Cristo Verão 2011

Ilustração: Carolina Vigna-Marú

Ilustração: Carolina Vigna-Marú

Meu primo Gilvan sempre foi considerado uma criança meio avoada, mas sem dar maiores preocupações à família que tinha outros dois rebentos bem mais ativos para cuidar. Foi só neste veraneio que vi minha tia Jurema torcer a boca, sinal pouco alvissareiro. Esta minha tia sempre torce a boca, formando uma espécie de triângulo com o lábio inferior, quando precisa dar uma notícia que está salivando para soltar, mas ao mesmo tempo precisa fingir um certo pesar. “O Gilvan está emaconhado.”

Tentei não ofender a solenidade dela. E com todo o tato garanti que maconha não é uma droga pesada, até mesmo Fernando Henrique Cardoso, ex-presidente da República, sociólogo e tudo o mais, anda defendendo a liberação. Não adiantou muito. Minha tia Agnes, que jogava buraco com tia Jurema, garantiu que a prima da manicure da dona da quitanda tinha um sobrinho que conhecia um cara que havia entrado no supermercado do jeito que veio ao mundo depois de ter injetado uma maconha braba. De nada adiantou, novamente, eu jurar pela vida do meu pai e da minha mãe e do meu louva-a-deus de estimação que maconha não se injetava. Elas apenas torceram mais a boca. Quando querem que eu escreva uma carta desancando a secretaria de obras por causa dos buracos da praia, eu sou a pessoa certa. Afinal, é para isso que serve jornalista formada. Mas sobre emaconhamento, me consideram destituída de credenciais. Nem sei se tu também não experimentaste o tóxico, me dizem, com suas caras de fuinha. E falam “tócchhco”.

Esqueci o assunto até ser convidada a almoçar na casa da tia Solange. Este é o problema de famílias que veraneiam unidas na mesma praia do litoral gaúcho varrida pelo mar aberto e pelo Nordestão. Um dia você é varrido junto quando chega uma intimação verbal que não aceita negativa para almoçar na casa do Cristo da vez. Sim, porque as praias têm Garota Verão, Miss Atlântico Sul, coisas do gênero. Mas famílias têm Cristo Verão 2011. E, claro, é preciso exibir a faixa em público até para alguém considerada meio da pá virada como eu, que já acumulou troféus em verões de antanho. E o Cristo deste verão é o pobre do meu primo Gilvan, o emaconhadinho.

Fazia tempos que eu não via esse primo, agora que moro para as bandas de sumpaulo, como eles dizem. E não é que Gilvan me surpreende muito positivamente? Deitado na rede, ele exibia um sorriso tímido e lia um exemplar de O Apanhador no Campo de Centeio tão surrado que com certeza não era a primeira vez que ele o usava como escudo contra as hostes familiares. Me comovi quase às lágrimas, eu que fiz meu PhD em defesa contra as artes das trevas familiares naquele mesmíssimo clã.

Me ensaiava para puxar um papo com ele sobre o livro quando tia Solange bateu o sino da macarronada. E se a gente não corresse e a macarronada passasse do ponto, aumentaríamos em anos nossa estadia no purgatório. Sim, porque tia Solange ainda nem se recuperou da abolição do limbo para crianças não batizadas. Papa frouxo, costuma dizer ainda hoje, de Bento XVI.

Portanto, corri. E praticamente aterrissei numa nádega só na cadeira. E lá estou, toda feliz, enrolando o espaguete no garfo, quando ouço o meu nome citado pela gárgula da minha tia. Gilvan, ela diz, sua prima jornalista de sumpaulo está aqui para te falar dos malefícios da maconha. Meu espaguete escorregou para o meu colo e depois para o chão onde eu me enfiei embaixo da mesa para procurá-lo, mas a maldita cadela achou antes de mim. Tentei ainda encontrar o buraco da Alice, mas só achei um pedaço semidecomposto de cenoura e nenhum coelho.

Tia Solange, eu não tenho a menor condição de falar sobre a maconha, emergi. Pelo amor de Deus, não me coloque nesta situação. Too late, o furdunço já estava armado. Eu não acredito que você trouxe a prima aqui para me constranger, gritava Gilvan. Eu juro que vou embora desta casa. Ué, está com vergonha de puxar fumo agora?, provocou o irmão mais velho, uma criatura que eu francamente detestei desde os primeiros passos, sempre catarrento e fazendo maldades com todos os cães sarnentos que mancavam pelas ruas. Ele acha que com um béqui consegue se enturmar com as periguetes da praia, alfinetou a irmã, cuja boca era a única espinha móvel do rosto. Olhei para o meu tio, que enrolava e desenrolava o espaguete no prato como se disso dependesse a solução para a camada de ozônio.

