Descobri que não há criatura mais ardilosa que um bebê. Eu andava irritada com esses seres cheios de dobrinhas e celulite, como já reclamei aqui, porque eles tinham sequestrado algumas de minhas melhores amigas e amigos e também meu irmão do meio. Se lá dentro da barriga já conseguiam fazer tal estrago, transformando mulheres e homens multitemas em pessoas de uma nota só, imagina depois. Já vislumbrava meus dias de solidão, sem nenhum ombro para babar ao desfiar meus dramas existenciais, quando aconteceu.
Sem alarde, como as coisas realmente importantes costumam acontecer. Primeiro foi o João Bolota, que praticamente se jogou no meu colo, no dia seguinte ao nascimento. E lá ficou dormindo o sono de quem não sabia que meus braços existiam por algum outro motivo que não fosse afofá-lo. E chegou tia, primo, parente, amigo e eu lá, me fazendo de louca. Se alguém chegava perto com a intenção obscura de arrancá-lo do meu colo, eu rosnava de leve, porque tento ser uma mulher elegante. Mas com todos os dentes à mostra. E eu tenho uns caninos bem afiados de comer churrasco e uma ou outra carne de pescoço.
Depois foi a Nina, que teve o desplante de nascer com um corte de cabelo parisiense. Eu dobrava a esquina entre o corredor e a cozinha, disfarçando a minha vontade de olhar para ela, quando ela surgiu no colo da mãe com ares de Juliette Binoche e me abateu com um sorriso. Sim, Nina já sorria. E, segundo seu pai, pronunciou a primeira palavra aos quatro meses. Com toda a clareza. Foi aí que eu comecei a desconfiar que estava sendo cooptada. Porque acreditei.
Em seguida surgiu Rodrigo, o meu sobrinho temporão. Eu tinha antecipado a volta de uma viagem internacional de trabalho porque ele estava programado para nascer logo ali. Na véspera da partida recebi um email da minha mãe avisando que ele tinha ignorado todos os meus esforços e aterrissado no mundo na hora em que bem entendeu. Sim, sim, essa geração já nasce sem o menor respeito pelos mais velhos.
A traição desencadeou em mim um ataque de choro totalmente fora de controle num quarto de hotel. Cheguei a cogitar locar um jato particular de onde desembarcaria correndo, sem pagar, diretamente em Campinas, onde ele nasceu. A alternativa era um tanto fantasiosa e até eu, em meu estado lastimável de tia miseravelmente traída, reconheci a fragilidade do plano. Dias depois eu chegaria esbaforida num táxi, pago com dinheiro da poupança que fiz para a minha velhice desvalida e na qual tinha jurado não mexer nem mesmo se faltasse feijão – o que é mais ou menos o equivalente à morte para mim.
Simplesmente não consegui esperar pelo ônibus. Só caí em mim quando ouvi os risos de escárnio de uns e outros: eu ensinava a língua dos duendes ao Rodrigão (ele é enorme!), em frente a estranhos e sem nenhum amor próprio. Arrrrrschoins… coishloncolin… aidigolgol.
E então veio ela, a minha afilhada. Insuportavelmente irresistível. Tanto que nunca usei tantos advérbios de modo e adjetivos num texto sem temer a condenação eterna dos colegas. Simplesmente porque nada mais me importa. Desde que ela me disse, com sua boca de Angelina Jolie, “Oi, Dinda, cheguei e já te adoro”, apenas alguns minutos após o nascimento, eu perdi a posse de mim mesma.
Tenho certeza de que a Cats me hipnotizou. Sim, porque ficam me repetindo aquelas baboseiras de livros pseudocientíficos de bebês, de que recém-nascidos não enxergam ou só enxergam vultos e blábláblá. Balela. Estes caras não entendem nada de bebês. Eu, sim. A Cats olhou diretamente para mim — e me amou.
Sim, ela me ama. E nada mais importa agora. Se alguma enfermeira malvada a trata com brusquidão, ela imediatamente agarra a minha mão. Depois, escala o meu colo, desabafa uns gemidinhos de Tom Jobim, dá um suspiro sentido e dorme totalmente confiante, como se o meu colo fosse o mundo inteiro.
Fiz até uma proposta para a mãe dela, de deixar a Cats aqui em casa enquanto ela se recupera, se organiza e tal, mas não fui compreendida. O padrinho, que está em estado semelhante, o que significa que não há ninguém para nos chamar à razão, foi detido quando tentava botar a Cats na mochila. E ela queria ir com a gente, era óbvio para quem quisesse ver, porque nem chorou.