Marina Silva: ‘Na minha opinião pessoal, a Petrobras não pode continuar a ser uma empresa de petróleo’

MAR 2023 ENTREV MARINA SILVAEm entrevista exclusiva a SUMAÚMA, Marina Silva, ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima do Brasil, fala sobre temas espinhosos como a exploração de combustíveis fósseis na foz do Amazonas e a renovação da licença de operação da desastrosa hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu

ELIANE BRUM
BRASÍLIA
13 março 2023

Até chegar à sala de Marina Silva, no Ministério do Meio Ambiente e (felizmente, agora também) Mudança do Clima, passei por vários funcionários empolgados. Há uma visível animação nos corredores do prédio modernista da Esplanada dos Ministérios, em Brasília. Para aqueles que sobreviveram aos anos de Jair Bolsonaro e seus ministros contra o meio ambiente, Ricardo Salles e o menos histriônico – mas não menos destrutivo – Joaquim Álvaro Pereira Leite, a mudança é tão radical que nem parece o mesmo prédio. Para os que chegaram agora ou retornaram depois do longo e tenebroso inverno que durou quatro anos que pareceram 40, a ideia de poder voltar a trabalhar a favor do meio ambiente vira essa alegria que é potência de agir, tão presente na floresta amazônica. E isso mesmo sabendo que voltaram para terra literalmente arrasada e que os desafios são imensos. Seriam em qualquer contexto, mas se tornam muito maiores numa estrutura material e humana “amputada”, reproduzindo a palavra que a ministra usa na entrevista a seguir, e com um orçamento que, apesar do aumento conquistado durante a transição, ainda é muito menor do que as necessidades.

Leia a entrevista em SUMAÚMA

 

Não é incompetência nem descaso: é método

Até os organismos mais primários têm instinto de sobrevivência. Faço aqui um apelo ao instinto de sobrevivência de cada um. Tudo o que estamos fazendo não é suficiente. É hora de fazer não apenas o que sabemos, mas o que não sabemos. Não apenas por altruísmo ou por compaixão pelos que tombam. Mas pela vida. A guerra da Amazônia é a guerra deste tempo. A guerra da Amazônia é a guerra contra os comedores de planeta. Coube a nós, que ainda estamos vivos, travar essa guerra. Que tenhamos vergonha na cara e lutemos.

Manifestantes em Londres (Reprodução do Nexo)

Manifestantes em Londres (Reprodução do Nexo)

Minha matéria para o Nexo. Leia AQUI.

O Assunto #709: Altamira – crimes e ruínas da floresta

O município mais extenso do país, no sudoeste do Pará, teve 12 assassinatos nas últimas duas semanas, todos com características de execução. Eles ocorrem num contexto de degradação social e ambiental diretamente associado às obras da hidrelétrica de Belo Monte, ao longo da década passada. Nesse período, a taxa local de homicídios se multiplicou por dez, entre outros indicadores deteriorados. Em conversa com Renata Lo Prete, a premiada jornalista Eliane Brum avalia que Altamira representa a vanguarda da destruição da Amazônia. “O que acontece aqui é uma espécie de crise climática localizada”, diz ela, hoje moradora da cidade. Também documentarista e escritora, seu livro mais recente é “Banzeiro Okotó: Uma viagem à Amazônia Centro do Mundo”, que investiga desastres socioambientais, principalmente na área do rio Xingu, que banha a cidade. Eliane descreve como vivem, nas periferias, “pobres urbanos” que foram expulsos de suas terras pela construção da usina. “Entender uma cidade amazônica é entender o que são as ruínas da floresta”, diz.

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Três andares de impunidade na Amazônia

Juma Xipaya en noviembre de 2020 en Altamira (Brasil). LILO CLARETO (Reprodução do El País)

Juma Xipaya em novembro de 2020 em Altamira (Brasil).
LILO CLARETO (Reprodução do El País)

Uma balsa de garimpo de três andares, 30 metros de comprimento e custo estimado de 2 milhões de reais navegando pela Amazônia é a mais nova imagem da destruição da floresta apoiada pelo governo de Jair Bolsonaro.

Em 14 de abril, sete garimpeiros – cinco adultos e dois adolescentes – alcançaram a terra do povo Xipaya e ameaçaram o pai de Juma, a primeira cacica do seu povo e uma das estrelas da Cúpula do Clima de Glasgow. Em seguida, a embarcação monstruosa navegou por duas unidades de conservação: as reservas extrativistas do rio Iriri e do Riozinho do Anfrísio. Agentes da Força Nacional e do ICMBio, órgão responsável pela conservação da biodiversidade, apreenderam a balsa e prenderam os criminosos em flagrante.

Parecia uma rara vitória em uma das linhas de frente da guerra climática. Mas enquanto Bolsonaro estiver no poder, as chances de a humanidade controlar o superaquecimento global diminuem um pouco – ou muito – mais a cada minuto No domingo, a Polícia Federal soltou os criminosos. A desculpa singela: não conseguiriam levá-los a uma delegacia nas 24 horas previstas pela lei porque a região seria de “difícil acesso”.

Uma das principais estratégias do governo de ultradireita do Brasil é devorar as instituições desde dentro. Não é necessário fechá-las, como acontecia em regimes autoritários do século 20: elas seguem existindo, mas não funcionam contra o presidente, sua família, seus amigos e sua base de apoio. Até Bolsonaro assumir o poder, a Polícia Federal era uma das poucas forças de segurança que tinha o respeito da população. As demais eram marcadas tanto pela corrupção quanto pela prática cotidiana de execução de suspeitos. Bolsonaro está conseguindo destruir a imagem da única polícia que parecia funcionar no Brasil.

Após serem soltos, os garimpeiros zombaram dos povos da floresta que os denunciaram, mostrando de que lado está a força no país. Adultos e crianças agora dormem e acordam aterrorizados, na mira de criminosos que invadem o território com a certeza de ter o Governo e as forças de segurança controladas pelo bolsonarismo ao seu lado.

No início do milênio, a região amazônica chamada de Terra do Meio, um enclave de natureza de milhões de hectares, era um dos últimos em que a floresta ainda respirava. Mantê-la viva era estratégico para qualquer cenário em que a vida humana pudesse ser preservada. Fui a primeira jornalista a alcançar a região na companhia do fotógrafo Lilo Clareto, em 2004. Chegamos ao Riozinho do Anfrísio, a comunidade mais ameaçada, depois de quatro dias de viagem de rio. Navegávamos ao lado do principal líder da resistência, um homem chamado Herculano Porto, cuja cabeça estava na mira das balas de madeireiros e grileiros.

Na semana passada, 18 anos depois, enquanto a balsa monstruosa profanava a Terra do Meio, eu semeava com a família e amigos as cinzas de Lilo, morto por covid-19. Conforme seu desejo, Lilo misturou-se a floresta e seus seres no ponto exato onde o Riozinho beija o Iriri. No dia seguinte, 14 de abril, Herculano Porto teve sua história lembrada numa homenagem cujo objetivo era marcar o passado de luta para a nova geração que hoje se corrompe ao se aliar aos destruidores da floresta. E então a balsa de garimpo chegou, os criminosos foram presos e depois liberados. Mais uma vez, a certeza é a de que resistir é se arriscar a ser morto. Melhor então se aliar a quem manda no país.

É preciso que a sociedade brasileira e também a global entendam: o futuro da humanidade guardado na maior floresta tropical do planeta depende da luta travada no presente contra um governo que usa a máquina do Estado para destruir a Amazônia. Sozinhos demais, estamos perdendo. E perdendo. E perdendo mais uma vez.

 

Leia no El País (somente em espanhol)

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