A melhor pior praia do mundo

Uma reflexão sobre os pés, a família e o tempo

A cada ano meu pai vai silenciando. E minha mãe se tornando mais falante, como se as palavras tivessem o poder de pregá-la à vida. Ele vai se tornando mais lento, um passo estudado de cada vez. E ela desafia as leis da medicina com seus joelhos gastos e seus pés de dedos tortos que saltitam pela casa e, sempre que possível, escapam para a rua. Cada dedo do pé da minha mãe parece querer avançar mais rápido que o outro, então se amontoam, como numa cena dos Três Patetas.

Sempre achei que os pés das pessoas contam tanto delas quanto o rosto. Os pés do meu pai se esparramam sólidos e largos, querendo estar sempre certos de onde pisam. E os da minha mãe se adiantam, curiosando, querem andar não importa para onde. E não raro se enfiam em buracos de onde ela os arranca recitando palavrões de lavra própria.

Passei a última semana com meus pais naquela que para mim será sempre a melhor pior praia do mundo. De repente, meu olhar foi capturado pelo andar de cada um. É perto de um milagre que eles andem juntos há quase 60 anos com esses pés descombinados. Percebi o quanto nós todos, seus filhos e netos, precisamos que eles reeditem esse desconcerto dos pés.

O que viemos averiguar, nós que moramos longe, é se continuam andando no seu modo improvável. Meu pai cada vez mais lento, minha mãe cada vez mais rápida, encontrando-se em algum lugar dessa distância entre dois pontos. Acabo divagando se meu irmão do meio não se tornou físico para compreender a trajetória destituída de lógica que é o caminhar desordenadamente sincronizado de nossos pais.

Visitá-los nesta praia que eles amam, onde para nossa decepção o mar não sofreu nenhuma influência do aquecimento global e mantém a temperatura constante de iceberg, onde os ventos varrem largas porções de areia e às vezes até os bichos mais frágeis e todas as suas sarnas, tornou-se um destino sólido de nossos verões. A cada início de ano nós sabemos que o vizinho se tornará um flagelo com seu cortador de grama às 7 horas da manhã de cada dia. E quando não for o cortador de grama será alguma outra máquina infernal que ele prefere pilotar sempre de manhã bem cedo ou logo depois do almoço. Também temos certeza de que as dúzias de cachorros não nos darão trégua latindo ao mesmo tempo e o tempo todo.

Que ninguém vai dormir nas noites de sábado para domingo porque uma romaria de adolescentes celerados vai passar diante da nossa casa estourando as caixas de som como um triste rito de passagem num mundo em que todos os rituais soam como um reality show de má qualidade. Que algum problema sempre vai acontecer com a água, que desta vez faltou por três dias. Que o único mercado cobrará preços tão abusivos que cogitaremos deixar uma fatia do rim na hora de acertar a caderneta. E a marca de cerveja será sempre a pior possível. Mas resistimos porque a melhor pior praia do mundo tem suas garras de areia cravadas no nosso coração.

Todo ano, mal boto meus pés descalços no chão e já vou jurando que é a última vez que piso naquela praia insana. E no dia seguinte a compreensão me atinge. Sei por que vim. E sei que continuarei vindo. Volto ano após ano para ter certeza que tudo continua exatamente igual. Ainda que às vezes insuportavelmente igual.

Neste verão, duas cenas cavoucaram minha alma com uma daquelas pazinhas de criança esquecidas na areia e se instalaram para ficar. Lá está meu pai. Depois de um acurado estudo sobre o rumo dos ventos, em que ele anda para lá e para cá, apalpa as nuvens com os olhos e aspira a maresia, meu pai posiciona uma cadeira e uma dessas mesas ordinárias de plástico exatamente onde a brisa circula sem obstáculos. Lá ele se senta com alguma de suas preciosidades. Neste ano o primeiro livro sobre a história do Brasil escrito por um brasileiro, Frei Vicente do Salvador, datado do início do século XVII. Só interrompe essa leitura para esmiuçar o jornal, de onde recorta as melhores partes. Não há tecnologia que o convença que recortar o jornal com tesoura não siga sendo a melhor maneira de organizar um arquivo. Eu o espio da minha rede e, a certo momento, não consigo evitar. Grito: “Pai, a vida é boa, né?”. E ele responde de volta, meio sobressaltado com a interrupção: “É muito boa, sim!”. E desandamos a rir. E eu choro.

