda pegaria uma fatia de melão e outra de mamão e tomaria dois copos enormes de suco de melancia. Não tinham nada a dizer um ao outro. E precisavam encher a boca vazia de palavras.
Casais que não falam entre si durante a refeição me soterram em camadas de melancolia. Quero cortar o silêncio deles com a faca do pão, mas não posso. São corpos retesados como cordas de um violino de quem ninguém mais tira acordes. E o ritual de comer juntos parece demais para eles que não podem nem querem mais fingir, mas não têm forças para mudar.
Era assim aquele casal diante de mim. Eles comiam e comiam e comiam, mas não tinham nada a compartilhar que não fosse gordura saturada. E quando não aguentaram mais comer, levantaram-se com pés cortados por varizes de chumbo, ele de bermuda e meias, ela de calça de moletom e tênis. Escaparam pela porta em passos a esmo, esmagados pela obrigação de serem felizes no clichê de paraíso que era aquela pousada.
Eu enveredei por uma trilha no meio do mato em busca de uma família de socós que tinha vislumbrado e de repente, juro que não foi de propósito, estava nos fundos da cabana deles. Pela varanda envidraçada eu os vi em território mudo. E fiquei ali, incapaz de resistir, porque agora eles estavam nus, e ela o algemava na cama king size. E se esfregava toda no corpo imobilizado dele. Será que não vai dar uma congestão, assim, logo depois do café da manhã?, foi meu pensamento prosaico.
Agora ela enfiava um vibrador verde no ânus dele enquanto o mordia com uma vagina cheia de dentes. E eu podia ouvir os gemidos e também os gritos. Sim, eles falavam muito um com o outro. A família inteira de socós desfilou diante de mim, e eu os afugentei com um safanão, ocupada com o discurso amoroso que se dizia diante de mim. Descobri que eles sabiam que eu estava olhando e ouvindo, e gostavam.
Virei as costas quando a mulher enfiou um peito na boca do homem até sufocá-lo, possuída agora por um pudor que não tenho. E por algum tempo fiquei contemplando as vacas que ruminavam logo adiante. Quando me virei, já não havia nada nem ninguém na cabana. O casal apenas descia as escadas vindos do café da manhã, em sua desistência sem palavras, atrasando os passos porque sabiam ir para onde não queriam. E eu já não sabia se tinha visto ou desejado ver.
Corri para a minha própria cabana, atropelando a família de socós na minha fuga. Enfiei tudo dentro da mala de qualquer jeito e voltei para São Paulo dois dias antes do programado.