O mistério do marido

Ilustração: Carolina Vigna-Marú

Ilustração: Carolina Vigna-Marú

Ainda hoje, quando bebe um dry martini a mais, ela se dá conta que não consegue identificar o momento exato em que o marido começou a ficar estranho. Quando se vive há tanto tempo com outra pessoa, é fácil deixar passar alguns detalhes. Com os anos, até se aprende que o melhor mesmo é deixar passar alguns detalhes. Ele deve estar se estressando no trabalho, ela concluiu ao tentar entrar no banheiro para secar o cabelo e levar a porta na cara. Será que eu não tenho um pingo de privacidade na porra desta casa?, ele reclamou. Grosso, ela respondeu. E pronto.

No outro dia, de novo. Depois de terem discutido por anos porque ela achava um absurdo ele fazer xixi de porta aberta, agora era o marido quem fazia questão de se trancar lá dentro. Com chave, mesmo. Será que está se masturbando a esta hora? Não, ela não era daquelas mulheres que achavam que homem casado não pode bater punheta. Se for isso, beleza, pensava. A sexualidade é um território livre. Desde, claro, que as fantasias com outras mulheres (e homens… melancias, anões besuntados com amendocrem e pastores alemães, de duas e quatro patas) ficassem apenas dentro da cabeça dele. Mas punheta logo de manhã cedo? Estranho…

Ele saía do banheiro com aparência feliz. Às vezes até assobiava Garota de Ipanema. Afinado, ele. Você mudou o corte do cabelo?, ela perguntou. Estou deixando crescer. Acho que com o cabelo mais comprido pareço mais magro. Oquei. Durante todos os anos de casamento ele tinha feito o mesmo corte de cabelo militar, religiosamente uma vez por mês, com o mesmo barbeiro, o Ronivon Barber Shop. E o corte durava o tempo exato de ler, segundo ele, a entrevista completa da Playboy. Hum….

Ela começou a reparar que agora ele sacudia o cabelo e passava os dedos entre as mechas como uma loira. Ele tem outra, disse à melhor amiga, e em seguida caiu no choro. Não, o Rômulo Alberto não faria isso. Todo mundo sabe que ele é louco por você. Por que outro motivo um homem muda o corte de cabelo de uma vida inteira? Ele agora está sempre olhando no espelhinho do carro. Disfarça, para que eu não perceba, mas eu finjo mexer na minha bolsa e bingo, lá está ele arrumando o cabelo. E me evita. Antes acordávamos e dividíamos o banheiro. Tínhamos ótimas conversas enquanto ele fazia a barba e eu secava o cabelo. E às vezes até rolava um strangers in the morning. Ai meu deus, ele não me suporta mais. Sente repugnância por mim.

Decidiu confrontá-lo. Naquela noite, quando ele chegou do trabalho, ela estava pronta para uma DR. Quando a viu, bem posicionada na poltrona, olhos de atirador de elite do FBI, teve vontade de ir comprar cigarros, mas lembrou que não fumava. Não, DR não, por favor! Eu tive um dia de cão castrado.

Rômulo Alberto, nós precisamos conversar. Xiiii, quando ela chamava de Rômulo Alberto em vez de Pituluquinho é porque a coisa tava feia. Deixa só eu largar a mochila e lavar as mãos, suspirou. Desde quando ele lavava as mãos? Ok, mas não demora. E não precisa se trancar no banheiro porque eu não vou tentar entrar.
Pronto. Ele estava sentado diante dela como uma criança de 9 anos. Você tem uma amante. Está doida, mulher? Você acha que eu tenho tempo de ter amante? Eu te amo, você sabe. Ele parecia sinceramente surpreso. Mas, ela tinha certeza, estava mentindo. Não adianta, Rômulo Alberto, uma mulher percebe nos detalhes. Você não me quer mais no banheiro de manhã. E NENHUM HOMEM MUDA O CABELO DE TODA A VIDA SEM QUE SEJA POR UMA AMANTE!!!!

Ele parecia agora ter cinco anos. As pernas para dentro. Cabeça baixa. Meu deus, era verdade, ele tinha mesmo uma amante. Vou ficar com o apartamento, ele que vá para um hotel. E hoje mesmo. Vou ficar com o carro também. Ela mesma se surpreendeu. Parte dela chorava sentido, a outra fazia cálculos, a mente límpida como um Ipad de 64 GB.

Ela ouviu um ruído baixinho. Meu deus, ele está chorando. Desculpa, Flortolindinha, eu devia ter te contado. Rômulo Alberto, como você pôde fazer isso comigo? Depois de tudo que vivemos juntos! Você sabe, o apartamento vai ficar comigo! Quem faz a merda é que tem de se foder! Ela então se deu conta. Ele está fodendo com outra. O meu Pituluquinho está fodendo com uma dragonete qualquer. Ou não é uma qualquer? Será que ela consegue dar tchau sem que o braço faça ola? E desandou a soluçar.

Ele tentou abraçá-la. Ela o repeliu com um tapa que alcançou o ombro dele. E se vingou: É bom, mesmo, porque agora eu posso te contar que na noite anterior ao nosso casamento eu dei para o Rodrigão. O Rodrigão era o melhor amigo dele. O quê? Como você fez uma coisa dessas comigo? O Rodrigão é meu amigo desde os tempos da Penha! Ora, eu estava confusa e assustada com a possibilidade de transar só com você pelo resto da minha vida. Mas nem vem. Isso foi antes do casamento. Desde que eu disse sim lá no altar eu nunca, nunquinha, te traí.

Ele atravessou a sala como o Tocha Humana (isso aconteceu antes de O Quarteto Fantástico virar trio). Quando ela o alcançou, ele já estava jogando uma pilha de cuecas na mochila. A gente conversa quando eu conseguir olhar na tua cara. Não inverta as coisas!, ela gritou. Eu quero saber quem é a baranguete com quem você está me traindo!

Ele olhou para ela, antes de fechar a porta do apartamento. Hesitou alguns segundos, limpou a garganta e disse, desafiador. Não tem nenhuma outra mulher. Eu só estou usando pomada modeladora para o cabelo. E tinha vergonha de contar. Você acabaria comentando com as suas amigas e elas comentariam com os maridos e seria como aquela vez em que vocês acabaram com a vida do Sílvio Luís porque ele fazia as unhas do pé no salão. Ou com o Geraldo quando comprou um leque na Liberdade para fazer artes marciais. Por isso eu não te queria no banheiro. Você sabe, eu sempre tive complexo de ter o cabelo muito armado. Então o Ronivon me deu uma pomada modeladora e garantiu que não era coisa de metrossexual. Eu nem sei como passei a vida sofrendo com o complexo do cabelo sem saber que existia algo como a pomada modeladora! E agora eu tenho o cabelo quase igual ao do Richard Gere. Tchau.

Ela tentou segurá-lo. Se humilharia se fosse preciso. Emprestaria sua pomada modeladora importada se a situação piorasse. Por que você não contou de uma vez? Eu juro que não ia rir. Até o Justus usa e nunca foi demitido por isso! Ops, talvez não seja uma boa referência. A Hebe usa! Merda, pensou. Estou me enterrando. Sansãããããããooo!!!!!

Ele se desvencilhou dela com um safanão. Largou a mochila no chão e entrou no apartamento. Ela abriu os braços, pensando que tudo ia ficar bem e ririam muito do mal entendido. Mas ele passou reto. Voltou com um potinho branco. Tinha esquecido a pomada modeladora. Sacudiu o cabelo como uma loira e bateu a porta sem se despedir.