A outra é de minha mãe. Desde que ela ganhou um laptop dos filhos desdenha todos os outros tipos de comunicação. Lá vem ela caminhando pelas bordas dos pés, meio de lado, como é o seu estilo, meio sabendo que interrompe a minha leitura, mas sem conseguir resistir a compartilhar a brincadeira que acaba de lhe chegar por email. Tu conheces a mágica do 111? Não, eu não conhecia. Então pega os últimos dois algarismos do teu ano de nascimento – 66 – e soma com a idade que vais fazer neste ano – 45. Eu não sou muito boa em matemática, mas consigo. E ela quase dá pulinhos de alegria. Testamos juntas vários nascimentos e aniversários e, incrível, sempre dá 111. Ela passa então o resto do dia em um animado balé com seus pés problemáticos, satisfeitíssima com a mágica do 111. Feliz como no tempo em que trepava nos pés de laranja da chácara do pai para roubar fruta verde. Eu a observo, com respeito máximo pela conquista do povo egípcio e por tudo o que significa para o mundo inteiro. E ao mesmo tempo meio envergonhada porque naquele meu canto acanhado de planeta, na melhor pior praia do mundo, o acontecimento mais importante daquele dia foi testemunhar minha mãe saltitando de ladinho por causa do 111.

Aperto a minha filha com força antes que ela parta rumo ao Rio de Janeiro e, como sempre, me surpreendo de como é possível amar tanto assim um outro ser humano. Afofo seus pequenos pés que ela afirma serem em forma de raquete. E aceito que pela lógica é natural que seja ela a primeira a partir para longe. Nós que ficamos não compreendemos bem como ela pode preferir Ipanema e Leblon à melhor pior praia do mundo. Mas, por amor, fingimos entender.

Deste lugar geográfico-sentimental fazemos de conta que o tempo não avança, enquanto com o canto dos olhos cada um de nós anota mentalmente as marcas que assinalam nosso corpo e também os daqueles que amamos. Registramos, mas não contamos para ninguém. Para o ano que vem esperamos um novo par de pezinhos gorduchos e ainda sem nome, um bebê novo que acolheremos. Ele mal saberá onde está enquanto engatinha sua vida nova pelo assoalho, sem adivinhar que a melhor pior praia do mundo já crava nele suas unhas de areia.

A vida é mais intensamente isso do que todo o resto. Essa nossa capacidade de fingir desconhecer que um dia essa casa será alugada para outros porque nossos pés já não andarão por esse mundo. Mas enquanto isso, resistimos. Cheia de medo, tento algemar com palavras o que já não alcanço prender de outro jeito.

Se me perguntarem agora o que eu desejo para o próximo verão, com toda a fome do meu querer, é isso: perseguir com os olhos os cada vez mais lentos passos do meu pai por esse mundo. E observar os dedos dos pés de minha mãe se atropelarem na pressa de chegar a algum lugar que ela nunca soube bem onde fica.

(Publicado na Revista Época em 14/02/2011)

A orquídea

Ilustração: Carolina Vigna-Marú

Ilustração: Carolina Vigna-Marú

Por acaso eu olho pela janela. Olho para o nada. Na verdade, olho para dentro. Estou distraída no meu dentro. Meu cérebro registra um movimento, mas eu não chego a ver. Só compreendo quando escuto o barulho. Mas nem sei se houve um barulho. Percebo que algo caiu da sacada do prédio diante de mim. Lembro de tirar o vaso da janela dos fundos. Sempre que chove — quase todo dia nesta época em São Paulo — penso que preciso tirar o vaso da beirada de janela antes que caia sobre alguém no térreo com o peso de um elefante. Não é um vaso lá embaixo na calçada. Busco meus óculos. Sou míope, mas como todo mundo não encontro os óculos quando preciso deles. Descubro-o largado no sofá azul. Enxergo. É um corpo. Uma pessoa. Algo no jeito do corpo me leva a intuir que é uma mulher.

Só percebo que desci os oito andares pelas escadas quando já estou lá embaixo. “Ela se atirou”, uma vizinha diz. Morreu? Ela morreu? Eu pergunto e fico repetindo a pergunta estúpida. “Seis andares”, diz o vizinho de chapéu. E agora? Eu pergunto. Estúpida. “Agora o quê?”. O velhinho que toma sol se aproxima. “Quem se mata é porque não tem foco na vida.” Eu me preparo para dizer que tem de ter muita coragem para se suicidar. Mas olho para ele quando estou abrindo a boca e vejo o quanto ele tem medo de morrer agora que a vida é contada em meses. O quanto aquela vida jovem estatelada no chão ofende o seu medo de morrer. E me calo. A vizinha do cachorro com focinho de tomada conta que aconteceu no nosso prédio também, antes de eu vir morar nele. “O rapaz não era muito certo, sabe. Problemático.” Sim, eu quero dizer. Você não é problemática e está salva. Mas apenas aquiesço com a cabeça porque sei que ela está fazendo o melhor possível enquanto finge carregar o cachorro que a carrega.

