Não é incompetência nem descaso: é método

Até os organismos mais primários têm instinto de sobrevivência. Faço aqui um apelo ao instinto de sobrevivência de cada um. Tudo o que estamos fazendo não é suficiente. É hora de fazer não apenas o que sabemos, mas o que não sabemos. Não apenas por altruísmo ou por compaixão pelos que tombam. Mas pela vida. A guerra da Amazônia é a guerra deste tempo. A guerra da Amazônia é a guerra contra os comedores de planeta. Coube a nós, que ainda estamos vivos, travar essa guerra. Que tenhamos vergonha na cara e lutemos.

Manifestantes em Londres (Reprodução do Nexo)

Manifestantes em Londres (Reprodução do Nexo)

Minha matéria para o Nexo. Leia AQUI.

O Assunto #709: Altamira – crimes e ruínas da floresta

O município mais extenso do país, no sudoeste do Pará, teve 12 assassinatos nas últimas duas semanas, todos com características de execução. Eles ocorrem num contexto de degradação social e ambiental diretamente associado às obras da hidrelétrica de Belo Monte, ao longo da década passada. Nesse período, a taxa local de homicídios se multiplicou por dez, entre outros indicadores deteriorados. Em conversa com Renata Lo Prete, a premiada jornalista Eliane Brum avalia que Altamira representa a vanguarda da destruição da Amazônia. “O que acontece aqui é uma espécie de crise climática localizada”, diz ela, hoje moradora da cidade. Também documentarista e escritora, seu livro mais recente é “Banzeiro Okotó: Uma viagem à Amazônia Centro do Mundo”, que investiga desastres socioambientais, principalmente na área do rio Xingu, que banha a cidade. Eliane descreve como vivem, nas periferias, “pobres urbanos” que foram expulsos de suas terras pela construção da usina. “Entender uma cidade amazônica é entender o que são as ruínas da floresta”, diz.

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Mario, o que você chama de “palhaçada” nós chamamos de sangue

Mario Vargas Llosa, en la 46ª Feria Internacional del Libro de Buenos Aires, el 6 de mayo (LUIS ROBAYO/AFP, Reprodução do El País)

Mario Vargas Llosa, en la 46ª Feria Internacional del Libro de Buenos Aires, el 6 de mayo (LUIS ROBAYO/AFP, Reprodução do El País)

Minha resposta a Mario Vargas Llosa em minha coluna do El País

Durante palestra em Montevideo, o prêmio nobel de Literatura Mario Vargas Llosa posicionou-se diante da eleição brasileira do próximo outubro. Disse o escritor peruano: “As palhaçadas de Bolsonaro são muito difíceis de admitir para um liberal. Agora, entre Bolsonaro e Lula, eu prefiro Bolsonaro”. Não é a primeira vez que o consagrado escritor faz declarações políticas controversas, usando aqui um eufemismo. Mas defender Jair Messias Bolsonaro contra Luiz Inácio Lula da Silva são vários tons acima até mesmo para os padrões de Vargas Llosa. Nunca foi tão importante diferenciar um liberal de um extremista de direita. Declarações como estas, porém, borram as fronteiras e contribuem para a corrosão da democracia.

Vejamos o que o suposto liberal Mario Vargas Llosa, personagem que frequentou círculos intelectuais refinados da Europa ao longo de décadas, considera “palhaçadas de Bolsonaro”: o ataque persistente às urnas eletrônicas e ao processo eleitoral, para justificar um golpe de Estado em caso de não se reeleger; a agressão recorrente às instituições que não conseguiu controlar, como o Tribunal Superior Eleitoral e o Supremo Tribunal Federal; os quase 700 mil mortos por covid-19, resultado de comprovada execução de um plano de disseminação do vírus para obter “imunidade de rebanho”, com ataque sistemático contra o uso de máscaras e contra as vacinas; o apoio a mineradores ilegais, madeireiros e grileiros (ladrões de terras públicas) responsáveis pela contaminação dos rios por mercúrio, desmatamento recorde e uso de violência contra defensores da floresta, além de estupro de mulheres indígenas, no caso da mineração; o desmonte da legislação ambiental construída durante décadas, o esvaziamento dos órgãos de proteção e o afrouxamento da punição a destruidores da natureza; os constantes ataques às mulheres, aos povos originários e aos negros; as cada vez mais evidentes relações com as milícias que controlam o crime organizado e a defesa do armamento da população civil. A lista de “palhaçadas” não cabe no espaço desta coluna, seria necessária uma edição inteira do El País de domingo, com todos os cadernos incluídos.

Mas o suposto liberal Mario Vargas Llosa prefere Bolsonaro a Lula porque o ex-presidente, favorito nas pesquisas, “esteve preso” e os juízes o condenaram “como ladrão”. Vargas Llosa não deve estar informado que Lula passou, sim, 580 dias na prisão, mas posteriormente o Supremo Tribunal Federal anulou condenações e determinou que as ações recomeçassem do início por erros processuais, o que o torna inocente até prova em contrário. Se as condenações tivessem sido mantidas, Lula não poderia ser candidato.

O que está em jogo nas eleições brasileiras de outubro é a própria democracia. Por maiores críticas que se possa fazer a Lula e aos seus governos – e há muitas –, ele é um democrata. Bolsonaro, contra quem há várias comunicações por genocídio no Tribunal Penal Internacional, é um defensor da ditadura militar, que tem o principal torturador do regime como herói declarado, e fez do Brasil um país em estado de golpe.

Para um liberal genuíno, os atos de Bolsonaro não deveriam ser “difíceis de admitir” – e sim impossíveis de aceitar. Admiti-los como um mal menor é desrespeitar a vida dos mais frágeis e a própria democracia. Que entre a civilização e a barbárie, uma pessoa com a ressonância pública de Vargas Llosa se manifeste publicamente pela barbárie, reduzindo a “palhaçada” atos que tiraram a vida de tantos e levam ao ponto de não retorno a maior floresta tropical do mundo, explica muito por que as democracias estão em crise e dá pistas sobre os instintos autoritários e racistas de parte significativa das elites intelectuais da América Latina. A Vargas Llosa devemos dizer: o que você chama de “palhaçada” nós, que sofremos o cotidiano de violência imposto por Bolsonaro, chamamos sangue.

Leia no El País (em espanhol)

 

O jornalismo ambiental em Eliane Brum

Roberto Villar Belmonte*

O livro mais recente da jornalista e escritora Eliane Brum é uma experiência arrebatadora e uma leitura desafiadora, como já escreveram, mas também é o relato de uma jornada floresta adentro e, exatamente por isso, é um curso aberto de jornalismo ambiental com aulas (capítulos) que provocam, instigam, impulsionam. Seus interesses jornalísticos são tão amplos que não cabem dentro do que chamamos de … Continue lendo

*Roberto Villar Belmonte é jornalista, professor universitário e membro do Grupo de Pesquisa Jornalismo Ambiental (CNPq/UFRGS)

 

Leia também:

O jornalismo de imersão de Eliane Brum – Patrícia Kolling

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