Espio com medo do sangue. Estremeço. A moça tinha um brinco de pérola na orelha. Em algum momento antes de saltar no vazio ela colocou um brinco de pérola. Em algum momento, como todos nós a cada dia, ela tentou. Me sento no banco do jardim enquanto os bombeiros chegam. Depois a polícia. As dezenas de janelas ao meu redor que meus olhos abarcam me enchem de medo. As vidas todas que não sei. Refaço meus passos naquele dia. Minhas horas povoadas de nada que é tudo ganham outro sentido agora que tenho a consciência de que logo ali uma mulher sentia uma dor maior que a vida. Será que enquanto eu cozinhava o arroz integral ela pensava em se atirar pela janela? Quando eu escrevi na lista do supermercado que era para comprar cebola média e não grande ela espiava para baixo? No momento em que eu discutia com a moça do cartão de crédito que repetia “Lamento, senhora, mas não posso fazer nada” ela já tinha um pé no ar?

Entre mim e ela apenas alguns passos que nunca foram dados. Podemos ter roçado o braço uma na outra quando eu descia para comprar sorvete no japonês da esquina. Talvez fosse dela a bicicleta na sacada. Quem sabe foi ela que gritou bêbada na madrugada do ano-novo. Eu sei que esses passos nunca serão dados. Que entre mim e todos os outros será sempre perto de mais e longe demais.

“Venha, suba com a gente no elevador. Essas coisas acontecem”, chama o vizinho do chapéu. Ela se foi levando com ela todos os cotidianos que também são nossos. E é só um soluço na cidade. Mas eu subo porque preciso continuar subindo para não saltar. A vizinha do cachorro com focinho de tomada e o cachorro com focinho de tomada também sobem. Ela pergunta se eu preciso de algum produto da Natura. Eu não preciso. O vizinho do chapéu pede que eu espie dentro da caixa que ele carrega. Eu espio. É um bolo de cenoura com cobertura de chocolate. “Você quer um pedaço de bolo?” Não, obrigada. O elevador para. É a minha vez de desembarcar. E em vez de saltar eu desembarco.

Me despeço e percebo que estou feliz com aqueles minutos banais compartilhados naquele retângulo de metal, enquanto viajamos rumo ao nosso destino determinado por um número na porta. Ela também tinha um número na porta. Entro no meu apartamento e corro para o vaso na janela. A orquídea está perto de florescer. A orquídea agora é um quase.

Por que ela saltou? Ela não tomou duas cartelas de comprimidos tarja preta nem deu um tiro na boca nem cortou os pulsos entre paredes que nos mantinham a salvo da dor dela. Não, ela escolheu romper a barreira entre ela e o resto de nós. Ela saltou. Será que saltar foi uma tentativa não de morrer, mas de viver? A dor do mundo de dentro era tão avassaladora que ela saltou para fora. Saltou de dentro de si.

Eu me abraço ao vaso. E fico um tempão assim. Salvei a orquídea.

O bigode de meio metro

Por que João colocou 100 parafusinhos no rosto sem depilar seu orgulho

“Doutor, precisava que tu me quebrasses um galho.” João Alberto dos Santos Marques, 55 anos, exibia 25 fraturas na face e oito no nariz. Tinha levado um coice quando tentava convencer uma vaca a adotar um terneiro desgarrado na fazenda gaúcha de nome Cinacina. Havia passado uma noite inteira deitando sangue. E dizendo: “É só uma dorzinha qualquer, o tipo de um esfolão”. Desconfiava que a coisa “não era tão boa” porque a prótese dentária lhe escapava da boca, mas esta não era nem de longe sua maior preocupação. João também não gastava um segundo do seu tempo pensando no olho que tinha “saltado para fora” nem nas feições que se deformaram. O que estava em jogo naquele momento em que o mundo parou era muito mais vital que a integridade do seu rosto. A identidade, para João Marques, era dada por algo que continuava bem ali, tremulando sobre a sua boca, portentoso e lindo como sempre. “Doutor, o senhor podia me poupar o bigode?”

Cinco horas de operação depois, o cirurgião tinha instalado 100 microparafusos de titânio no rosto de João Marques sem tocar num fio do seu bigode. “Fiquei muito contente com o doutor!”, me disse ele dias atrás, quando o alcancei por telefone, lá para os lados da fronteira do Brasil com a Argentina, onde vive entre São Borja e Santo Antônio das Missões. Eu escutara a história da boca da sua irmã, que o acompanhou na cirurgia no Hospital de Caridade de Ijuí, minha terra de nascimento, e tinha ficado muito intrigada. O que é o bigode para este homem?

Fui saber. E João me contou em gauchês. Para esclarecer, o gauchês – assim como o gaúcho – não tem nada de homogêneo. Cada canto tem nuances e concepções de mundo medidas em lonjuras. O de João é o do gaúcho fronteiriço que anda mais sobre as quatro patas do cavalo que as suas próprias duas pernas. Que tem sangue mestiço de português com índio guarani. Que só tirou a bombacha e botou calça comprida no dia do casamento e até hoje se arrepende (da calça, não do casório, que fique bem entendido!). Que enrola o lenço vermelho dos maragatos no pescoço por “uma ideologia que é um sistema que vem desde os tempos do avô”. Que não gosta de praia, só de mato. Que diversão de fim de semana é laçar boi com os amigos. E que quando é obrigado a ir pra cidade – “Deus me livre!” –, assim que pode se atocaia com o chimarrão debaixo de um pé de árvore e por lá fica até a hora de ir embora.

Por que eu quis saber do bigode do João? Porque esse tipo de personagem ganha importâncias na literatura – e esquecimentos na vida real. Porque o gauchês do João é dele, mas também é nosso, ainda que eu seja uma gaúcha sem intimidade com o Pampa e você seja um paulistano da Vila Madalena ou um nordestino do Agreste, um ribeirinho amazônico ou um funcionário público de Brasília. Porque faz bem pra vida lembrar que enquanto tocamos a nossa lida urbana, o João está lá, alisando seu bigode com os dedos, o olhar fazendo um cafuné no horizonte. Porque me dá gosto contar o momento único em que um homem com a cara toda partida luta para salvar seu bigode – e o faz por intuir que na integridade dele está contida a inteireza do seu mundo. Porque acredito nas epopeias invisíveis – e a de João, se soubermos prestar atenção nos detalhes de sua fala, é salvar os pequenos saberes que fazem dele o que é.

Foi com muita gentileza que João Marques interrompeu a lida para me atender. Permitiu que eu abrisse uma janela e desse uma espiada em seu universo alicerçado sobre um bigode de meio metro.

Esta foi a nossa prosa. E, se ela é bem divertida, há mais nela do que parece à primeira vista.

– Me conta como é esse teu bigode, João!

– De uma ponta a outra tem meio metro. Do nariz para a direita, 25 centímetros. Do nariz para a esquerda, outros 25 centímetros. Por aqui não tem um bigode do tamanho do meu. Tu sabes? Eu coloco atrás da orelha!

– Sério?

– É, uma ponta em cada orelha.

– E por que tu deixaste um bigode desse tamanho?

– Sempre achei lindo bigode grande. Sou bisneto de português e tu sabes que português é apaixonado por bigode. Português sem bigode é quase como gaúcho sem bombacha.

– Não sabia disso…

– É… Na lógica é assim que funciona. Decerto tá no sangue esse negócio de bigode. Eu sempre fui cuidando desse lado da história. Tu sabes que já nasci velho. Se encontro três livros, um mais velho que o outro, eu pego logo o mais velho de todos. É isso. Nasci velho.

– E se tu perdesses o bigode na cirurgia?

– Deus te livre se o médico tivesse de tirar. Acho que eu não ia me conhecer mais. É da identidade minha, de índio primitivo. Não há o que me faça desistir desse bigode. Tu sabes que meu bigode tá em Roma?

– Roma?

– Tu sabes como é no interior. O bispo quando vem, crisma um monte de crianças de uma vez só. E eu tinha ganhado um afilhado nesse dia. Quando terminou a crisma, o bispo me disse: “Quero um particular contigo. Na primeira oportunidade que der, me tira um retrato porque tu me lembras muito meu avô, que tinha um bigode igual ao teu. Depois me manda pelo padre”. O padre é muito meu amigo, sabes, vem pescar e caçar aqui em casa. Tirei o retrato e no que deu na volteada estou em Santo Ângelo, onde o bispo mora. Pensei, com o retrato já no bolso: Vou acertar as contas com o bispo. Cheguei lá na casa do bispo, que agora tá aposentado: “Eu tenho um acerto, uma conta com o senhor. Casualmente vim acertar hoje”. O bispo gostou muito. Disse que ia pra Roma e levaria o retrato pro Papa orar por mim quando fizesse as orações. Nem sei se já foi, mas digo por aí que meu bigode tá em Roma.

– É verdade que tu estás num concurso de bigode?

– É um jogo.

– Como foi isso?

– O Altair, um amigo meu que tem um alambique e vende sua cachaça pelos municípios aqui da região encontrou esse homem em Itacurubi que também tem bigode grande, conhecido por Tio Nato. Este Tio Nato é um contador de causos, gosta de ligar pra rádio e contar anedota. É bem historiador ele. Pois fizeram um jogo de um capão assado (cordeiro desmamado e castrado) e uma carreira de cerveja. Quando fui operar, eu disse pro doutor que tinha este jogo e tinha um seguro. Se ele me cortasse o bigode eu achava que me pagavam o seguro, mas ia perder o jogo. O doutor então abriu uma exceção pra mim. E foi um sucesso a cirurgia, caso muito sério. Vinte e cinco dias depois eu já andava a cavalo no campo. Aí, quando meu amigo contou pro Tio Nato que o meu bigode de ponta a ponta tinha 50 centímetros, ele disse que já tinha perdido. Agora é só marcar de medir os bigodes e comer o capãozinho.

– Não tem nenhum bigode maior que o teu na região?

– Por aqui não tem um bigode como este meu. Mas parece que tem um rapaz lá no Itaqui que tem um bigode de 50 centímetros pra mais. Ele também gosta de coisas antigas, parece até que tem um museu. Tenho muita vontade de conhecer.

– E como tu cuidas do teu bigode?

– Nunca facilitei no cuidado com meu bigode. Digo pro rapaz que me faz a barba, de nome Joaquim, mas vulgo Quim, que me faça a barba caprichosamente, mas não mexa no bigode. Qualquer centímetro que crescer é lucro pra mim.

– Mas e o cuidado com ele em casa, pra lavar e tal…

– Tu sabes que não sou de ficar com muitos cuidados. Faço a higiene e às vezes uso um xampu pra ele ficar mais solto. Penteio com a mesma escova do cabelo. Eu não sou de torcer o bigode nem nada. Gosto de deixar à vontade. Ao natural, bem estendido. Acho lindo ao natural.

– E a tua mulher, a Ozana, gosta desse teu bigode?

– Ela aceitou normal, as gurias é que acham muito engraçado. É um troço quase que meio exótico, no bom sentido. Alguns amigos até usam essa expressão. Ah, mas deixou um bigode meio exótico. E eu sou muito bom de prosa e apesar de não ter grande estudo sou bom de argumento. Eu digo: Mas que esperança, meu amigo, se fosse verde ou encarnado podia ser exótico. Este bigode é do índio primitivo. Bigode igual a este meu tu só vês no túnel do tempo da Zero Hora (seção de memória do jornal gaúcho). E uns vêm até me elogiar porque sabem que estou dizendo não de brabo, mas porque é meu direito. Uns me batem nas costas e outros só encabulam.

– Me fala um pouco mais da tua vida aí na fazenda. Desde quando tu andas a cavalo?

– Desde os quatro, cinco anos. E até o dia de hoje nunca paguei um pra domar meus cavalos. Meus cavalos se deitam e obedecem ao comando da minha fala. Tenho retrato pra mostrar. Faço parto de vaca, faço até cesariana. Aprendi na lida bruta da vida. A melhor escola é a do mundo. E não é querer me gabar, mas tem veterinário que vem se aconselhar comigo qual é o mais prático, qual é o mais certo. Eles sabem na teoria, mas na prática quem sabe sou eu. Na lida campeira é touro criado, é cavalo, não é pra me gabar, mas aqui na vizinhança marcam dia pra ver quando vou poder capar lá pra eles. E até o dia de hoje nunca tive problema nenhum.

– E como é que tu fazes a castração do gado?

– Gaúcho mesmo não usa máquina, não usa burdizzo. O gado é capado à faca. Faca de ferro que é a melhor. Eu, quando vejo um índio desses de burdizzo debaixo dos pelegos, derrubando touro pra capar, eu tô fora, nem é comigo. Eu entendo mesmo e sei fazer essa lida bagual, do tempo antigo.

– E tu ainda comes os bagos do boi como no passado? Quando era criança eu assistia à castração e comia também, mas agora faz um tempão que não vejo isso.

– Faz parte da lida. Se o cara chega a não estar lá no costado da mangueira com um punhado de sal nem começamos a lida. É o primeiro que vai pra beira da mangueira. E tu sabes que é o viagra campeiro. É um revigorante de primeira linha. Assim como carne mal passada é outro que não é brinquedo, um estimulante fora de série.

– Então a mulherada fica feliz nesse dia?

– É…

– Mas por que tu não usas a máquina para castrar, por que achas tão importante fazer do jeito tradicional?

– Eu sei usar a máquina, mas não uso. Considero que é capa de colonial. E eu não sou colonial, eu sou índio do campo mesmo, gaúcho e bagual. Comigo tem de ser no sistema antigo.

– E o que é “colonial”?

– Colonial, como a gente costuma dizer e me desculpe pela expressão, é o índio já meio pendendo pro americanizado. Tá no campo porque pertence à classe povoera. Termo pejorativo nosso aqui, que não é nem a expressão certa, mas a gente diz. Meio americanizado, povoero e meio cowboy. Este nós consideramos colonial.

– Tu já pensaste em morar na cidade?

– Nunca morei na cidade e não quero que Deus me castigue de um dia precisar morar lá. A cidade me dá um tipo de angústia. Sempre brinco com os meus amigos que quero ir mais pra costa do Icamaquã (rio) e não pra beira da estrada. Aqui é que eu acho lindo. No dia em que tenho mais tempo chego a entrar no meio do mato só pra sentir o cheiro. Me sinto tão bem que vou te dizer, sou apaixonado pelo campo e pelo mato.

– O que é um gaúcho no teu modo de ver?

– O gaúcho é aquele que entende de toda a lida que for preciso. Eu, se precisar derrubar uma vaca, carnear e charquear, eu sei fazer. Se tiver de carnear uma ovelha, charquear e assar, eu sei fazer. Na minha concepção, entendo assim. Se o cara disser que amanhã vamos sair bem cedo, eu tô com o cavalo encilhado e o ponche na garupa. O gaúcho tropeiro é praticamente superior ao tempo. Se amanhecer o dia com sol que racha eu tô indo. Se amanhecer o dia chovendo tô indo igual.

– Tu te orgulhas de ser gaúcho?

– Mas deus te livre!

– Como é um dia normal teu?

– Quando começa a pender pra amarelar a barra do dia já começo a agitar o serviço do campo. Às 5 e meia, 6h, já estou agitando. Tu sabes, né, que cada dia que tu saíres para a lida na fazenda tem uma surpresa, sempre tem uma surpresa. É uma vaca que o terneirinho se desprendeu e tem de procurar, ou uma vaca que não pode dar cria e tem de ajudar a nascer ou fazer cesárea, uma ovelha que apareceu mordida de cachorro… Desde que clareia o dia é assim. Eu aqui cuido de umas 200 cabeças de gado, umas 150 ovelhas e umas 40 éguas.

– Sozinho?

– É barbada depois que acostuma. E tenho os cachorros que me ajudam igual a um homem. Tendo cachorro bom, a gente lida com qualquer quantia de gado. Tenho cinco cachorros. A Famosa, o Bugio, o Raposinha, o Chatão e o Max. E quando tem algo maior, eu e meu vizinho trocamos serviço.

– Quando tu acordas, a primeira coisa é o chimarrão?

– Primeiro o mate. Depois tomo o meu desjejum.

– E o que tu comes?

– Carreteiro de charque. De manhã cedo é comida de sal.

– João Marques, tu és feliz?

– Mas bah!

– A vida é boa para ti e o teu bigode?

– Mas barbaridade, vou te dizer… uma pena ter de morrer.

(Publicado na Revista Época em 07/02/2011)

O mistério do marido

Ilustração: Carolina Vigna-Marú

Ilustração: Carolina Vigna-Marú

Ainda hoje, quando bebe um dry martini a mais, ela se dá conta que não consegue identificar o momento exato em que o marido começou a ficar estranho. Quando se vive há tanto tempo com outra pessoa, é fácil deixar passar alguns detalhes. Com os anos, até se aprende que o melhor mesmo é deixar passar alguns detalhes. Ele deve estar se estressando no trabalho, ela concluiu ao tentar entrar no banheiro para secar o cabelo e levar a porta na cara. Será que eu não tenho um pingo de privacidade na porra desta casa?, ele reclamou. Grosso, ela respondeu. E pronto.

No outro dia, de novo. Depois de terem discutido por anos porque ela achava um absurdo ele fazer xixi de porta aberta, agora era o marido quem fazia questão de se trancar lá dentro. Com chave, mesmo. Será que está se masturbando a esta hora? Não, ela não era daquelas mulheres que achavam que homem casado não pode bater punheta. Se for isso, beleza, pensava. A sexualidade é um território livre. Desde, claro, que as fantasias com outras mulheres (e homens… melancias, anões besuntados com amendocrem e pastores alemães, de duas e quatro patas) ficassem apenas dentro da cabeça dele. Mas punheta logo de manhã cedo? Estranho…

Ele saía do banheiro com aparência feliz. Às vezes até assobiava Garota de Ipanema. Afinado, ele. Você mudou o corte do cabelo?, ela perguntou. Estou deixando crescer. Acho que com o cabelo mais comprido pareço mais magro. Oquei. Durante todos os anos de casamento ele tinha feito o mesmo corte de cabelo militar, religiosamente uma vez por mês, com o mesmo barbeiro, o Ronivon Barber Shop. E o corte durava o tempo exato de ler, segundo ele, a entrevista completa da Playboy. Hum….

Ela começou a reparar que agora ele sacudia o cabelo e passava os dedos entre as mechas como uma loira. Ele tem outra, disse à melhor amiga, e em seguida caiu no choro. Não, o Rômulo Alberto não faria isso. Todo mundo sabe que ele é louco por você. Por que outro motivo um homem muda o corte de cabelo de uma vida inteira? Ele agora está sempre olhando no espelhinho do carro. Disfarça, para que eu não perceba, mas eu finjo mexer na minha bolsa e bingo, lá está ele arrumando o cabelo. E me evita. Antes acordávamos e dividíamos o banheiro. Tínhamos ótimas conversas enquanto ele fazia a barba e eu secava o cabelo. E às vezes até rolava um strangers in the morning. Ai meu deus, ele não me suporta mais. Sente repugnância por mim.

Decidiu confrontá-lo. Naquela noite, quando ele chegou do trabalho, ela estava pronta para uma DR. Quando a viu, bem posicionada na poltrona, olhos de atirador de elite do FBI, teve vontade de ir comprar cigarros, mas lembrou que não fumava. Não, DR não, por favor! Eu tive um dia de cão castrado.

Rômulo Alberto, nós precisamos conversar. Xiiii, quando ela chamava de Rômulo Alberto em vez de Pituluquinho é porque a coisa tava feia. Deixa só eu largar a mochila e lavar as mãos, suspirou. Desde quando ele lavava as mãos? Ok, mas não demora. E não precisa se trancar no banheiro porque eu não vou tentar entrar.
Pronto. Ele estava sentado diante dela como uma criança de 9 anos. Você tem uma amante. Está doida, mulher? Você acha que eu tenho tempo de ter amante? Eu te amo, você sabe. Ele parecia sinceramente surpreso. Mas, ela tinha certeza, estava mentindo. Não adianta, Rômulo Alberto, uma mulher percebe nos detalhes. Você não me quer mais no banheiro de manhã. E NENHUM HOMEM MUDA O CABELO DE TODA A VIDA SEM QUE SEJA POR UMA AMANTE!!!!

Ele parecia agora ter cinco anos. As pernas para dentro. Cabeça baixa. Meu deus, era verdade, ele tinha mesmo uma amante. Vou ficar com o apartamento, ele que vá para um hotel. E hoje mesmo. Vou ficar com o carro também. Ela mesma se surpreendeu. Parte dela chorava sentido, a outra fazia cálculos, a mente límpida como um Ipad de 64 GB.

Ela ouviu um ruído baixinho. Meu deus, ele está chorando. Desculpa, Flortolindinha, eu devia ter te contado. Rômulo Alberto, como você pôde fazer isso comigo? Depois de tudo que vivemos juntos! Você sabe, o apartamento vai ficar comigo! Quem faz a merda é que tem de se foder! Ela então se deu conta. Ele está fodendo com outra. O meu Pituluquinho está fodendo com uma dragonete qualquer. Ou não é uma qualquer? Será que ela consegue dar tchau sem que o braço faça ola? E desandou a soluçar.

Ele tentou abraçá-la. Ela o repeliu com um tapa que alcançou o ombro dele. E se vingou: É bom, mesmo, porque agora eu posso te contar que na noite anterior ao nosso casamento eu dei para o Rodrigão. O Rodrigão era o melhor amigo dele. O quê? Como você fez uma coisa dessas comigo? O Rodrigão é meu amigo desde os tempos da Penha! Ora, eu estava confusa e assustada com a possibilidade de transar só com você pelo resto da minha vida. Mas nem vem. Isso foi antes do casamento. Desde que eu disse sim lá no altar eu nunca, nunquinha, te traí.

Ele atravessou a sala como o Tocha Humana (isso aconteceu antes de O Quarteto Fantástico virar trio). Quando ela o alcançou, ele já estava jogando uma pilha de cuecas na mochila. A gente conversa quando eu conseguir olhar na tua cara. Não inverta as coisas!, ela gritou. Eu quero saber quem é a baranguete com quem você está me traindo!

Ele olhou para ela, antes de fechar a porta do apartamento. Hesitou alguns segundos, limpou a garganta e disse, desafiador. Não tem nenhuma outra mulher. Eu só estou usando pomada modeladora para o cabelo. E tinha vergonha de contar. Você acabaria comentando com as suas amigas e elas comentariam com os maridos e seria como aquela vez em que vocês acabaram com a vida do Sílvio Luís porque ele fazia as unhas do pé no salão. Ou com o Geraldo quando comprou um leque na Liberdade para fazer artes marciais. Por isso eu não te queria no banheiro. Você sabe, eu sempre tive complexo de ter o cabelo muito armado. Então o Ronivon me deu uma pomada modeladora e garantiu que não era coisa de metrossexual. Eu nem sei como passei a vida sofrendo com o complexo do cabelo sem saber que existia algo como a pomada modeladora! E agora eu tenho o cabelo quase igual ao do Richard Gere. Tchau.

Ela tentou segurá-lo. Se humilharia se fosse preciso. Emprestaria sua pomada modeladora importada se a situação piorasse. Por que você não contou de uma vez? Eu juro que não ia rir. Até o Justus usa e nunca foi demitido por isso! Ops, talvez não seja uma boa referência. A Hebe usa! Merda, pensou. Estou me enterrando. Sansãããããããooo!!!!!

Ele se desvencilhou dela com um safanão. Largou a mochila no chão e entrou no apartamento. Ela abriu os braços, pensando que tudo ia ficar bem e ririam muito do mal entendido. Mas ele passou reto. Voltou com um potinho branco. Tinha esquecido a pomada modeladora. Sacudiu o cabelo como uma loira e bateu a porta sem se despedir.

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